Julho 2025
Há uma conversa recorrente na elite brasileira sobre cidadania europeia, apartamentos em Lisboa, e planos B caso do país mergulhe no caos.
Esse plano de fuga já está em vigor há muito tempo, aqui mesmo: nos condomínios fechados, nos carros blindados, nos clubes privados, nas escolas inacessíveis e nos hospitais que mais se assemelham a hotéis cinco estrelas.
Criamos uma ilha exclusiva dentro do próprio país, onde tudo funciona, mas apenas para quem tem dinheiro. Não há incentivo para melhorar a escola pública, pois nossos filhos jamais a frequentarão. Não há pressão por transporte coletivo de qualidade, porque carros blindados e helicópteros resolvem. Não há urgência pela saúde pública, pois o acesso à medicina de luxo é garantido.
Nossa elite não compartilha espaços nem experiências com o restante da população. Vivemos uma realidade paralela. Quanto menos compartilhamos, menos confiamos. Quanto menos confiamos, mais nos protegemos. E quanto mais nos protegemos, menos participamos.
É verdade que tudo isso reflete a instabilidade política, econômica e institucional do país. Já enfrentamos ditadura, hiperinflação, confisco de poupança, crises sucessivas, insegurança jurídica, violência urbana, PCC, CV, Lava Jato, roubos escancarados da direita e da esquerda... Diante disso, é compreensível buscar segurança para a família.
Mas me pergunto: pensamos assim porque somos terceiro mundo, ou somos terceiro mundo porque pensamos assim?
Ao manter patrimônio no exterior, educar os filhos em escolas estrangeiras e tratar o Brasil como uma “fazenda de extração”, não investimos na solidez institucional, não nos comprometemos com o bem comum, não construímos um projeto de país. Ao nos protegermos da instabilidade, acabamos por alimentá-la.
Em países como Suécia, Alemanha, Japão e Canadá, mesmo os mais ricos raramente pensam em cidadanias alternativas. Investem no próprio país, pagam impostos elevados e confiam, ainda que com críticas, nas instituições. Porque ali, elas funcionam, na maior parte dos casos, para todos.
Isso é possível porque houve redistribuição de oportunidades e pacto social. Houve uma elite que escolheu, ou foi forçada, a participar do esforço coletivo de construção nacional.
Já no Brasil, nós da elite atuamos como uma casta colonial, herdeira de uma lógica extrativista. Não é uma “elite nacional”, mas uma elite que opera dentro do país.
O discurso do plano B, no fundo, revela medo disfarçado de estratégia de alocação patrimonial. Medo da violência, da economia e da política certamente, mas principalmente medo por não pertencer. Medo de viver num país onde a desigualdade é tão gritante que o abismo social se torna ameaça constante. Medo de ser engolido pela desigualdade que ajudamos a manter.
Ao agir como quem mora no país, mas não pertence a ele, geramos um tipo de desconexão institucional: não confiamos naquilo que não ajudamos a construir.
Muitos da elite vivem com as malas prontas. Que tipo de país se constrói quando aqueles que têm mais poder de transformação mantêm um pé fora? É preciso romper esse ciclo vicioso, romper o conforto dessa bolha.
Em nações consideradas desenvolvidas, há pertencimento entre ricos e pobres, mesmo que com alguma desigualdade, existe uma base comum. Lá, elites compartilham riscos e vivem o espaço público.
Aqui, o “nós” ainda é frágil. Nunca houve, de fato, um pacto coletivo de convivência e corresponsabilidade. Enquanto continuarmos mais interessados em nos proteger do país do que em transformá-lo, permaneceremos periféricos.
Cidadania se exerce com presença, compromisso e investimento, inclusive nos momentos difíceis.
Ficar é um ato político, e pertencer, o gesto mais revolucionário. Está na hora de desfazer as malas, sair dos muros e reaprender o que significa construir um país.
Cidadania se exerce com presença, compromisso e investimento, inclusive nos momentos difíceis.
Ficar é um ato político, e pertencer, o gesto mais revolucionário. Está na hora de desfazer as malas, sair dos muros e reaprender o que significa construir um país.
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