A transformação das cidades

Tudo começa com artistas e descolados buscando espaços baratos para seus ateliês. Em seguida chega um monte de gente querendo viver num lugar transado. Entenda como o processo de gentrificação - criticado por uns e elogiado por outros - vem mudando Berlim, Barcelona, Madri, Paris, Nova York, Londres, Buenos Aires e o Rio de Janeiro.

Cidade em Transe
Por: Isabel De Luca; Graça Magalhães-Ruether; Suzana Velasco;  Janaína Figueiredo; Vivian Oswald; Priscila Guilayn; Fernando Eichenberg; Fábio Vasconcellos, Flávio Tabak, Natanael Damasceno e Paulo Thiago de Mello
O Globo
Out/Nov 2013





Gentrificação é um conceito usado pela sociologia para se referir ao processo de substituição de população, em que a chegada de novos residentes de renda superior à da população original acaba por transformar o perfil sociocultural da área em questão. Os novos moradores introduzem costumes e práticas de consumo distintas das tradicionais, estimulando o surgimento de negócios e elevando o custo de vida, especialmente no que se refere aos gastos com moradia (imóveis, alugueis, condomínios, impostos etc.), o que pressiona a saída de antigos residentes da área.

O conceito deriva de um neologismo criado pela socióloga britânica Ruth Glass em 1963, em um artigo sobre mudanças urbanas em Londres, para se referir a um fenômeno de aburguesamento de uma área central da capital britânica. Havia um tom irônico na expressão, que deriva do inglês “gentry” (bem-nascido). Ao longo dos anos 1980, no entanto, a expressão ganhou uma conotação positiva, como uma espécie de melhoramento do território urbano. Gentrificação, assim, passou a ser sinônimo de “enobrecimento” do bairro. Com as críticas ao tipo de urbanismo excludente que emerge a partir dos anos 1980, o termo gentrificação voltou a ganhar uma conotação negativa, como um processo que expulsa antigos residentes de suas áreas residenciais.


Berlim:

O processo de gentrificação na capital alemã é controvertido. Nos últimos anos, tem chamado atenção Kreuzkölln, no Sul da cidade, entre Kreuzberg e Neukölln, dois bairros que antigamente eram sinônimo de guetos de pobres. O lugar, marcado por uma característica típica da Berlim do início do século XX, com belos prédios de apartamentos de cinco ou seis andares de fachadas com frisos, começou a ser procurado por artistas, estilistas e intelectuais, sendo em seguida descoberto pelos corretores de imóveis. Essa mudança tem recebido críticas de Christian Ströbele, deputado do Partido Verde que tem em Kreuzberg o seu reduto eleitoral.

Christian Gerome, da corretora Allgemeine Immobilien-Börse, confirma que os preços dos imóveis subiram 30% nos últimos dois anos. Já Corvin Tolle, da Rohrer Immobilien, diz que o bairro tem “o maior potencial de desenvolvimento” da cidade. O jornal berlinense “Der Tagesspiegel” lembra porém, que, o outro lado da moeda da gentrificação é que o mercado desloca as pessoas de renda baixa para os subúrbios da cidade.

No início do século XX, Berlim era a meca da música, arte e ciência, e tinha mais de quatro milhões de habitantes, sediando grandes empresas como Siemens e AEG Telefunken. Mas poucas cidades conheceram, em um período tão curto, a queda após o apogeu como a capital alemã. Depois da Segunda Guerra Mundial, Berlim estava destruída pelas bombas. A cidade ainda não voltou ao seu apogeu pré-guerra, mas dados recentes revelam que ela voltou a crescer. Em lugar da estagnação posterior à reunificação, Berlim registrou, pela primeira vez depois da guerra, mais de 3,5 milhões de habitantes, o que foi possível por meio da migração de pessoas, principalmente jovens, do resto da Alemanha e da Europa. Em 2030, deverão ser 3,75 milhões de habitantes.

Atraídos pelo novo ambiente da capital alemã, os irmãos portugueses Ruth e Gonçalo Oliveira deixaram Lisboa há quatro anos para centralizar em Berlim suas carreiras artísticas. Gonçalo, de 34 anos, é compositor de afrobeat, música pop com raízes africanas.— Quando chegamos, viemos morar em Neukölln porque aqui os aluguéis eram mais baratos, mas agora a parte do bairro que se chama de Kreuzkölln tornou-se um centro de criatividade e ficou mais cara — comenta Ruth, de 32 anos, compositora de música pop. Bem perto dali, na Rua Friedel, a estilista Barbara Kristen montou, em um prédio onde antigamente funcionava um bordel, a sua griffe “Icke, Berlin”, um estilo jovem e bem-humorado como os novos habitantes do bairro.— Kreuzkölln tem uma atmosfera da Berlim antiga, lojas pequenas e muitos cafés e restaurantes que convidam para sentar — diz a estilista. Lei federal prevê teto para reajuste de aluguel.

Em uma das áreas que mais atraem visitantes no Centro de Berlim, entre hotéis, lojas de design e roupas, um edifício residencial na Linienstrasse se tornou um ponto turístico à sua revelia. A fachada da esquina está caindo aos pedaços, mas não abandonada: cartazes pendurados na janela indicam que há gente ali. “Não pagamos por sua especulação!”, diz um deles. No pátio interno, o pedido de “Não mais demolições” é feito pelos 15 moradores que, juntos, hoje pagam € 2 mil para ocupar o que oficialmente são 11 apartamentos — mas que, na prática, funciona como uma casa comunitária, com uma cozinha e dois banheiros coletivos. Antes da queda do Muro de Berlim, os moradores do hoje mais turístico dos bairros da cidade, Mitte, eram operários na Alemanha comunista. Em 1990, com a reunificação, os edifícios — que eram de propriedade pública em Berlim Oriental — tiveram que ser devolvidos aos antigos proprietários, mas muitos deles não foram encontrados. Prédios que não mereciam renovação ficaram abandonados, e vários foram ocupados. O número 206 da Linienstrasse foi um deles e hoje, 23 anos depois, é um símbolo da resistência de Berlim à gentrificação, um dos chamados “Hausprojekte” (“Projetos de casa”) que ainda estão de pé.

Expulsões de inquilinos — com manifestações nas portas dos prédios — se tornaram frequentes nos últimos anos em Berlim, devido à recusa em pagar reajustes de aluguel. Apesar de os dados oficiais apontarem aumento médio de 6,3% nos últimos dois anos, associações de inquilinos calculam que, em apartamentos de antigas construções em bairros com menos oferta, o reajuste chega a mais de 25%. Berlim é uma das cidades mais baratas na Alemanha e entre as grandes capitais europeias. Uma lei federal, porém, prevê a possibilidade de limitar o aluguel caso o Legislativo constate que não há oferta suficiente de moradias para atender à população — foi o que aconteceu em Berlim este ano, com a aprovação do limite de 15% no reajuste dos aluguéis na cidade num período de três anos. Além disso, a capital alemã fez sua fama justamente com um cosmopolitismo quase anti-Manhattan — alternativa, anticonsumista, lugar de criatividade fora das demandas de mercado e que, em sua reinvenção na década de 1990, atraiu artistas do mundo todo. Não à toa Klaus Wowereit, prefeito da cidade desde 2001, tornou célebre a frase “Berlim é pobre, mas sexy”. E é por esse motivo que a palavra gentrificação é hoje permanente na mídia, nos debates políticos e nas conversas dos berlinenses — 85% dos quais moram de aluguel. Não se trata apenas da alta do custo, mas das consequências que esse aumento tem para a configuração da cidade, causando deslocamentos e segregação no espaço, afetando as moradias sociais e, consequentemente, a mistura típica da cidade.— O que se deve fazer é pensar em como manter a mistura da cidade — afirma o alemão Rico Rokitte, pesquisador de Desenvolvimento Urbano.


Londres:

Quase meio século depois de a socióloga britânica Ruth Glass cunhar o termo “gentrificação” para explicar a ocupação dos bairros pobres de Londres pela classe média, não há sinal no horizonte que indique que a expressão poderá sair de moda num futuro próximo. Metade dos londrinos acha que terá de deixar capital em função da especulação imobiliária. E nove entre dez deles crê que é mais difícil comprar ou alugar na cidade hoje do que no tempo dos seus pais, segundo o instituto Ipsos Mori do começo deste ano.

Se os investimentos bilionários para a realização das Olimpíadas de 2012 jogaram os holofotes sobre a Zona Leste, eles também deixaram em evidência no mapa da cidade o eixo Hackney Wick-ilha Fish-Stratford, uma espécie de segredo que o mundo artístico vinha tentando guardar. É a maior concentração de artistas por metro quadrado da Europa. A estatística é repetida pela maior parte dos dois mil pintores, escultores, roteiristas de cinema, entre outros, que, nos últimos cinco anos, chegaram ali de mala e cuia. Atrás de alugueis mais baratos e espaço, ocuparam como puderam velhos armazéns do início do século XX. O lugar tornou-se polo de artes que atrai não apenas jovens iniciantes como também nomes estabelecidos e estrangeiros. Galerias de arte se instalaram pelos prédios de aspecto délabré da região, que divide os quarteirões com oficinas mecânicas, portões de metal com arame farpado, latões de lixo e entulhos. Tudo isso decorado com pela atmosfera industrial decadente de antigas chaminés e paredes de tijolinho escuro enfeitadas por belos exemplares do street art. Do jeito que os artistas gostam. Aos poucos, eles próprios, que tanto se queixam da especulação, e os novos investimentos que foram atrás das fronteiras que se encarregaram de abrir vão deslocando a comunidade empobrecida e diversa (onde se falam pelo menos 140 idiomas) do bairro, que, diante da chegada das novas tribos e da badalação, já não tem mais como ficar. O movimento não deixa de expor certa tensão social entre velhos e novos moradores. Esta parte da cidade já foi uma das mais pobres do país.

À beira do canal, com vista para o gigantesco estádio construído no Parque Olímpico, o empreendimento mais caro dos jogos de Londres, a galeria Stour Space ganhou fama desde que se instalou ali há três anos. Ocupa um dos antigos armazéns, esteve prestes a ser despejada pela especulação imobiliária pós-olímpica, e, agora, com a ajuda de artistas e da própria comunidade, está de olho nos três prédios vizinhos, que hoje abrigam nada menos que 144 estúdios. A Foreman & Sons, mais antiga fábrica de peixes defumados da capital, foi obrigada a deixar a área onde aconteceu as Olimpíadas. Mas já garantiu seu novo endereço também à beira do canal, onde ainda instalou seu restaurante e a imensa galeria de arte. A pizzaria e cervejaria artesanal Crate, um dos ícones da nova fase de Hackney Wick, que abriu as portas durante os jogos olímpicos no galpão onde funcionou uma gráfica, tampouco foge à regra. A simplicidade inicial do empreendimento está apenas na decoração e na variedade do cardápio. A pizza pode ser barata para os padrões londrinos (de 8 libras a 12 libras, algo entre R$ 30 e R$ 42), mas o preço da cerveja, fabricada ali mesmo, não varia em relação ao Centro de Londres. E os prêmios de qualidade que recebeu recentemente só se encarregaram colorir o bairro e atrair mais yuppies ao estabelecimento. A ocupação de Hackney Wick, Fish e Stratford já é uma extensão da colonização do Leste de Londres pela comunidade artística. Até bem pouco tempo, a moda era a Old Street, na extremidade de Shoreditch, hoje outra área descolada da cidade repleta de novos investimentos imobiliários, restaurantes e butiques. — Saí de lá porque ficou caro e chato — diz o produtor de filmes brasileiro e dono da Another Word, Bruno Centofanti, recém-desembarcado na galeria Stourspace, em Hackney Wick Mas os novos projetos de construção na região já deslocam os recém-chegados como Centofanti. O alvo da vez parece ser Peckham, ainda mais a leste. — Eles reclamam da gentifricação, mas são eles mesmos que dão início a ela. Ou acham que ficariam escondidos num canto só para eles? — diz um jornalista local.

A evolução chamou a atenção da designer gráfica Sarah Hyndman, que inventou um tour pelos sinais tipográficos da cidade, o “safari tipográfico”, como chama: — É impressionante como tudo aconteceu tão rápido. Faço fotos durante os passeios, junto com os visitantes, e vejo diferenças quase que um dia para o outro — conta Sarah. Quem tenta alugar um pequeno apartamento em Notting Hill hoje jamais diria que na década de 1940, a região era uma área degradada, em vez do bairro descolado, onde o atrapalhado personagem Will, vivido por Hugh Grant, conheceu a famosa atriz Anna Scott (Julia Roberts), em “Um lugar chamado Notting Hill”, a região agora ostenta preços que poucos podem pagar. O comércio extra Portobello Road — rua do mercado de pulgas e brechós frequentadas pelos turistas — é luxuoso e elegante.



Barcelona:

A reforma da área portuária de Barcelona para as Olimpíadas de 1992 acabou se tornando um modelo para outras metrópoles. Uma das consequências das políticas públicas de remodelação urbana foi a gentrificação de áreas da cidade. Descendo as Ramblas de Barcelona, à direita, por exemplo, está o Raval. Ao outro lado estão o bairro Gótico e o Born, destino certo dos turistas, embora o Raval tenha se esforçado para ser igualmente visitado. Hoje não é desprezado, de nenhuma maneira, como quando se chamava “Barrio Chino”, por concentrar prostituição e drogas, dada sua proximidade ao porto. Mas seu processo de gentrificação, que arrancou em 1990, foi parcialmente frustrado pela chegada em massa, a partir do ano 2000, de imigrantes filipinos, paquistaneses e marroquinos. — Não chegou a haver gentrificação porque 50% da população do Raval é imigrante. Isso foi uma novidade na região — conta Carme Gual i Via, porta-voz de Foment Ciutat Vella, empresa municipal que se encarregou da tentativa de gentrificação local. Antes, na época do Barrio Chino, os habitantes eram imigrantes (os chamados ‘barrios chinos’, na Espanha, não estão ligados à população chinesa e sim à prostituição), mas todos espanhóis, pessoas que vinham de outras partes da Espanha para trabalhar nas fábricas, que fecharam na década de 1960, empobrecendo ainda mais a região. Os proprietários se mudaram para outros bairros, alugando seus apartamentos a preços baixos, sem preocupar-se minimamente pela manutenção dos imóveis. Tudo se degradou muito, até que, a prefeitura começou um processo de recuperação do bairro.

O Raval se dividiu em sul e norte: o sul é mais pobre do que o norte, embora em ambos se note ainda vestígios da cultura popular de antes, como os varais cheios de roupa pendurada na fachada dos prédios.

Revitalização do Porto de Barcelona: modelo para outras metrópoles Imigrantes desafiam mudança
Por outro lado, os pequenos hotéis por hora, as prostitutas de rua, os bares com luz vermelha e os sexshops foram abandonando o bairro, quando a cultura começou a se estabelecer. Esta foi a estratégia dos gestores públicos para que o Barrio Chino virasse Raval. Na década de 1990 construíram o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (Macba) e o Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB) em frente ao Fomento das Artes Decorativas (FAD), uma instituição cultural dedicada ao design. — O Raval norte conseguiu atrair visitantes. Jovens de 20, 30 anos se mudaram para lá e muitos velhos moradores saíram do bairro, embora a prefeitura tenha construído edifícios populares.

Alba Sargatal, especialista em Geografia Humana, com publicações sobre o Raval: — Mas como o processo de gentrificação foi frustrado com a chegada de imigrantes, a prefeitura adotou um discurso ressaltando a riqueza da diversidade cultural da região, como uma alternativa para continuar atraindo turistas.


Madri: 

Heroinômanos a cada esquina; grades trancando comércios vazios há anos; edifícios deteriorados, sem calefação, sem elevador, com banheiros nos corredores; e uma população, basicamente, de pessoas idosas, sem ter para onde fugir. Esta é a Chueca da década de 1980, retrato de pobreza e desolação no centro madrilenho, onde Pedro Almodóvar gravou algumas das cenas de “Ata me!”, quando o personagem de Antonio Banderas ia em busca de droga. Porque Chueca se resumia a isso: seringas pelo chão, rostos inchados e vermelhos, bocas com dentes negros corroídos, vidas devastadas pela heroína. Um passado de decadência, que nada tem a ver com a Chueca de hoje, símbolo de modernidade, tema de teses de doutorado, por ser resultado de um processo de gentrificação espontâneo e exitoso.

Não houve um plano estratégico da prefeitura nem um projeto ambicioso de um grupo de empresários. Chueca foi mudando de fisionomia pouco a pouco, e o primeiro grão de areia quem colocou foi Mili Hernández. Ela tinha o sonho de montar uma livraria direcionada para o público LGTB (lésbicas, gays, transexuais e bissexuais) e, em Chueca, havia lojas aos montes para escolher e com aluguéis baratos. Berkana, inaugurada em 1993, foi o motor da transformação. — As pessoas estavam surpresas e me perguntavam se eu não tinha medo. Mais do que a insegurança do bairro, o receio era de uma agressão homófoba à livraria. Mas eu não tinha medo nem de uma coisa nem da outra — diz ela. A abertura de Berkana teve um grande impacto midiático, e serviu de incentivo para que outros homossexuais se interessassem em montar um negócio no bairro. Um restaurante, uma floricultura, outro restaurante, um café…

Em 1995, Mili tinha ao redor da Berkana uma concentração de lojas LGTB suficiente para lançar o primeiro mapa gay, o Chueca Gay:— Mudamos a fisionomia do bairro, que deixou de ser um deserto de lojas fechadas. Os moradores estavam contentíssimos e diziam: “preferimos os gays aos viciados”. A prefeitura estava de boca aberta com a transformação: tudo o que a gente pedia para fazer, eles deixavam. Nós, LGTB, deixamos de ser invisíveis. O Cogam, Coletivo de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais de Madri, que se estabeleceu no bairro em 1995, apresentou no Congresso dois anos antes, quando Berkana se estabelecia em Chueca e atraía olhares da opinião pública, um texto de proposta para uma lei de união estável homossexual. As reivindicações cresciam, Chueca saía do armário e vários espanhóis seguiam a corrente (entre outros, um tenente coronel do Exército que fez pública sua homossexualidade, sendo o primeiro militar gay confesso da Espanha).

Era uma onda transformadora do bairro que avançava com a luta contra a discriminação homossexual. E o preço do metro quadrado subia às nuvens. — Há um mito de que as pessoas LGTB têm muito dinheiro e, por isso, há muitos gays que podem morar em Chueca. Mas, não é verdade — diz Agustín López, atual presidente do Cogam. — Chueca virou um fenômeno, estudado em universidade, mas a mudança trouxe preços proibitivos que provocam a saída de muitos que impulsionaram o crescimento local. Mili é um exemplo. Continuará morando no bairro, em sua cobertura de 140 metros quadrados, comprada por 110 mil euros, em 1996, e hoje avaliada em 600 mil. Mas Berkana já passou por três lugares, sempre dentro de Chueca. O primeiro aluguel saltou de 800 euros para 6 mil. O caminho de revalorização é o que o novo bairro Triball, com ruas decadentes no centro próximas à Gran Vía, pretendia trilhar. Um grupo de empresários do setor imobiliário apostou nisso em 2008, com a compra de 30 lojas, esperando um aumento no preço do metro quadrado de 3.600 euros a 4.800 euros em cinco anos. O prognóstico não se cumpriu.



Nova York:

Como quase tudo o que se refere à Nova York recente, basta recorrer ao seriado “Sex and the city”: quando uma das quatro protagonistas se mudou para o Meatpacking District, o submundo da cidade convergia ali. Treze anos depois, o Meatpacking é um bairro repleto de lojas de grife, restaurantes caros e hotéis badalados. A gentrificação é cada vez mais ágil em transformar a cidade — hoje, com a chamada parte central de Manhattan (do sul da ilha até a Rua 96) saturada, as áreas que mudam com mais rapidez são o Harlem central e algumas regiões do Brooklyn e do Queens.— Tem sido ainda mais rápido desde 2005. Quando o prefeito Michael Bloomberg foi eleito, em 2002, ele trouxe uma série de políticas focadas na qualidade de vida das classes média e média-alta, então a cidade se tornou um destino para essas classes. É um novo ambiente, e o ambiente político certamente tem a ver com isso — diz Stacey Sutton, professora da escola de pós-graduação em Arquitetura da Universidade de Columbia.

Em Clinton Hill e Fort Greene, atualmente bairros de família no Brooklyn, a população branca aumentou 30% entre 2000 e 2010, enquanto a negra diminiu 29% — a maior mudança, segundo Stacey, aconteceu na segunda metade da década. Outra visível transformação ocorreu em Williamsburg, também no Brooklyn, atualmente o ponto dos jovens descolados de Nova York (muito embora Bushwick, um pouco mais a leste, esteja virando o destino hipster da vez). Enquanto isso, no Harlem central, os brancos não param de chegar. — A proporção ainda é pequena, mas há dez anos quase não havia brancos no Harlem, então se trata, sim, de uma transformação dramática.

Há muitas mudanças em curso na cidade e elas estão todas conectadas. As pessoas saem do Centro Manhattan em busca de aluguéis acessíveis. E elas acabam em bairros bem servidos de transporte público e ainda próximos ao Centro, vide o que está acontecendo no Harlem, no norte e no centro do Brooklyn, no Queens. As áreas mais gentrificadas são as mais próximas à cidade, é um padrão que segue uma trajetória lógica — aponta Stacey. Ela acrescenta que, mesmo no Bronx, na região de University Heights, a população branca vem crescendo, apesar de, diferentemente do que ocorre em outros locais em franca transformação, a renda média continuar baixa: se em 2000 havia 1% de brancos, hoje eles são 9%: — O problema é que tinha gente morando nesses lugares, e não existe uma estratégia para habitar essas áreas. Se essas pessoas decidem sair, também não há planejamento sobre para onde podem ir, porque tudo está ficando cada vez mais caro.

Um dos focos do estudo de Stacey é a gentrificação comercial. Em 2005, no início do processo de transformação de Fort Greene and Clinton Hill, ela entrevistou cerca de 60 donos de pequenos negócios, para entender o que os motivou a ocupar a região e as pressões a deslocá-los: — Quando voltei a campo, entre 2009 e 2010, 75% dos empreendedores que tinha entrevistado, negros na maioria, não estavam mais lá. Não é só que os novos moradores estejam pedindo mais restaurantes e cafés: os empresários estão procurando lugares para investir. Se há uma área em processo de gentrificação, eles se instalam nela, e os pequenos negócios são forçados a sair.

Muitos livros se dedicam às origens do processo de gentrificação na cidade, nos anos 1970. Para uns, começou no Lower East Side; para outros, SoHo. O Lower East era predominantemente uma área de posseiros brancos de baixa renda que ocuparam espaços subutilizados, e, quando a cidade os quis de volta, houve conflitos. Já o SoHo foi eleito por artistas, que viram em seus lofts industriais, também subutilizados, um lugar para viver e trabalhar. — Diferentemente do que aconteceu no Lower East Side, os artistas foram incentivados pelo governo a ficar no SoHo — nota Stacey. Sobre todas as outras, a administração Bloomberg — que deixa a prefeitura no fim do ano, após 12 anos no poder (as eleições são em 5 de novembro) — foi prolífica em desenvolvimento urbano. Milhares de quadras foram rezoneadas para dar espaço a novas construções. — Certas políticas públicas exacerbam a gentrificação de forma explícita. Qualquer política de criar espaços para a classe média alta, mudando leis de preservação e códigos de construção, exacerba a gentrificação. E o Bloomberg incentivou mais do que nenhum outro prefeito o estabelecimento de grandes empresas na cidade, mudando o mercado — diz ela. Nova York, alerta Stacey, vem tomando o caminho da homogeneidade: — Bairros têm que mudar, isso é natural. O fenômeno que faz uma cidade ser vibrante é ela mudar constantemente. Mas as cidades devem ser cuidadosas em termos de contrabalançar a mudança, e levar em conta sobre quem os benefícios e os fardos caem. Porque parte da vibração de uma cidade vem da sua diversidade. Quando ela perde isso, torna-se menos interessante. Quando tudo começa a ficar com a mesma cara, Nova York perde a sua identidade.



Paris:

Com 29 milhões de visitantes anuais (mais de 12 vezes a sua população intramuros), a Cidade Luz esbanja vitalidade turística e mantém sua atratividade e reputação internacionais. Mas numa análise sociológica, a capital francesa estaria correndo risco de perder uma de suas maiores riquezas: sua diversidade social. Esta pelo menos é a tese dos sociólogos Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon — autores de “Sociologia de Paris” (ed. La Découverte) e “Paris: Quinze passeios sociólogicos” (Petite Bibliothèque Payot) —, que alertam para a veloz transformação do perfil social da cidade, provocada pelos altos preços imobiliários e dos aluguéis e pela falta de construção de habitações sociais prevista em lei, com o consequente deslocamento urbano da população de baixa renda. Os pesquisadores colocam Paris como vítima de um processo que também atinge outras cidades: a gentrificação.

Na capital francesa, ganhou força nos últimos anos, uma ideia similar, chamada de “bobotização”, numa referência aos chamados “‘Bobôs’”, contração de bourgeois-bohème (burguês-boêmio). Trata-se de uma expressão criada pelo jornalista americano David Brooks para se referir a um tipo social que uniria dois arquétipos historicamente antagônicos: o burguês e o boêmio. Em Paris, o “bobô” é o agente da gentrificação. Para Monique Pinçon-Charlot, a “bobotização” configura uma violência simbólica e subjetiva, mas também real e objetiva contra as classes mais populares, que aos poucos se veem excluídas de Paris: — Em 1962, havia 576 mil empregos industriais em Paris, e hoje há 68 mil. A forte desindustrialização beneficiou a gentrificação. A classe baixa vai para a periferia ou para zonas rurais reurbanizadas, e os “bobôs” se apropriam dos espaços públicos.

Paris possui apenas 105 quilômetros quadrados de superfície. Nenhum ponto da cidade dista mais de cinco quilômetros de Notre-Dame, localizada no centro. Em seu espaço urbano, no entanto, o mosaico social antes existente tende a se uniformizar, apontam os dois sociólogos. A valorização do preço do metro quadrado e dos aluguéis nas áreas mais centrais da cidade fez com que os “bobôs” procurassem imóveis em bairros de características mais populares, em que o custo da moradia era mais acessível, como Oberkampf, Bastilha, o canal de Saint Martin e seus arredores. Os novos moradores levaram junto comércio, restaurantes, bares e um outro estilo de vida, bem diferente do existente. — Bairros “bobôs” são simpáticos, muito animados, plenos de convivialidade, mas o nosso olhar sociológico visa a analisar as relações sociais nesse processo. E houve um nivelamento de locais que antes eram bastante coletivos e com uma maior mistura de camadas sociais — diz Monique.

Segundo os dados alinhavados pelos pesquisadores, entre 1991 e 2007 os preços imobiliários aumentaram em média 103% em Paris. No antes mais popular 11º distrito, o aumento registrado foi superior, de 120%, em parte devido à chegada de moradores com maior poder aquisitivo. A composição social também variou. Entre 1954 e 1999, a porcentagem de trabalhadores no conjunto da população ativa residente em Paris diminuiu de 65% para 35%; e o índice de profissionais liberais e de quadros superiores aumentou na mesma proporção.

No bairro de Saint-Germain-des-Près, celebrado no século passado por sua efervescência artística e intelectual — dos debates filosóficos de Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e outros ativos pensadores assentados nas mesas do Café de Flore ou do Deux Magots às criações literárias e musicais de nomes como Boris Vian, Jacques Prevèrt e Juliette Gréco —, a transformação ocorrida, na análise dos sociólogos, ganhou outros contornos.— O mundo dos negócios e das finanças, mais comum à “Rive droite” (parte norte de Paris), atravessou o Rio Sena e invadiu a “Rive gauche” (sul). Saint-Germain-des-Près adotou uma nova alma. Sartre foi destronado por Dior — afirma a socióloga.

Na “terra de exôdos”, a Rua Goutte-d’Or, chamada de “rua das imigrações”, destaca-se como um exemplo das diferentes sedimentações arquitetônicas e sociológicas do local. Na segunda metade do século XIX, com a reforma urbana promovida pelo barão Haussmann, a área acolheu trabalhadores franceses e de outras nacionalidades, em habitações baratas. No século XX, o fluxo de imigrantes continuou, com belgas, poloneses e magrebinos, argelinos em sua maioria, fazendo da Goutte-d’Or um símbolo da África do Norte. No fim dos anos 1980, ocorreu uma nova leva de imigrantes, com a chegada de ganenses e cingaleses. Definido pela socióloga como um local de diversidade social e étnica, eles temem que o bairro perca suas características: — Ainda resta a Goutte-d’Or em Paris, mas sou pessimista, não sei quanto tempo vai durar.



Buenos Aires:

Um dos projetos de renovação urbana bem sucedido da capital argentina é Puerto Madero, onde são vistos grandes armazéns que atraem turistas em busca de bons hotéis e um significativo polo gastronômico numa área que estava degradada até os anos 1990. Outras áreas em Buenos Aires também estão passando por mudanças. Uma delas é o bairro portenho Las Cañitas, que nas últimas duas décadas vem atraindo atenção por conta dos bons restaurantes.

Localizado a poucos quarteirões do Hipódromo de Palermo e do campo de polo onde todos os anos é realizado o campeonato local, Las Cañitas era, até a década de 80, um bairro de militares (nas redondezas também estão o hospital militar e alguns quartéis) e donos de cavalos, que eram parte essencial da paisagem urbanística. Com o tempo, os cavalos desapareceram. Já os militares permanecem e convivem com novos vizinhos, em sua grande maioria, mais jovens e fashion. O antigo bairro de classe média subiu de categoria e ganhou restaurantes sofisticados, um shopping, barzinhos, modernas lojas de roupa, até mesmo para cachorros, uma das últimas modas portenhas. — Este era um bairro de pessoas mais velhas, que, a partir dos anos 80, foram vendendo suas casas e se mudando para bairros mais afastados — contou a farmacêutica Lilian Baiele, que há 20 anos tem uma farmácia em Las Cañitas.  Para ela, o bairro continua mantendo “um clima divertido e bohêmio”.

Mas os rostos mudaram. — Hoje vemos muitos jovens que gostam de morar aqui, argentinos e estrangeiros. Também muitos artistas, o ambiente é muito agradável — disse Lilian. O processo que ela define como “metamorfose do bairro” começou há cerca de 20 anos. Alguns arquitetos compraram terrenos e casas antigas para construir prédios modernos. As propriedades começaram a valer cada vez mais e, paralelamente, a rua Baez, coração de Las Cañitas, tornou-se um point gastronômico. Os antigos moradores emigraram para outros bairros menos badalados, como Colegiales e Saavedra. É o caso de Mirta Fiore, dona de uma casa de depilação na rua Baez, que nasceu em Las Cañitas há 56 anos.— Meu pai acabou vendendo nossa casa e nos mudamos para Saavedra. Mas continuo trabalhando aqui, adoro esse bairro — afirmou Mirta. Para ela, o mais legal de Las Cañitas “são os jovens e a alegria que sempre se sente neste lugar”. O aspecto negativo da mudança é “a dificuldade de encontrar uma vaga para estacionar”. — Você pode passar 40 minutos procurado lugar e não encontrar, é terrível — comentou Mirta, que atende atrizes e vedetes locais que adoram morar num dos bairros mais charmosos da capital argentina. O bairro oferece a seus moradores uma enorme variedade de restaurantes (de sushi à comida grega), supermercados grandes e pequenos, o shopping Solar de la Abadia, lojas de roupa, calçados, papelarias, cabeleireiros e cafezinhos. Tudo isso, a poucos quarteirões dos parques de Palermo, lugar ideal para caminhar, correr e fazer ginástica.

Os primeiros visionários que descobriram o potencial de Las Cañitas provocaram uma revolução no bairro. Algumas relíquias do passado ainda podem ser encontradas, como uma antiga churrascaria que fica na esquina de Baez e Eslovenia, ao lado de modernos prédios erguidos nos últimos anos. São retratos de um passado cada vez mais distante para quem mora e trabalha em Las Cañitas. — Já não vemos quase ninguém da velha guarda — lamentou Lilian, que no ano passado vendeu a antiga farmácia de sua família. No terreno, estão construindo um novo prédio para o bairro. Lilian agora é obrigada a alugar uma loja, pagando uma fortuna em dólares ao proprietário. — Minha mãe quis vender, foi um bom negócio. Mas minha situação mudou, vamos ver se conseguimos sobreviver aqui — disse a farmacêutica.


Rio de Janeiro

A paulista que mora no prédio novo elogia a praticidade do bairro e a infraestrutura de seu edifício, com espaço gourmet, mas se surpreende ao saber que a região já foi perigosa, o patinho feio da Zona Sul. Perto dali, o porteiro não consegue decorar os nomes dos novos moradores porque “a maioria só sai de carro”. Já o sócio de um dos restaurantes mais tradicionais da área, o Botequim, mescla sentimentos de frustração e otimismo em busca de outro imóvel para manter o seu negócio. E quem chega faz investimentos significativos (R$ 2 milhões) para transformar um casarão, que abrigou um cortiço e uma lavanderia, numa loja da Livraria Travessa.

Botafogo trocou parte de sua população, gentrificou-se, e tem hoje o segundo metro quadrado mais caro do Brasil de novos empreendimentos, a incríveis R$ 13,5 mil. Perdeu, em dez anos, pelo menos 942 casas, 27% do total, segundo dados colhidos dos censos 2000 e 2010 do IBGE, mas esse número hoje pode ser maior. O bairro ganhou, nesse mesmo período, 4.917 apartamentos (alta de 19%), abrigados em prédios batizados pelas construtoras com nomes que sugerem exclusividade, autossuficiência e segurança. E ainda viu subir em 15% o número de pessoas que vivem no bairro há menos de cinco anos: eram mais de oito mil em 2010 (10%), um dos índices mais altos do Rio.

Sob o efeito das mudanças, o comércio se adapta aos gostos de uma população cuja renda cresceu 43% em dez anos. O livreiro Rui Campos enxergou isso há algum tempo. Ele venceu uma disputa para alugar o casarão na Rua Voluntários da Pátria, que fica perto da nova Rua Nelson Mandela, aberta depois da saída de um canteiro de obras do metrô, e logo ocupada por bares, bancos e serviços. Campos sabe que o bairro concentra, agora, uma quantidade crescente de pessoas do perfil buscado pela Travessa. — Acompanho a evolução do bairro. A classe mais interessante para o livreiro não é a AA, e sim a B e um pouco da A. É quem reconhece a importância do livro.

Não muito longe da futura livraria, um senhor de 77 anos chamado Norival Góes, conhecido “por todos” como Seu Vavá, decide cantar um samba. Ele está à vontade no Bar da Dona Adelina, na Rua Rodrigo de Brito, um abrigo afetivo no tão movimentado bairro onde nasceu e cresceu. Nos versos, Botafogo é um bairro onde “já não existe mais espaço pra gente sambar”, e, “quando se encontra um pedaço de chão, surge logo um espigão, querendo expulsar gente de tradição e antiga do lugar”. — Fiz esse samba em 1996, era a época do nascimento dos espigões. Serviu como lembrança da casa do meu pai — conta Vavá, em referência ao Cantinho da Fofoca, uma pensão na mesma rua que depois virou bar, um dos mais famosos pontos de encontro dos antigos moradores e frequentadores de Botafogo, muitos deles ligados ao samba. O atual cantinho de seu Vavá é o Bar da Adelina, um típico, e em extinção, pé-sujo, “porém lavado”, explica a dona. Há violões pendurados nas paredes, cafezinho grátis, santinhos, fotos de família, comida caseira, quadro com oração para purificar o ambiente e um telefone que não para de tocar. Adelina Maria de Sá Nunes, de 58 anos, senta-se à mesa com os fregueses, muitos deles seus amigos. Ela mora na mesma casa da Rua Arnaldo Quintela desde que nasceu. Apesar da valorização e do assédio de empreiteiras, foi uma das únicas moradoras da vila que bateram o pé e não quiseram vender o imóvel. Ela tem sentido os novos ventos: — Meu pai comprou aquela casa com muito sacrifício, e respeito isso. Eu disse não para a construtora, e uma vizinha ficou até aborrecida. Adoro morar ali. Hoje o pessoal que vem para cá é turista, mal te dá bom dia, não interage. Mora num prédio sem conhecer ninguém, a não ser o porteiro.

Dona Adelina não imagina que até os porteiros também estranham os novos costumes do bairro. Ailton Sacramento de Jesus, do novíssimo edifício Riservato, na esquina das ruas Mena Barreto e São João Batista, explica: — A maioria dos moradores usa carro e sai pelo portão eletrônico da garagem. Por isso, um porteiro novo tem dificuldade para decorar nomes. Além das mudanças pelas quais o Rio passa, Botafogo tem seus motivos peculiares, com um número considerável de casas que puderam dar espaço a edifícios. Consultor da Ademi, David Cardeman conta que a chegada das construções em bloco tem a ver com a legislação carioca, que concentrou, durante muito tempo, serviços em Botafogo.— Em 1976, o prefeito Marcos Tamoio fez um novo zoneamento da cidade, e a prestação de serviços foi parar em Botafogo, com hospitais, oficinas mecânicas e escolas. Isso gerou um problema porque houve acúmulo. Mas, em 1983, o Plano de Estruturação Urbana de Botafogo (Peu) bloqueou esse uso no bairro. E, com a ausência de terrenos em Ipanema, Leblon e Copacabana, a construção civil foi para lá.

Não são apenas novos prédios que chegam. Hospitais também se interessam pelas casas, mesmo que as mantenham de pé. A Casa de Saúde São José, no Humaitá, comprou três no fim da Rua Visconde de Caravelas para se expandir. Numa delas funciona, desde 1979, o restaurante Botequim, conhecido de moradores e frequentadores do bairro. O sócio Eduardo Laborne negocia com seus novos inquilinos e espera permanecer mais alguns anos, mas é certo que precisará buscar outro endereço. O restaurante é um à la carte à moda antiga, que não hesita em trocar ingredientes do prato se o freguês pedir. Na origem, o casarão era a sede de um escritório de arquitetura que tinha vida boêmia depois do expediente. Os donos resolveram, à época, abrir um restaurante, já que os encontros noturnos eram um sucesso. Laborne observa as perdas de Botafogo, mas valoriza os ganhos e vê com naturalidade os novos tempos, mesmo lamentando a futura saída da casa desenhada pelos arquitetos do antigo escritório, que tem até madeira de pinho de riga. — Graças a Deus a negociação é feita de forma elegante e amistosa. Sei que esse estilo do Botequim está em extinção. Mas vou reabrir com a mesma personalidade, o mesmo nome — diz Laborne. — A sensação é de tristeza e frustração. O proprietário tem o direito de vender, a São José de comprar e tudo foi feito como manda a lei. Sou só mais um pequenininho engolido pelos grandes negócios.

Já os que chegam, principalmente de outro estado, podem elogiar Botafogo. É o caso da psicóloga Renata Sims Coan, de 44 anos, que é de Campinas e aportou na região há cerca de três anos porque o marido foi transferido para o Rio. Apesar de o filho sonhar morar na Barra “porque tudo é novo”, ela gosta de bairro que é prático para a família.— Mas ouvi falar que cariocas são bairristas, e quem é de Botafogo tem até um rixinha com outros. Para mim, é uma coisa só — opina Renata. Apesar de se dizer desanimada com a “falta de vínculo” de novos moradores com o bairro, Regina Chiaradia, presidente da associação de moradores de Botafogo há 12 anos, exalta a confraternização das pessoas no Baixo Botafogo e no Polo Gastronômico, além da criação de novas praças, fruto de cobranças antigas e dos novos ventos econômicos.

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