O vira-latas e a revolução da Sociedade em Rede

Por Dado Salem
Junho 2021



O vira-latas é o canivete suiço dos cachorros, pau pra toda obra, jack of all trades como dizem os norte-americanos. Criados na natureza urbana, são os lobos do asfalto. De fome não morrem. Sua natureza versátil, múltipla, os faz saber exatamente onde encontrar o que precisam e se reproduzem a valer. A adaptabilidade os torna capazes de sobreviver em realidades distintas.

Em contrapartida, os cães de raça – especialistas em determinadas funções – costumam ser caros, dependentes e ter saúde mais frágil. Isso significa que, se forem tirados de seu ambiente protegido e previsível, se não recuperam sua natureza essencial, é improvável que sobrevivam.

Na transição da Sociedade Industrial, estável e conhecida, para o mundo incerto e cambiante da Sociedade em Rede, diplomas e especializações têm a mesma utilidade que um pedigree para um cão de raça que foi abandonado pelo seu dono e posto na rua.

Na Sociedade em Rede estamos sempre em contato com coisas que não temos domínio. Quando nos apropriamos de um ambiente e achamos que estamos no controle, é justamente quando não podemos relaxar, porque o que é tendência agora, amanhã já está velho. Não há garantia de que o que está funcionando continuará. São várias redes com linguagens diferentes que estão aparecendo… e morrendo. É tudo muito rápido, instável, volátil. A cada dia há uma oportunidade diferente ou nova. 

Os Tempos Líquidos, como descreveu Bauman, geram muita ansiedade. É um momento difícil, sombrio, tudo parece desfavorável, especialmente para os cães de raça acostumados a viver em condomínios cercados e “seguros”. Os especialistas, por estudarem assuntos a fundo, costumam se achar superiores e esperar que suas opiniões sejam respeitadas como verdades inabaláveis. São raros os que reconhecem sua propria limitação e aceitam outros pontos de vista. Falta-lhes jogo de cintura para lidar com imprevistos e acima de tudo, humildade, para aceitar o não saber. Ter calma no meio da revolução é para poucos.

Quando a linguagem muda constantemente, somos obrigados a nos reinventar. A palavra é adaptação. O tempo todo precisamos procurar entender o que está acontecendo e nos reciclar, participar de workshops, assistir palestras, fazer cursos de curta duração, ver o que outros estão fazendo. O aprendizado acontece ali, aqui, agora, no dia-a-dia. E se engana quem acha que a Internet é só para jovens. As pessoas mais velhas, que tem mais tempo, são os maiores usuários das redes. Tem muito vovô ficando fluente em tecnologia.

Neste cenário, estruturas horizontais são mais eficientes. Você nunca sabe de onde pode vir uma idéia boa, o insight que falta. É preciso diversidade, pessoas que pensam diferente, de multiplas origens, culturas e gêneros. Jovens que trazem novidades e velhos que já viram de tudo na vida e sabem reconhecer padrões.

As organizações com mais chance de prosperar são aquelas onde a comunicação flui, onde as pessoas tem liberdade para falar, onde se sentem estimuladas a contribuir e se alguém fala uma besteira não é reprimido. Este é o modelo que precisamos ter em mente e buscar realizar, não somente para sobreviver, mas principalmente para prosperar enquanto durar essa revolução.

Revoluções carregam em sí a semente do novo, da regeneração. É nesses momentos que costumam “cair as fichas”, aparecer os insights, os lampejos de consciência e clareza. É quando surgem as inovações. Não apenas de produtos e serviços mas, especialmente, do jeito de viver no mundo. É ter a certeza disso que me deixa tranquilo.



Sugestões de leitura:

Collaborative-Dialogue Based Research as Everyday Practice: Questioning our Myths - H. Anderson 
Tempos Líquidos - Zygmunt Bauman
The Rise of The Network Society - Manuel Castells
What is Collaborative Learning? - B. Smith; J. Mac Gergor 



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