Intuição: uma valiosa ferramenta

Como utilizar essa poderosa ferramenta psíquica, que atua no limiar entre a consciência e o inconsciente, para detectar problemas e tomar decisões?




Tenho um pressentimento!
Por Francesc Miralles
El Pais
Fevereiro 2015

Apesar de frequentemente não lhe darmos importância, a intuição vem a ser um sexto sentido que, nas palavras de Gustav Jung, “explora o desconhecido e adivinha possibilidades que às vezes não são evidentes”. No mundo dos negócios, da ciência e até da política, o poder intuitivo desempenha papel fundamental. Quem desenvolve essa forma de percepção é capaz de captar indícios do que acontecerá no futuro.

Julio Verne é um exemplo clássico de criador intuitivo e visionário. Várias de suas invenções literárias acabaram se tornando realidade um século depois. No entanto, o chamado sexto sentido também opera na vida cotidiana. Dizemos “Tenho um pressentimento!” quando o compartimento do inconsciente, que trabalha dia e noite, nos dá uma informação que pode ser vital para nosso futuro imediato.

O psiquiatra Eric Berne, fundador da análise transacional, observou que as crianças desenvolvem sua inteligência intuitiva entre os 6 e 18 meses de vida. Ele chamou de “pequeno professor” essa capacidade de detectar, por exemplo, mudanças sutis no tom de voz dos adultos, o que faz com que o pequeno perceba se há ou não tensão no ambiente, e se está sendo aceito em seu entorno. Essa ferramenta tão desenvolvida nos chamados “animais superiores”, como os cachorros e gatos que convivem conosco, está também presente em todo ser humano. Mas, com frequência, nós a negligenciamos e ela acaba ofuscada pelo pensamento racional.

Entretanto, ter bem lubrificado nosso sexto sentido é fundamental para alcançar o sucesso em muitas esferas da vida. O goleiro, por exemplo, se vale da intuição para cair para o lado do gol aonde será chutado o pênalti instantes antes de o jogador fazer o disparo. Do mesmo modo agem alguns investidores na Bolsa ou a maioria dos editores, que contratam um livro que sairá no mercado um ou dois anos mais tarde – ou seja, só podem intuir qual será o gosto dos futuros leitores.

Em seu livro Intuition: Its Powers and ­Perils (A Intuição: Suas Forças e Perigos), David G. Myers fala do “processamento dual” dos acontecimentos. É consciente e inconsciente ao mesmo tempo, o que nos permite saber muito mais do que achamos que sabemos. Em suas próprias palavras: “Somos capazes de diagnosticar problemas e tomar decisões como um mecânico de automóveis ou um médico depois de escutar ou dar uma olhadela. Um profissional do jogo de xadrez, por exemplo, depois de uma rápida olhada no tabuleiro, pode, de maneira intuitiva, saber qual é o movimento certo baseando-se em milhares de opções armazenadas em sua memória.

No livro Emotional Intelligence in Leadership and Organizations (A Inteligência Emocional na Liderança e nas Organizações), Robert K. Cooper e Ayman Sawaf mencionam um estudo que analisou 93 ganhadores de prêmios Nobel em um período de 16 anos. Ao analisar os processos que essas personalidades haviam seguido para alcançar suas descobertas, eles concluíram que em 82 casos a intuição tinha desempenhado um papel importante, enquanto somente 11 haviam recorrido de forma quase exclusiva à lógica racional e aos fatos conhecidos.

A intuição é, portanto, uma poderosa aliada, mas corremos perigo se não a complementarmos com o pensamento racional e a observação dos fatos. Muitas pessoas sobrevalorizam seus pressentimentos, o que as faz perder dinheiro em maus investimentos, contratar empregados sem período de experiência ou, no plano sentimental, aventurar-se em relações catastróficas por terem seguido um impulso irracional. O valor de nosso sexto sentido se multiplica com a experiência e a análise racional, e vice-versa. Muitas previsões científicas e empresariais fracassaram estrondosamente por se basearem somente em fatos comprovados e ignorar as inspirações que provêm da intuição. Vejamos algumas delas.

Em 1486, os assessores dos Reis Católicos avaliaram assim a proposta de Cristóvão Colombo: “Passados tantos séculos da Criação, é improvável que alguém possa encontrar terras desconhecidas com algum valor”. Em 1830, Dionysius Lardner, catedrático de Filosofia Natural e Astronomia da University College London, afirmava: “As viagens em trens de alta velocidade não são possíveis porque os passageiros não poderão respirar e morrerão asfixiados”. Em 1981, Bill Gates declarou que ““640 kilobytes deveriam ser suficientes para qualquer pessoa”. Um iPhone 6 tem 128 milhões de kilobytes. A lista de previsões fracassadas é tão infindável como a de acertos obtidos depois de somar o conhecimento racional a uma emoção que nos aponta algo importante.

Falamos de “golpe de inspiração” quando um artista é pioneiro em um estilo que acabará sendo uma moda generalizada, ou quando um fabricante lança ao mercado um produto que não existia nem sequer na mente dos consumidores.

O que muitas vezes é englobado no conceito de “pensamento lateral” serve também para encontrar resposta a problemas que não conseguimos resolver por meio do pensamento racional. O jornalista e psicólogo Erik Pigani diz a respeito: “É comum achar de repente a solução para um problema que se arrasta por um mês. Durante esse período, nosso cérebro esteve selecionando informações e, sem nosso conhecimento, chegou a uma conclusão. Portanto, pode responder à pergunta”. Então, surge o famoso “Eureca!”, que em grego clássico se traduz como “Descobri!”.

É frequente termos a impressão de que essa é uma capacidade própria dos gênios. No entanto, pode ser treinada e potencializada, como qualquer outra habilidade humana. De fato, tal como ocorre com a sincronicidade –os acasos significativos–, ao tomar consciência das mensagens da intuição já fazemos com que ela se reforce. Esse seria o primeiro passo para tirar partido do músculo secreto da criatividade. No livro Awakening Intuition (Despertando a Intuição), a psicóloga Frances Vaughan propõe as seguintes medidas para potencializar essa capacidade:

- Aquietar a mente. Assim como não se pode pintar uma figura nítida em uma tela borrada, a intuição necessita de espaço mental para fazer suas mensagens aflorarem. Praticar o relaxamento, yoga ou a meditação serve para afastar o ruído de fundo para que a inspiração possa chegar.

- Tomar nota de nossas emoções. Quando diante de uma pessoa, lugar ou fato experimentamos um sentimento particular, devemos observá-lo porque provavelmente traz uma mensagem de nosso compartimento interior. É preciso respeitar essas primeiras impressões.

- Praticar a atenção. Observar algo durante más de três segundos é um grande desafio, mas constitui a base do desenvolvimento da intuição: aprender a direcionar a mente para uma só coisa ou problema.

Frances Vaughan afirma que o maior obstáculo para a intuição é o autoengano. Em suas palavras: “Devemos ser capazes de separar as reações emocionais das percepções. Se estamos realmente incomodados ou preocupados com algo, não nos daremos conta de que em qualquer situação existem muito mais elementos fora de nós mesmos. Quando os pressentimentos são falsos, o que acontece, em geral, é que confundimos a intuição com um desejo”.

É muito valioso incorporar o poder da intuição à nossa vida diária, mas não devemos ficar obcecados a ponto de avaliar tudo por essas mensagens sutis, com frequência em forma de primeiras impressões. Enriquecer nossa análise racional com a magia do inconsciente é o binômio perfeito para uma vida profunda, desperta e criativa.

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