Civilização em estresse permanente

A psiquiatria se tornou o maior agenciador de psicotrópicos no mundo: antidepressivos, ansiolíticos, reguladores de sono, etc. Essa é uma expressão da sociedade contemporânea onde homens, profissões e produtos enfrentam o risco constante de se tornar obsoletos.





Por Bruno Yutaka Saito
Valor Econômico
Agosto 2015

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Dick Cavett, o entrevistador, pergunta para Woody Allen: "Como você sabe se a psicanálise te ajudou? Quando você decide que terminou?" Era 1971 e o cineasta americano ainda não tinha feito clássicos como "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" nem se tornado uma espécie de garoto-propaganda informal da teoria/prática terapêutica criada por Sigmund Freud (1856-1939). "Não sei se você realmente termina. Sei que certas características minhas estão diferentes de quando eu comecei. Eu tinha 22 anos e agora tenho 35. Então tenho idade - e isso é algo", responde Allen no talk-show, em seu habitual tom zombeteiro que busca disfarçar, mas nem tanto, temas graves.

Neste começo de século XXI, em que homens, profissões, produtos e formas de pensamento enfrentam o risco constante de se tornar obsoletos, a psicanálise, uma das grandes criações do século XX, pode parecer uma prática excêntrica ou anacrônica, como ouvir discos de vinil e usar máquina de escrever. Freud vai se juntando a nomes como Karl Marx (1818-1883) na galeria dos pensadores que são demonizados em ondas revisionistas. Entre os defensores está a francesa Élisabeth Roudinesco, autora de uma nova biografia de Freud (leia texto na pág. 14).

Enquanto rapidez, performance e resultados mensuráveis são buscados constantemente no cenário contemporâneo, a psicanálise caminha em um ritmo particular. Seus detratores costumam recitar três críticas: ela não tem eficácia comprovada, seria um método caro e tem duração longa. Nos EUA, foi moda entre os anos 40 e 60 ao ser confundida com uma terapia da felicidade e teve entusiastas como Alfred Hitchcock (1899-1980) e Leonard Nimoy (1931-2015).

Hoje, naquele país, pouco se questiona se a psicanálise é ciência ou filosofia, posição intermediária que lhe confere lugar peculiar na produção de conhecimento do Ocidente. Enquanto a psicologia vai se tornando mais científica, a psiquiatria, mais biológica, e a neurociência faz o mapeamento do cérebro, a psicanálise vem sendo estudada nos departamentos de letras das faculdades americanas. Nessa interpretação, ela é um modo de entender a construção da história pessoal do indivíduo. No Brasil, mantém proximidade com departamentos de psicologia.

"Sofremos no mundo moderno, mas persistimos porque há algo na psicanálise que tem a ver com o que chamamos de verdade", afirma Daniel Delouya, diretor do conselho científico da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi). "Como há essa ligação com o inconsciente, sempre vai ter ataque à psicanálise. E é bom que tenha porque isso mostra que algo existe ali para ser negado."

A questão foge aos ditames do pragmatismo. O mesmo paciente Woody Allen daquela entrevista com Dick Cavett teve, 37 anos mais tarde, outra opinião. "As pessoas me dizem: 'Você fez psicanálise durante tanto tempo, mas é tão neurótico e acabou se casando com uma garota muito mais nova. Você não gosta de passar sob túneis, não gosta de ficar perto do ralo na hora do banho'", disse o diretor de cinema à revista "New York" em 2008. "Mas eu digo que tive uma vida muito produtiva. Trabalhei duro e nunca caí em depressão. Não tenho certeza de que poderia ter conseguido tudo isso sem a psicanálise. Dizem que é apenas uma muleta. E eu diria que sim, é uma muleta e o que preciso nesta altura da vida é uma muleta." No sistema binário do "funciona ou não funciona?", a psicanálise promove um curto-circuito.

"A sociedade contemporânea espera que os indivíduos sejam performáticos, que não tenham falhas", diz Joel Birman

Na era da performance, muletas soam como sinônimo de lentidão e, portanto, fracasso. Remédios, terapias alternativas, práticas esotéricas ou mesmo a religião prometem curas definitivas e soluções mais rápidas e eficazes ao sofrimento. Muletas, vale lembrar, dão apoio para que se possa viver com uma falta, algo que nunca poderá ser restituído. "Todos querem resolver seus problemas, mas de forma rápida. A noção de felicidade é de que tudo que você quer vai acontecer", diz Ana Paula Terra Machado, diretora do conselho profissional da Febrapsi. E, diferentemente dos "coachs" dos dias atuais, o psicanalista clássico nunca vai dar conselhos para seu paciente. "O ser humano sofre, essa é a questão."

A psicanálise, no entanto, não é uma técnica para alcançar a resignação. Na clínica, o modelo tradicional propõe que o paciente, durante sessões de 50 minutos, se deite no divã ou se sente numa poltrona. O analisado deve falar o que lhe vier à mente, sem restrições morais ou de raciocínio lógico. Os pensamentos seguem o fluxo livre das associações feitas pelo paciente. Por isso, nos seus primórdios, chegou a ser chamada de "a cura pela fala". Lembranças de infância, questões sexuais, comportamentos de resistência e a transferência de sentimentos (afetuosos, agressivos etc.) dirigidos ao analista são alguns dos elementos que serão contextualizados. O analista vai ouvir, sem julgar, e cumprir o compromisso de que tudo dito ali será confidencial. Tentará identificar as origens de comportamentos repetitivos e os desejos inconscientes do paciente, por exemplo. Pela afirmação, hoje mais aceita, de que a sexualidade está presente já na primeira infância, a psicanálise foi tachada de "degenerada" e "pansexualista".

"A psicanálise é um método de trabalho, uma visão do funcionamento mental, uma ferramenta intelectual para entender o ser humano e, eventualmente, cuidar do seu sofrimento", diz o psicanalista Renato Mezan, autor de "Os Troncos e os Ramos" (Companhia das Letras). "Mas não se trata da panaceia universal. A psicanálise pergunta: 'Em que medida você contribui para a confusão de sua própria vida?'."

É justamente nos momentos em que mais se torna uma experiência à margem que a psicanálise reencontra sua vocação original e tem mais a dizer à sociedade. Judeu não religioso, Freud desde o início viveu experiência de exílio. Na ânsia por afastar o estigma de "ciência judaica" conferido à psicanálise, fez de um psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung (1875-1961), seu "príncipe herdeiro" - a posterior ruptura seria traumática para ambos.

"As ideias de Freud chocavam porque falavam de sexualidade ou porque eram consideradas meio taradas, pornografia científica", diz Mezan. Médico por formação, Freud se especializou em neurologia e intrigavam-no os numerosos casos de histeria por volta da década de 1880. Ao estudar na França com o então renomado psiquiatra Jean-Martin Charcot (1825-1893), Freud testemunhou demonstrações de hipnose em histéricas, provando que a doença tinha causas psíquicas, mas não orgânicas. Segundo o "establishment" médico, se não havia causa orgânica, tudo não passava de simulação de mulheres que buscavam atenção. A histeria, uma neurose que se traduz em sintomas corporais (paralisias, dificuldade da fala etc.), ainda não possuía a conotação de adjetivo corriqueiro e vulgar dos dias atuais.

"A grande sacada de Freud foi fazer a pergunta: 'Onde está isso?' Se a pessoa não se lembra, não é consciente. Se não é consciente, é inconsciente. Mas como pode haver algo na mente que é inconsciente? Não havia teoria para isso. E foi para responder a essa simples pergunta que se desenvolveu toda a psicanálise." A divisão da vida psíquica entre inconsciente, pré-consciente e consciente constitui a chamada "primeira tópica", um modelo topológico hipotético da mente, sem um correspondente físico.

Durante mais de dez anos, Freud foi colhendo casos na clínica e tateando as bases para a sua teoria. O encontro com o médico Joseph Breuer (1842-1925), com quem publicou o livro "Estudos sobre Histeria" (1895), foi fundamental. "Nele já aparecem questões como a repressão: a noção de que ideias inconscientes são inconscientes porque foram bloqueadas por um mecanismo defensivo, para evitar a irrupção de angústia, porque eram pensamentos repudiados pela moral ou pelo próprio paciente", afirma Mezan. "O peso da sexualidade nos sintomas vão se mostrando enormes."

Na estrutura pensada por Freud que explica o funcionamento do aparelho psíquico, o "id" é a parte profunda, primária, da psique, habitada por desejos inconscientes e material reprimido. O superego age como um vigilante consciencioso, uma instância moral surgida a partir da absorção das normas sociais. O ego constitui a parte externa dessa estrutura, que mostramos no mundo "real" e que tenta achar um lugar entre o "princípio do prazer" e o "princípio de realidade".

Muito já foi escrito sobre a influência do ambiente cultural na criação de Freud. Para o psicólogo Bruno Bettelheim (1903-1990), de "A Psicanálise dos Contos de Fada", o cenário hedonista da decadência do Império Austro-Húngaro teria contribuído para um "surto" de histeria no fim do século XIX. Ao mesmo tempo, visões positivistas eram incorporados pela ciência. Ao tratar de temas não tangíveis, como os sonhos, Freud estava ao mesmo tempo ouvindo pessoas e o espírito de época.

Portanto, para os críticos, uma teoria tão colada ao seu tempo não teria mais validade, percepção refutada por psicanalistas de diferentes vertentes. "Existem elementos no nosso funcionamento psíquico, mental, que são permanentes, próprios da espécie humana", diz Mezan. "Todo ser humano precisa andar em duas pernas, aprender a falar, crescer e se tornar autônomo dos pais. Ele tem memórias, passa por traumas, nada disso muda de acordo com as culturas e épocas. Isso é universal."

A histeria de ontem deu lugar à "epidemia" de depressão de hoje. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 400 milhões de pessoas no mundo sofrem da doença. As mulheres são as mais afetadas e o leque de sintomas é amplo. "Depressão é caracterizada por tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa ou baixa autoestima, distúrbios no sono ou no apetite, cansaço e fraca concentração. Enfermos podem também ter múltiplas queixas físicas sem causa aparente", diz comunicado de 2014.

A psicanálise é um método possível de tratamento entre vários. "O sofrimento humano é oriundo de três fontes: do nosso próprio corpo, quando estamos com problemas de saúde; da natureza, como catástrofes; e o terceiro, da relação entre as pessoas", diz Ana Paula. "São sofrimentos do dia a dia, desde questões pequenas até guerras. Não existe remédio específico para a questão do desejo e da culpa." Segundo a OMS, a depressão é uma das principais causas de incapacitação no mundo.

A psicanálise é indicada para certos tipos de questões, para neuróticos e "borderliners" (fronteiriços), além de ser ferramenta para momentos de crise pessoal, em que a pessoa "perde o chão". No seu auge nos EUA, era procurada por pessoas em busca de autoconhecimento, contribuindo para a imagem depreciativa de que psicanálise é apenas passatempo intelectual das classes mais abastadas.

Assim como na Viena de Freud, a psicanálise ainda se apresenta como uma espécie de ombudsman do mundo. Um famoso diagnóstico de Freud sobre a sociedade e o conflito entre libido, repressão e obrigações impostas pela nossa vida em comunidade, "O Mal-Estar na Civilização" (1930) foi escrito às vésperas do colapso da Bolsa de Nova York, em 1929, e ultrapassou as barreiras da psicanálise para se tornar leitura essencial da área de humanas.

"Somos ancorados na escuta clínica privada. Mas quando escutamos o paciente, escutamos sua localização na cultura", afirma Daniel Delouya. Uma hipótese para entender enfermidades atuais está no tema do 25º Congresso Brasileiro de Psicanálise, que ocorre entre 28 e 31 de outubro em São Paulo ("Sonho/Ato: A Representação e Seus Limites"). O homem contemporâneo, nessa visão, perdeu a capacidade de sonhar, em sentido mais amplo do verbo, e não há mais prelúdio para o ato.

O tema remonta a um livro central da psicanálise, "A Interpretação dos Sonhos" (1900). Nele, Freud afirma que os sonhos não são atividades aleatórias, sem significado, da mente. Sua devida interpretação "é a via real que leva ao conhecimento das atividades inconscientes da mente". Dessa forma, os sonhos são expressões de manifestações de desejos, que são reprimidos por deformações, daí o caráter absurdo das imagens oníricas.

"A sociedade contemporânea espera que os indivíduos sejam performáticos, que não tenham falhas ou dúvidas. É como se cada pessoa fosse uma microempresa cuja marca somos nós mesmos. O lugar do sonho, da utopia ou da dúvida não pode existir", afirma o psicanalista Joel Birman, autor do livro "O Sujeito na Contemporaneidade - Espaço, Dor e Desalento na Atualidade" (ed. Civilização Brasileira), vencedor do Prêmio Jabuti na categoria psicologia e psicanálise.

O autor utiliza a expressão "empresário de si mesmo", do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), para mostrar como instâncias coletivas atuam sobre a subjetividade individual. "O neoliberalismo não é apenas um modo de produção econômica. É também uma forma de constituição dos laços sociais", diz Birman. "O indivíduo performático, 'empresário de si mesmo', é o pivô dessa construção. As gerações jovens são obrigadas a se adaptar à mutabilidade das exigências do mercado de trabalho. Não se identificam com o trabalho, mas com o imperativo de trabalhar."

Se a lógica da cultura atual é ser rápido, sucinto, poderíamos reduzir esta reportagem à seguinte constatação: o homem contemporâneo pensa menos e age mais. E isso não é algo necessariamente bom, uma vez que os custos surgem na forma de sintomas. Questões que não são novas surgem, também, de forma reforçada, acelerada. Narcisismo, "drogadição" (não apenas drogas ilícitas, mas também remédios), violência, extremismo, misticismo, nostalgia do passado etc. Para Birman, vivemos num estado de estresse permanente.

Daniel Delouya usa o termo "excitação infinita" para definir a condição imposta ao homem contemporâneo. Como exemplo, cita crianças que ficam agitadas no momento de dormir ou pessoas que, no fim de semana, não relaxam, pois buscam tornar o descanso também um momento de produção. "Hoje, a psiquiatria é o maior agenciador de psicotrópicos no mundo. Antidepressivos, ansiolíticos, reguladores de sono acalmam, baixam o tônus, mas não mudam a estrutura das pessoas. Os remédios são a expressão dessa modernidade que exige que, para você ser incluído nela, é preciso lidar com um desafio maior."

Mas, diferentemente de tempos passados, hoje há um diálogo maior entre psiquiatras e psicanalistas. Em muitos casos, os dois profissionais podem ser acionados ao mesmo tempo. "Uma pessoa que está numa situação de depressão profunda, que não consegue sair da cama, precisa tomar um medicamento", diz Renato Mezan. Ele não deixa, no entanto, de notar uma curiosa similaridade entre os tempos atuais e os dias pré-psicanálise, quando a medicina deixava de lado o psíquico. "Nós voltamos a esse tempo. Acreditar que toda doença tem causa exclusivamente orgânica é obscurantismo, é como acreditar em bruxaria e ETs", continua. "A vida humana é mais do que reações químicas."

O caráter sensacionalista de irrupções de violência, como as perpetradas pelo Estado Islâmico ou a morte de 150 pessoas na queda de um avião nos Alpes franceses causada por um piloto no começo do ano, podem tornar tentadora a suposição simplista de que a civilização testemunha um lento e gradual retorno à barbárie. Um olhar psicanalítico poderia ver também a manifestação da cultura do ato se sobrepondo à elaboração e à reflexão.

Para Pedro de Santi, psicanalista e professor da PUC-SP e da ESPM, o sujeito contemporâneo tem sua representação no personagem central do filme "Clube da Luta" (1999). Ele não tem nome, não consegue dormir e busca experiências intensas para aplacar um vazio interior. Joel Birman, em seu livro, prefere citar o personagem de Tom Cruise em "De Olhos Bem Fechados" (1999), um médico que, atordoado por uma confissão erótica da mulher, passa por experiências pautadas pelo sexo e pela morte. "É a função do sonhar para a existência humana que está sempre em questão nesta narrativa", escreve.

"Estamos vivendo em uma lógica da sobrevivência", diz De Santi. "Existe uma dinâmica chamada 'cultura do narcisismo', que é uma cultura de excesso, diante do excesso de informação. Todo o universo freudiano clássico do sonho é desenhado em cima da falta. É a partir dessa falta que se gera uma série de fantasias e sonhos, justamente para restituir a situação anterior perdida." Em sua concepção, vive-se um ambiente de "excesso de vazio".

A produção artística de uma época é, de certa forma, também um sintoma, manifestação de temas caros a um momento específico. O interesse de Freud em áreas como literatura e artes costuma ser utilizado pelos seus críticos como prova de que a psicanálise não tem nada de científico. O próprio vocabulário da psicanálise é permeado por personagens da mitologia (Édipo, Narciso) e Freud "atendeu" a figuras históricas, como Leonardo da Vinci (1452-1519), a quem dedicou um texto analítico que tem como ponto de partida uma lembrança de infância do autor de "Mona Lisa".

A cultura dá pistas de enfermidades. Em debate na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, o crítico de cinema da "Folha de S. Paulo" Inácio Araujo disse que literatura é o que menos se via no evento, dada a abundância de historiadores, cientistas e economistas. "O essencial da ficção nunca foi o verossímil, mas a verdade. Nisso ela é muito parecida com o sonho. O que ocorre nos sonhos quase nunca é 'coerente' ou respeita a unidade psicológica do personagem. Mas aquilo nos atinge realmente. Sentimos ali uma verdade incontornável", diz Araujo ao Valor. "O esforço de interpretar o mundo, de conhecê-lo, de responder a ele pela ficção está um tanto abafado. Talvez pela indústria cultural, talvez porque os melhores talentos se deslocaram para outras áreas."

Justamente porque anda na contramão, a psicanálise pode dar sua contribuição - ainda que os profissionais associados à International Psychoanalytical Association, criada em 1910 por Freud para dar legitimidade e continuidade aos seus discípulos, possam parecer poucos. São 12.700 membros oficiais e 4.700 em processo de formação, em 63 países. No Brasil, são 2.064 associados. Se nos EUA e na França a psicanálise enfrenta tempos difíceis, ela também se expande por territórios além do Ocidente, como a China e a Índia.

A espinhosa questão da formação do psicanalista estava presente desde os tempos de Freud e tanto lá como agora são vários os profissionais que não passam pelos critérios da IPA. Não é necessária formação médica para exercer a psicanálise - o grande nome da psicanálise crítico à IPA é o francês Jacques Lacan (1901-1981). Na tabela de ocupações do contribuinte do Imposto de Renda no Brasil, psicólogos e psicanalistas dividem o mesmo código. Neste ano, 98.636 pessoas no país se declararam como tais. O recém-lançado livro "Manifesto pela Psicanálise" (ed. Civilização Brasileira), de Erik Porge, Franck Chaumon, Guy Lérès, Michel Plon, Pierre Bruno e Sophie Aouillé, discorre sobre as fragmentações e dogmas que enfraqueceram a psicanálise. O consenso é de que a formação não deve passar pela supervisão do Estado, mas ser regulamentada pelas próprias entidades.

Como a psicanálise fala sobre o caráter limitador apresentado pela realidade, ela não pode ignorar o presente e louvar os velhos tempos. Como atender, por exemplo, à população mais jovem, que sofre os sintomas da contemporaneidade, mas já nasceu nela? "Não posso conversar com essa população e dizer que as pessoas não podem ser competitivas porque é nesse meio corporativo, que exige performance, que elas vão entrar", diz a psicanalista Andréa Carvalho, uma das organizadoras do livro em dois volumes "Psicanálise Entrevista" (ed. Estação Liberdade), que reúne entrevistas com alguns dos principais teóricos atuais da psicanálise mundial.

"Como analista, vou tentar introduzir algo que está muito perdido hoje em dia: o conflito", explica Andréa, que integra equipe do programa da Fundação Getulio Vargas que oferece suporte aos seus alunos de graduação. "A psicanálise tem uma função, num certo sentido subversivo, de trazer novamente toda a erotização do sujeito, que está perdida neste mundo atual."

Dos primórdios da psicanálise, um cenário inimaginável atualmente é a configuração da prática clínica. Nos tempos de Freud, o analisado fazia sessões seis vezes por semana. Nos dias atuais, ter à disposição 50 minutos durante uma vez por semana para simplesmente falar sobre o que lhe vier à cabeça (mas sendo ouvido), longe da agitação do lado de fora do consultório, pode chocar os "empresários de si mesmos". Na cultura do ato, a reflexão é uma subversão.

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