Crise fiscal arrasa a psique grega


























Desespero toma conta enquanto empregos e receita desaparecem
Folha de S. Paulo - THE NEW YORK TIMES - 23/05/2011
Por LANDON THOMAS Jr.

Atenas
Com o rosto contorcido de ansiedade, Anargyros D. contou como perdeu tudo depois do colapso econômico grego -a fábrica de processamento de alimentos fundada por seu pai 30 anos atrás, a casa, o carro, o Rolex, o orgulho e agora, segundo ele, a vontade de viver.

"Muitas vezes, pensei em pegar o carro do meu pai e atirá-lo contra um muro", ele disse. Encurvado e trêmulo, ele esteve recentemente no escritório da Klimaka, uma organização de serviços sociais que ajuda o número crescente de profissionais gregos sem moradia e deprimidos que perderam os empregos e a dignidade.


"Nós éramos os que ajudavam os outros na Grécia", ele disse. "Agora, estamos pedindo ajuda."
Faz um ano que a Grécia evitou a falência, quando a Europa e o Fundo Monetário Internacional lhe forneceram uma ajuda de 110 bilhões de euros (US$ 155 bilhões). O desespero dos gregos como Anargyros D. reflete um nível de sofrimento mais profundo do que alguém poderia prever aqui.

Os economistas estão projetando uma contração de 4% do Produto Interno Bruto neste ano. A produção de cimento caiu 60% desde 2006. A produção de aço caiu em alguns casos mais de 80% nos últimos dois anos. Os analistas dizem que cerca de 250 mil empregos no setor privado serão cortados até o fim do ano, elevando o índice de desemprego a mais de 15%.
Com as manchetes gritando sobre o rebaixamento da nota de crédito, os gregos, em pânico, estão tirando seu dinheiro dos bancos. A Grécia perdeu 40 bilhões de euros em depósitos no ano passado, e os banqueiros dizem que os saques aumentaram recentemente.

Essas dificuldades, mais uma vez, fizeram da Grécia um assunto urgente para a zona do euro, de 17 países, cujos ministros das Finanças se reuniram em 16 de maio para falar sobre a crise da dívida. A discussão era se a Grécia receberia mais uma rodada de empréstimos de até 60 bilhões de euros, e quais novos cortes orçamentários serão exigidos em troca. Os ministros europeus pediram que a Grécia inicie um programa de privatização antes de receber mais ajuda.

A prisão em 14 de maio de Dominique Strauss-Kahn, o chefe do FMI, acusado de agressão sexual, poderá criar nova incerteza sobre um pedido de mais austeridade. Strauss-Kahn, geralmente, favorecia uma abordagem menos onerosa e, como renunciou ao cargo, é possível que se imponham as condições mais duras preferidas pela Alemanha.
Mas, enquanto o debate sobre como consertar a economia grega se desenrolou em público, as maneiras como essa crise está rasgando o tecido social do país são menos conhecidas.

Assistentes sociais e autoridades municipais de Atenas relatam um aumento de 25% no número de sem-teto. No principal "sopão" de Atenas, aparecem 3.500 pessoas por dia contra cerca de cem por dia há dez anos. A idade média dos que os procuram hoje é de 47 anos contra 60 dois anos atrás, aumentando as evidências de que os que sofrem hoje são ex-profissionais. O desemprego para homens de 30 a 60 anos disparou de 4% para 10% desde o início da crise em 2008.

Aris Violatzis, conselheiro de Anargyros D. na Klimaka, diz que as ligações para sua linha de ajuda a suicidas aumentaram para 30 por dia, o dobro de dois anos atrás. "Não podemos imaginar isso", disse Violatzis. "Este é um país em choque emocional."
As evidências do choque são abundantes em Atenas. Em uma segunda-feira recente, uma mulher bem vestida remexia o lixo diante de hotéis cinco-estrelas. Ao anoitecer, a polícia antimotins disparou gás lacrimogêneo contra manifestantes.

Operários da construção demitidos estão vivendo em mansões abandonadas. Um guarda de segurança desempregado disse que passou o último ano dormindo em seu velho carro. E um chef treinado na melhor escola de culinária de Atenas dormiu em bancos de parques durante 18 meses depois que seu emprego no restaurante foi eliminado. O governo não reconhece os sem-teto como uma categoria social, diz Anta Alamanu, que dirige um abrigo com financiamento privado para a Klimaka, o grupo de serviços sociais. Por isso, não há abrigos para sem-teto mantidos pelo governo.

Quando Kostas DeLazaris, 47, perdeu seu emprego em turismo em Corfu, em 2007, entrou para uma firma de construção em Atenas, mas perdeu esse emprego dez meses atrás quando a indústria da construção estagnou. Hoje, ele dorme no chão em uma casa abandonada, juntamente com duas mulheres gregas e uma família de imigrantes de Bangladesh. "Sinto-me traído", disse. "Eu pago meus impostos. Fazia parte das massas e estou nas ruas agora." Ele ri diante da ideia de um novo acordo com a Europa. "Haverá um terremoto, e sangue será derramado".

De fato, alguns analistas afirmam que uma explosão social está se formando, alimentada pela divisão entre o setor privado duramente atingido e uma força de trabalho pública de cerca de 1 milhão que não experimentou um desemprego significativo.
Crescem as críticas ao premiê George A. Papandreou. Um plano para levantar 50 bilhões de euros até 2015 privatizando empresa pública de energia e trens foi uma decepção. Essas empresas, ainda intocadas pelas reformas, abrigam poderosos sindicatos que, por sua vez, protegem o que alguns consideram milhares de trabalhadores excedentes.

Papandreou abriu profissões fechadas e reformou os sistemas de previdência do país, e muitos gregos o apoiam. Mas os críticos dizem que ele pode estar evitando opções difíceis, acreditando que a Grécia será salva por um novo pacote de ajuda europeu.

Mas não está claro se essa ajuda vai levantar Anargyros D. de sua decepção. Aos 41 anos, ele vive da pensão mensal do seu pai de 962 euros, que foi reduzida de 1.500 euros há um ano. "Tudo estava cor-de-rosa", ele afirmou. "Então, os bancos nos tiraram simplesmente tudo."

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