3 mitos sobre Comunicação

Por Dado Salem
Setembro 2025






Uma das coisas mais estimulantes da busca da origem das palavras é que ela nos leva para um outro mundo, um mundo imaginário onde as conexões e as imagens que brotam das palavras, revelam histórias interessantíssimas sobre a vida e o ser humano. Vou fazer um breve exercício desses com a palavra Comunicação.

Comunicação vem do latim, Communicare, que é formado por duas partes. Cum+Munus. Imediatamente conseguimos vislumbrar a palavra Comum. Cum ou Com traz a idéia de união, de estar junto, em companhia. Companhia é cum+panis (pão), comer junto o pão, compartilhar.

Agora vamos para a segunda parte. Munus. Munus significa cargo, função, dever, obrigação. Sabemos que o latim era a língua oficial de Roma, uma civilização fundada por Enéias, um soldado dissidente de Tróia, quando essa fora destruída. Podemos perceber a estrutura militar que compõe a palavra. Isso fica mais claro se expandirmos um pouco. Munus é raiz também de Munitionis. Munição. Que quer dizer Defesa, Fortificação, Trincheira. Nada mais unido que um batalhão de exército. São todos um bloco, falam em uníssono e repetem o comando dos superiores. Comunicação é uma poderosa arma de guerra. Dizem que quem domina a Comunicação domina um país.


Mas Comunicação tem também uma lado maleável, flexível, momentos de relaxamento, é o ato de repartir, de dividir alguma coisa com os outros. Da raiz de Comunicação desdobram as idéias de compartilhar, de viver junto, de uma comunidade, de um grupo de pessoas que compartilham algo em comum, como numa mesa grande onde todos repartem e comem o pão, aquilo que é mais básico e delicioso da alimentação.

Comunicação é aquilo que une as pessoas, que cria uma idéia de conjunto. As pessoas que vivem juntas compartilham histórias. Histórias de vida. Tivemos as mesmas vivências que nossos familiares, primos e amigos, lembramos de situações divertidas ou trágicas, memórias de acontecimentos. O que nos une é que temos as mesmas histórias de vida. O passado deles é também o nosso.

No caso de um povo, o que une é linguagem e a história. Os franceses compartilham a Revolução e Napoleão. Os ingleses, as histórias dos Reis. Os gregos, a Mitologia. A mesma coisa acontece na religião. Judeus e Cristãos compartilham a Bíblia, um compêndio fabuloso de histórias. Os cristãos compartilham a saga de Jesus e os Judeus a de Moisés. Essas histórias trazem grandes lições de vida. Vamos examinar algumas delas e o que nos dizem sobre a idéia de Comunicação.

A Bíblia traz no Genesis nossa primeira história, a Torre de Babel. Essa todos conhecem. Na terra havia uma só língua e os homens estavam evoluindo rapidamente. Aprenderam a fazer tijolos e argamassa. Um dia decidiram construir uma cidade e uma torre que poderia atingir o céu, e assim se tornarem conhecidos por toda a terra. Deus ficou preocupado. Como um só povo e uma só língua, nada os impediria de realizar seus empreendimentos mais ambiciosos. Então Deus decidiu confundir a linguagem, para que não se entendessem, e isso foi a ruína da Torre de Babel. Babel não ruiu por falta de cimento, de tecnologia, de conhecimento ou de dinheiro, mas por falta de comunicação. Pelo excesso de ego e falta de escuta. Os desentendimentos trazem custos financeiros e emocionais enormes e elevam exponencialmente a probabilidade de dissolução das relações, de amizades, de casamentos, de sociedades, de impérios e nações.

A mitologia grega é outro compêndio fabuloso, do qual herdamos a história de Eco e Narciso, uma dupla clássica que influenciou a psicologia moderna. Eco era uma ninfa tagarela, exímia contadora de histórias. Zeus queria dar suas “saidinhas” e teve a uma idéia. Pediu para Eco distrair sua esposa Hera enquanto ele ia namorar outras mulheres. Eco ficou sem jeito de negar e o pedido vindo do mais poderoso dos Deuses e aceitou levar Hera para passear enquanto contava lindas histórias. Mas um dia suas histórias acabaram e Eco começou a inventar, modificando os nomes de personagens e trocando partes de histórias antigas. Hera percebeu e reclamou. Eco ficou sem reação e constrangida acabou confessando que estava ali a serviço de Zeus. Hera ficou furiosa e amaldiçoou Eco, que a partir daquele momento só conseguiria repetir as palavras que ouvia.

Narciso era um rapaz belíssimo que causava inveja nos homens e nos deuses. Era tão bonito quanto Apolo e tão sedutor quanto Eros, mas não amava ninguém a não ser ele mesmo.

Um belo dia, andando por uma floresta, Eco vê Narciso dormindo, descansando de uma caçada. Ao ver sua beleza se apaixonou por ele. Quando Narciso acordou, perguntou: quem é você? E Eco respondeu, você. E assim, tudo que ele falava ela repetia. Em pouco tempo ele se irritou e a rejeitou. Eco ficou péssima, e definhou até a morte numa montanha, se tornando um rochedo, repetindo para sempre os sons que ouve. Narciso, continuou sua caçada até parar para se refrescar num lago. Ao ver sua imagem refletida se apaixonou por si mesmo. Narciso não conseguia mais se afastar da sua imagem, e querendo ficar cada vez mais perto dela, acabou se afogando no lago, onde depois veio a nascer uma flor com seu nome.

É muito comum vermos pessoas narcisistas, figuras pretensiosas, sempre buscando destaque e atenção para si mesmas… geralmente cercadas por aduladores e pessoas que não as confrontam, apenas as enaltecem e reproduzem suas falas. Esses tipos, quando em cargos de liderança, tendem a colocar seus interesses e opiniões acima dos da equipe e da organização. Buscam ser elogiados e reconhecidos constantemente. Têm dificuldade de reconhecer as necessidades e contribuições dos outros. Reagem mal a feedbacks ou discordâncias, vendo como ataques pessoais. E ainda, têm dificuldade de criar sucessores.

O terceiro mito vem do folclore Britânico, Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. Arthur foi um rei mítico que teria governado a Britânia no final do século V. A famosa Távola Redonda era uma mesa simbólica onde Artur e seus cavaleiros se sentavam para conversar e confraternizar. A mesa não tem cabeceira, o que significa uma estrutura horizontalizada na qual todos tem vóz e a mesma importância. Não há privilégio de posição ao contrário das mesas retangulares convencionais onde os lugares são marcados de acordo com a classificação hierárquica. O circulo é uma forma geométrica que simboliza a igualdade. A força dessa imagem está na noção de comunidade de uma comunicação transparente e no ideal da justiça. Essa estrutura e esse ideal contribuiu para a Inglaterra construir o maior Império da história da humanidade.

Ao estudarmos os mitos e a etimologia, percebemos que a comunicação, além de transmissão de informações, é o fundamento de qualquer construção coletiva. Quando falha, como em Babel, projetos desmoronam. Quando se torna culto à própria imagem, perde sua função de ligação. Mas quando se organiza em estruturas justas e igualitárias, gera cooperação e força comunitária. O que une famílias, empresas, povos e nações é a capacidade de compartilhar histórias e construir um sentido comum. A comunicação, é a argamassa, que aglutina, cola e une toda vida social.

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