Rápido e devagar: duas formas de pensar

Os truques da mente rápida e a hora de pensar devagar
por Cesar Baima
O Globo
agosto 2012


Daniel Kahneman, psicologo nobel de economia



O psicólogo Daniel Kahneman, ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 2002 pelo desenvolvimento da Teoria da Perspectiva, que mostra a nossa falta de racionalidade nas decisões entre alternativas que envolvem riscos

Considerado um dos maiores estudiosos da mente humana na atualidade, Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 2002, apesar de ser psicólogo. Prestando bem atenção, a última oração da frase anterior é uma amostra do que ele chama de Sistema 1, nosso pensamento rápido, intuitivo e automático. Antes dele, outros psicólogos e pesquisadores do comportamento já tinham recebido a honraria, mas isso não impediu a sensação de estranheza. Já a outra parte de nossa mente, o Sistema 2, é responsável pela reflexão, racionalização e solução de problemas complexos, mas lento e um preguiçoso nato. Muitas vezes, ele confia nas respostas automáticas do “irmão”, mesmo que elas fujam à lógica. Por outro lado, a intuição também permite que especialistas, como um médico, diagnostiquem doenças com um simples olhar em um paciente, ou um chefe dos bombeiros mande seus homens se retirarem instantes antes de um prédio desabar. Passamos a vida entre um e outro e é com eles que experimentamos o mundo, tomamos decisões e construímos nossa memória. Kahneman reúne as suas mais de cinco décadas de estudo deste processo no livro “Rápido e devagar – Duas formas de pensar” (Ed. Objetiva), recém-lançado no Brasil. Em entrevista a O GLOBO, ele conta alguns truques que a mente pode nos pregar e confessa que, mesmo depois de tanto tempo tentando desvendar seus mistérios, ainda não foi capaz de se treinar para evitar ser enganado pelo Sistema 1.

No livro o Sr. aponta o Sistema 1 como o verdadeiro herói da história, responsável por grande parte de nossa percepção do mundo. Mas nós nos identificamos mais com o Sistema 2, gostamos de pensar que sempre somos pessoas razoáveis e racionais. O fato de nos fiarmos mais no Sistema 1 significa que a racionalidade humana é um mito?

KAHNEMAN: Depende de como você define racionalidade. Se formos pensar nela de forma restrita, de que todas nossas crenças e escolhas seguem uma coerência lógica, então ela é mesmo um mito. Mas se usarmos uma definição mais ampla, o Sistema 1 é excelente no que faz e na maior parte do tempo estamos bem seguindo ele. O pensamento intuitivo não é necessariamente irracional. O comportamento intuitivo é rápido e normalmente muito acurado. O ponto é que recebemos respostas automáticas a problemas toda hora e e na maior parte das vezes estas respostas vêm de nossa habilidade e nossa experiência em lidar com estas situações. Mas algumas vezes também temos respostas emocionais imediatas, que não vêm de nossa capacidade de lidar com a situação, e aí o Sistema 1 falha.

Então quando vemos especialistas tomarem decisões rápidas e corretas baseadas em seus conhecimentos anteriores é o Sistema 1 deles que está trabalhando?

KAHNEMAN: Sim, essa é a maneira que as pessoas jogam basquete ou xadrez, dirigem um carro ou até mesmo um comediante encontra a melhor maneira de contar sua história. Muito de nosso comportamento vem de nossas habilidades e é automático, não é racional no sentido de ser muito deliberado. As coisas vêm à nossa mente automaticamente e em geral estão certas, mas ocasionalmente não. O problema é que subjetivamente não sabemos a diferença entre as vezes em que a intuição e o pensamento rápido estão certos e quando estão errados. Por outro lado, pensar lentamente sobre tudo é simplesmente impossível. Não temos opção. Mas algumas vezes podemos identificar situações em que nossa intuição está nos levando para o caminho errado e esta é a hora em que é importante desacelerar.

E como podemos reconhecer estas situações? Há sinais que devemos ficar atentos?

KAHNEMAN: De certa forma é disso que o livro fala. Você pode ver o livro como um guia para reconhecer as situações em que estes erros geralmente acontecem. Muitas vezes as pessoas fazem previsões ou tiram conclusões exageradas sem ter evidências suficientes para isso. Tendemos a superestimar nossa compreensão do mundo e subestimar o papel do acaso.

Daí vem também nossa dificuldade em pensar estatisticamente e nossa aversão irracional a risco citadas no seu livro, isto é, decidimos de forma diferente dependendo da maneira como uma possibilidade de ganho ou perda é apresentada, mesmo que as chances sejam essencialmente as mesmas?

KAHNEMAN: O fato é que a maneira que respondemos a uma ideia varia segundo sua formulação, e isso é incompatível com uma teoria padrão da racionalidade econômica, isto é, um indivíduo completamente racional não seria influenciado se você descreve uma carne como contendo 10% de gordura ou sendo 90% livre de gordura. Mas as pessoas são influenciadas pelo modo como você descreve o conteúdo de gordura, e elas preferem muito mais uma carne que seja 90% livre de gordura do que uma que tenha 10% de gordura. As pessoas são suscetíveis a estes erros e reconhecer esta suscetibilidade pode nos ajudar a tomar decisões melhores. Temos muitas dificuldades para lidar com questões de ganhos e perdas e tendemos a enxergar os problemas um de cada vez. E quando vemos eles sob esta perspectiva consideramos as chances de perder mais importantes do que as de ganhar, e isso faz as pessoas perderem algumas boas oportunidades.

No seu livro o Sr. também aborda a dicotomia entre o eu da experiência e o eu da memória, citando experimentos que mostram que a forma como uma situação agradável ou desagradável termina é que vai determinar a maneira que lembramos dela. Neste sentido, então, a ideia de que a primeira impressão é a que conta é uma falácia? É o Sistema 2 que conta a nossa história?

KAHNEMAN: Sim, são essas impressões finais que determinam nossas decisões. As decisões que tomamos refletem nossa avaliação das experiências que temos, e elas são governadas regra do pico-fim. Assim, a maneira que uma experiência termina é mais determinante para nossas escolhas futuras. Embora em alguns momentos a primeira impressão conte para uma decisão rápida do Sistema 1, na construção da memória frequentemente é a última impressão que conta. Quando você está começando a conhecer uma pessoa, a primeira impressão é importante porque ela vai te ajudar a determinar como você vai interpretar o que está acontecendo. Mas se você vai tomar uma decisão sobre esta pessoa baseada na memória que tem dela, é a última impressão que ela deixou que vai te guiar, mais do que a maneira como se conheceram.

Mas o tempo passado desde a experiência também é importante, isto é, tendemos a nos basear mais em eventos mais recentes do que em mais distantes no passado?

KAHNEMAN: Sim, o tempo também é um fator. É o que chamo no livro de nível de disponibilidade, isto é, tudo o que está na sua memória é importante nas decisões que você vai tomar. E o quão mais recente é uma experiência, no sentido de que ela vem à mente mais facilmente, mais peso ela terá na sua decisão. A memória das experiências mais recentes são mais vívidas, mais claras e mais fáceis de serem lembradas.

E quanto à construção de nossa memória, de nossa história de vida. Muitas vezes construímos as lembranças de nossas experiências contando pequenas mentiras a nós mesmos. Este é outro exemplo do eu da memória sobrepujando o eu da experiência de fato?

KAHNEMAN: Certamente. As pessoas mantêm uma narrativa de suas vidas, uma história do que acontece com elas, e frequentemente essa narrativa é distorcida, e quando isso acontece, é geralmente de forma favorável a elas. E esse eu da memória é o que mais importa quando as pessoas avaliam seu bem-estar.

O livro reúne cinco décadas de estudos sobre a mente humana. Depois de tanto tempo, o Sr. conseguiu treinar a si mesmo a pensar devagar onde pensar rápido o leva a cometer erros e quando confiar em sua intuição?

KAHNEMAN: Na verdade, não. Minhas pesquisas não me deixaram mais inteligente. Creio que depois de tanto tempo sou apenas muito bom em identificar e entender quando e onde outras pessoas estão cometendo erros, mas não consigo aplicar isso em mim mesmo. Temos muito pouco controle sobre o Sistema 1 e na maior parte do tempo acreditamos em nossas impressões. E nisso não sou diferente das outras pessoas. Reconheço que também cometo erros. Mesmo sendo um especialista no funcionamento da mente, não me tornei uma máquina de pensar rápido sobre o que penso.

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