Deuses imanentes, deuses transcendentes, ateísmo consumista e o futuro ancestral
Janeiro 2025
A transformação dos deuses imanentes para os transcendentes, e posteriormente para o ateísmo, é um processo que reflete mudanças culturais, filosóficas, e históricas no modo como a humanidade se relaciona e interpreta a realidade. Os deuses, antes vivos e presentes, tornaram-se distantes, transcenderam, e por fim desapareceram, deixando o mundo vazio de sentido, que foi preenchido por marcas e coisas. Essa foi a transformação de um mundo mitológico para outro regido, supostamente, pela razão e, mais tarde, pelo dinheiro e pelo consumo. Mas, em meio ao silêncio deixado pelos deuses, surge uma pergunta: e se o futuro não estiver na busca ansiosa do novo, mas no calmo retorno ao ancestral? Talvez, ao resgatarmos o que esquecemos, possamos reencontrar a conexão perdida.
Deuses imanentes, vivos e presentes
Nas culturas mais antigas, a percepção do sagrado é imanente, ou seja, os deuses e os espíritos são forças vivas e integradas ao cotidiano das pessoas. Estão presentes nas montanhas, nos rios, no vento, no fogo, na lua, no sol, nos animais, nos insetos, nas pedras e nas plantas. Todas as formas de existência são consideradas gente, mas de outras espécies. A sociedade humana é vista, dessa forma, como uma entre uma multiplicidade de outras, e por isso vemos nessas culturas um imenso respeito por tudo, especialmente pela Terra, da qual nos consideram filhos e parte de um imenso organismo vivo interdependente. A natureza, as sociedades e o seres humanos são, portanto, aspectos correlativos e empáticos do sistema cósmico.
O antropólogo Marshall Sahlins, em seu livro The New Science of the Enchanted Universe, relata que essas culturas entendem que toda espécie possui um espírito governante com os quais os humanos devem dialogar e negociar. No caso da caça e pesca, por exemplo, é necessário antes barganhar com esses espíritos, que, mediante autorização, cedem seus indivíduos. Da mesma forma, o sucesso das plantações depende do apoio das figuras divinas correspondentes. A deusa da natureza é chamada ritualmente para contribuir e os jardins florescerem.
Os rituais não apenas invocam essas forças, mas buscam o equilíbrio com elas e demonstram um profundo respeito por todas as formas de vida. O contato com forças espirituais se dá nas atividades cotidianas, como danças, cânticos, pinturas corporais, oferendas e pelo uso de plantas sagradas como tabaco e ayahuasca. Esses atos não são vistos de maneira separada da vida prática, mas como momentos de integração e de libertação da mente. Os humanos têm, segundo eles, a responsabilidade de manter o equilíbrio com os espíritos da natureza e com seus ancestrais, cuja presença também é imanente.
As sociedades tribais ameríndias, vivem ainda sob a perspectiva de imanência divina. Antropólogos como Lévi-Strauss, Viveiros de Castro, Michael Harner, James Suzman, Malinowski, Bruce Albert e muitos outros, evidenciaram isso de diversas maneiras ao longo de seus estudos. Um relato precioso de Davi Kopenawa, pajé do povo Yanomami, intitulado A Queda do Céu, descreve essa realidade em detalhes.
Protagonistas e coadjuvantes
Somos todos protagonistas de nossas próprias histórias. Assumimos o papel central em nossas decisões, sonhos e ações. Cabe a nós conduzir a narrativa da nossa existência com autenticidade e responsabilidade, lidando com os desafios e escolhas que moldam quem somos. No entanto, ao mesmo tempo em que protagonizamos nossas vidas, desempenhamos papéis de coadjuvantes na história dos outros.
Não vou me aprofundar aqui em reflexões sobre a tensão intrapsíquica entre protagonismo e coadjuvância, como a dificuldade em assumir um protagonismo em pessoas com baixa autoestima ou excessivamente dependentes de aprovação externa que podem se sentir incapazes de protagonizar suas vidas, preferindo papéis de suporte ou submissão. E, por outro lado, a resistência à coadjuvância em pessoas com traços narcisistas exacerbados que podem recusar o papel de coadjuvante, enxergando isso como uma ameaça à sua identidade ou valor.
A sabedoria silenciosa da sálvia
Dezembro 2024
Na correria da vida, costumamos ignorar algumas coisas humildes que carregam verdades profundas. Entre elas está uma erva discreta que traz nas suas folhas uma história de sabedoria. Conhecida em inglês como "sage", ou "sábia", a planta sálvia transmite lições de saúde, consciência e simplicidade. No latim está relacionada às saudações, "salve!", "saúde!", aos termos "são e salvo", inteiro, puro, e também à sapientia, sabedoria, discernimento.
Essa erva tem sido usada por milênios como tempero e ferramenta de purificação. Mas sua verdadeira sabedoria está no que ela simboliza. O ato de queimar sálvia, prática descartada pela ciência como misticismo, é conhecido por culturas antigas como um ritual de renovação. Quando a fumaça sobe, carregando o aroma dos seus óleos, somos lembrados de algo mais, de que a vida está constantemente se purificando e se renovando. Purificar é deixar ir, e deixar ir é abrir espaço para o que realmente importa.
Virtude, Ubuntu e o nosso papel num mundo interconectado.
Dezembro 2024
Numa era em que o sucesso individual e o interesse próprio são frequentemente celebrados acima do bem-estar coletivo, o antigo conceito de Virtude e a filosofia africana multimilenar do Ubuntu apresentam uma poderosa contra narrativa. Eles nos desafiam a pensar sobre nosso papel no mundo e a considerar como podemos viver uma vida significativa e orientada por propósitos que apoiem não apenas a nós mesmos, mas também as pessoas e comunidades ao nosso redor. Juntos, Virtude e Ubuntu oferecem uma visão para uma sociedade ética e harmoniosa baseada no respeito mútuo e na compreensão de que nossa humanidade está profundamente interconectada.
O conceito de Virtude tem raízes no pensamento antigo. Derivado da palavra latina Virtus, Virtude inicialmente denotava qualidades do ser humano ideal, o cidadão com espírito cívico que agia de acordo com o que era bom não apenas para si mesmo, mas para sua sociedade. Havia um senso maior, um eixo principal de excelência moral, de bondade, humildade, respeito e qualidade de caráter nas sociedades tribais e arcaicas, que infelizmente perdemos.
A ética intrínseca dos macacos e a evolução
O prazer do agora
Novembro 2024
Perder esse desejo é uma escolha de permanecer. De estar onde estamos. É encontrar prazer naquilo que já faz parte da nossa vida, no que antes parecia comum. Fazer um café pela manhã, preparar a própria comida, realizar um trabalho com atenção, uma pausa para ler um livro, um passeio no jardim, mergulhar no mar, ou mesmo no silêncio de um dia sem planos. É como descobrir que a jornada mais longa e transformadora não exige passaporte ou reservas em hotéis e restaurantes. É encontrar no presente e no que já está ao nosso alcance, as respostas que antes buscávamos em outros lugares.
O ser humano e seu propósito
Novembro 2024
O ser humano possui um papel único. Diferente dos outros seres da natureza, que agem fundamentalmente de maneira instintiva, temos a capacidade de criar com intenção. As civilizações tradicionais diziam que essa habilidade nos dá o poder de intervir na natureza, mas também a responsabilidade de usar nossos talentos para protegê-la e colaborar com seus processos, em vez de simplesmente dominá-los e explorá-los sem considerar as consequências para as próximas gerações.
No entanto, nossa trajetória demonstra uma desconexão com esse propósito. Ao invés de exercer nosso papel com responsabilidade, direcionando nossas ações para preservar a natureza e garantir seu bem-estar no futuro, seguimos uma postura exploratória e predatória. Esse comportamento tem resultado na extração desenfreada de recursos, destruição de ecossistemas, aquecimento global e perda de biodiversidade, efeitos de nossa desconexão com os princípios naturais.
Navegando a complexidade... como encontrar sentido num mundo caótico
Novembro 2024
Ao longo dos últimos 12 anos, a cada 2 ou 3 meses, costumo me reunir com um grupo de Pensamento Sistêmico. Nosso mestre, facilitador das conversas, é Saul Fuks. O que relato a seguir foi um dos presentes que Coco (para os íntimos) nos deu.
Vivemos tempos complexos, onde a busca por sentido se entrelaça com as rápidas mudanças globais e os desafios individuais. É impossível não sentir o peso das questões que emergem tanto no cenário mundial quanto nas nossas vidas cotidianas. Falamos de guerras, hackers, grandes empresários interferindo no mundo político, inteligência artificial, crise climática... uma trama que revela a fragilidade e a potência da condição humana.
A guerra, por exemplo, nos coloca diante de um espelho histórico que parece se repetir. Quando olhamos para o presente, com suas tensões nucleares e confrontos ideológicos, há um eco inquietante do que vivemos no passado. Será que aprendemos algo desde os anos sombrios de 1933 ou 1945? Ou estamos condenados a repetir os mesmos erros, embalados por discursos nacionalistas e pelo poderio bélico? Hoje, o cenário é ainda mais complexo. Atores não governamentais, como hackers e grandes empresários, jogam suas peças no tabuleiro, alterando o curso de conflitos sem sequer estarem à mesa de negociação. As novas dinâmicas do poder global nos fazem questionar até que ponto temos controle sobre nossos próprios destinos.
O design humano e a busca por propósito
Outubro 2024
Independente de qual país, cultura ou momento da história uma pessoa nasce, seu maior desejo foi, é, e sempre será, a realização de seus talentos e a necessidade de reconhecimento.
Cada pessoa nasce com um conjunto único de talentos, características e inclinações, o que podemos chamar de nosso design. Esse design pode ser visto como o projeto do nosso potencial, a matéria-prima a partir da qual somos moldados. Algumas pessoas são projetadas para liderar com força e visão, outras para nutrir, cuidar, criar ou inspirar. Nesse sentido, o design humano não se limita a atributos físicos ou intelectuais, mas inclui os aspectos emocionais, espirituais e psicológicos que formam a essência de quem somos.
No entanto, esse design não é estático ou completo no nascimento. Assim como um escultor molda sua escultura, somos influenciados pela família, pelo bairro, pela cidade, pelo estado, pelo país, pela configuração dos astros, pelos acontecimentos, pelos nossos relacionamentos e pelas escolhas que fazemos ao longo do tempo. Experiências e desafios desempenham um papel no refinamento do nosso design, aprimorando nossos talentos e revelando nosso potencial. Nesse processo, começamos a entender não apenas do que somos feitos, mas também para que fomos feitos.
O “Modo Zumbi"
Autorretrato
Setemebro 2024
Sempre fui movido pela curiosidade. Quando era pequeno gostava de abrir gavetas e armários para ver o que tinha dentro. Minha mãe me chamava de Dado Fução. O tempo passou, hoje estou com quase 60 anos mas esse instinto investigativo continua vivo. Só que ao invés de gavetas abro páginas de cursos e programas acadêmicos. Meu foco tem sido bem errático, entro na página de uma Universidade e deixo a curiosidade me levar. Quando vejo um curso que me interessa me inscrevo. Tem dado certo. Desta vez me matriculei num aventuroso curso de Desenhos do Cotidiano oferecido pela Faculdade de Letras da PUC/RJ. Lá dizia que não precisava saber desenhar, coisa que não fazia desde criança. Me senti convidado a entrar e que aceitei.
Na primeira aula, logo nas apresentações percebi que estava cercado por designers e artistas, me vi numa arena de gigantes. Vou passar vergonha, pensei, mas respirei fundo e fui, corajosamente, com vergonha mesmo.
A visão do Bobo
inspirado no texto de Cecil Collins, artista inglês associado ao movimento surrealista
Julho 2024
Num mundo sobrecarregado de racionalidade e dominado pela lógica, existe uma figura que dança levemente à margem da razão, livre das amarras do pensamento convencional. Esta figura é o Bobo. O Bobo, muitas vezes incompreendido e subestimado, personifica uma visão que vai além das superficialidades da existência moderna, oferecendo o vislumbre de um mundo onde a inocência, o encanto e a sabedoria se misturam.
O Bobo, em sua essência, não está preso às estruturas rígidas da sociedade. Ele é um andarilho, um buscador de verdades que estão além do senso comum. Seus olhos inocentes, livres do cinismo, veem o mundo de maneira pura. Para o Bobo, cada momento é um milagre, cada encontro uma troca significativa, e cada caminho uma jornada.
Na mitologia, o Bobo aparece como um símbolo tanto de começos quanto de finais, um guardião da fronteira entre o conhecido e o desconhecido. Ele está no limiar da aventura, sem medo de cair no vazio, pois confia na benevolência do universo. Esta confiança não nasce da ingenuidade, mas de uma compreensão profunda de que o mundo é um lugar de infinitas possibilidades, onde a alma pode florescer se ousar sonhar.
Você repetiria sua vida eternamente com alegria?
Por Dado Salem
Junho 2024
Mircea Eliade nos ensina que nas sociedades tradicionais o tempo era visto como circular, pois tudo tendia a se repetir eternamente, as estações do ano, as fases da lua, o dia e a noite e os acontecimentos na vida humana. Essas culturas criavam rituais recorrentes que tinham o objetivo de renovar o mundo e oferecer oportunidades de regeneração para que as pessoas começassem um novo ciclo cheio de sentido e propósito.
O mito do eterno retorno foi utilizado por Friedrich Nietzsche como uma alegoria para examinarmos nossa vida e encontrar significado na nossa existência. Trata-se de um experimento mental que nos desafia a imaginar viver como se nossa vida se repetisse infinitamente. Nietzsche pergunta se aceitaríamos passar por tudo de novo, eternamente, se soubéssemos que teríamos de vivê-la em perpétua recorrência. Não se trata apenas de aceitar a vida, mas de afirmá-la de tal forma que viveríamos com alegria cada momento. Estamos vivendo vidas que estaríamos dispostos a repetir eternamente?
Esta reflexão nos leva a fazer escolhas, valorizar as nossas experiências e assumir a responsabilidade pelas nossas ações. Encoraja-nos a viver de forma autêntica e apaixonada, buscando a realização no presente em vez de adiar a felicidade para um futuro distante.
Como se preparar para uma entrevista de emprego
Por Dado Salem
Junho 2024
A arte quase perdida de não fazer nada
Por Dado Salem
Junho 2024
Dany Laferrière, escritor haitiano, membro da Academia Francesa de Letras, escreveu uma obra reflexiva e filosófica sobre a beleza e a importância de não fazer nada. Com um estilo perspicaz e poético, ele explora a ideia de que no nosso mundo acelerado e obcecado pela produtividade, o simples ato de não fazer nada é uma arte valiosa e quase perdida.
Ele defende a necessidade de reservar um tempo para descansar, observar e simplesmente ser, sem a pressão constante de ser produtivo. Essa abordagem nos permite viver o momento e saborear experiências em vez de correr constantemente para a próxima tarefa. Ele sugere que, ao desacelerar e aproveitar momentos de inatividade, podemos nos reconectar com nós mesmos, com o mundo que nos rodeia, e a vida pode se tornar mais plena e significativa.
O lazer, para Laferrière, não é apenas a ausência de trabalho, mas um aspecto fundamental da vida que estimula a criatividade, o bem-estar e o crescimento pessoal. O tempo de lazer proporciona espaço para autorreflexão, exploração intelectual e descanso emocional. Numa cultura que muitas vezes glorifica a ocupação, Laferrière defende a procura consciente de não fazer nada como forma de equilibrar as nossas vidas, essencial para manter a saúde física e mental.
Favela não é carência, favela é potência
Por Dado Salem
Fevereiro 2024
Nas últimas décadas, o termo "favela" tem sido frequentemente associado à pobreza, criminalidade e falta de infraestrutura básica. No entanto, esta visão simplista e estigmatizante não reflete a realidade complexa e multifacetada dessas comunidades.
Ao contrário do que muitos acreditam, as favelas são locais de grande potencial e resiliência. Essas áreas são habitadas por pessoas que, mesmo enfrentando desafios significativos, encontram maneiras criativas e inovadoras de sobreviver e prosperar.
Um dos aspectos mais impressionantes das favelas é a sua comunidade. Nestas áreas, as pessoas vivem em uma proximidade incomum, compartilhando espaços e experiências diárias. Essa proximidade cria uma forte rede de apoio, onde os moradores se ajudam mutuamente em tempos de necessidade. Essa solidariedade é uma prova da resiliência das favelas.
Além disso, as favelas são frequentemente centros de atividade econômica. Essas comunidades abrigam pequenos negócios e empreendimentos locais que oferecem produtos e serviços essenciais aos moradores. Esses negócios fornecem uma fonte de renda crucial para as famílias locais e ajudam a impulsionar a economia da área.
O que é Inteligência Coletiva e como fazê-la funcionar?
Janeiro 2024
Você já ouviu falar em Inteligência Coletiva? Inteligência Coletiva é a capacidade que um grupo numeroso de pessoas tem de tomar decisões melhores que um líder sozinho ou que um grupo de experts fariam. Isso ocorre porque indivíduos e grupos homogêneos, mesmo com alto QI, tenham viéses cognitivos difíceis de romper e que muitas vezes podem ser contraproducentes. Inteligência Coletiva significa que a colaboração, a diversidade e tomada de decisões descentralizadas tendem a gerar ideias inovadoras, resolver problemas complexos e impulsionar o progresso em empresas, organizações e na sociedade.
Para fazer a Inteligência Coletiva funcionar, vários elementos-chave entram em jogo. Em primeiro lugar, requer um grupo diverso de pessoas com uma variedade de formações, origens, perspectivas e conhecimentos. Essa diversidade de experiências garante um leque amplo de insights e ideias, fomentando uma Inteligência Coletiva mais poderosa.
O Centro da Zona Sul
Setembro 2023
Neste sábado fiz um programa incrível com um grupo de empresários e suas famílias. Tinha até criança de colo. Participamos de uma experiência de um dia no Instituto Reação, projeto com quem venho colaborando.
Começamos no tatame com uma aula de humildade: aprender a cair - orientadas por faixas pretas, crias da Rocinha e do Reação, que já caíram muito na vida. Essa atividade é instrutiva tanto pra quem está ficando velho, como eu, quanto para jovens que ainda vão levar um monte de rasteiras da vida. Percebi nesses mestres uma integridade de caráter como raramente se encontra por aí.
Pegamos então as vans e subimos até o topo do morro. Com um comércio atrás do outro e um sobe e desce constante de motos e vans, a Estrada da Gavea é mais ativa que a Avenida Rio Branco. Uma energia vibrante, empreendedora, colaborativa, amistosa, suja e caótica. Dessa efervescência vem a alegria e a criatividade que são a marca da alma brasileira. É o Brasil na veia.
Comunicação não Violenta
A importância de um clima de trabalho saudável
Por Dado Salem
Maio 2023
O investimento em um ambiente saudável e motivador é uma estratégia fundamental para o sucesso a longo prazo de uma empresa.
A arte da queda
A arte de cair é praticada há muito tempo nas artes marciais, na ginástica e na dança. Essas disciplinas nos ensinam a cair de maneira segura, usando técnicas como rolar, dar cambalhotas e fracionar a queda. Embora possa parecer contra-intuitivo, o objetivo não é evitar a queda, mas sim aprender a cair de forma a minimizar o impacto. Em esportes como skate, surf e futebol as quedas são parte do jogo. Saber cair ajuda a prevenir lesões graves.
Inovação - necessidade, luz e sombra
Por Dado Salem
Abril 2023
Ao longo da história, enfrentamos diversos desafios e obstáculos que nos obrigaram a inovar e adaptar para sobreviver. Desde a invenção da roda até o desenvolvimento da internet, a inovação foi impulsionada principalmente pela necessidade. O famoso provérbio, "A necessidade é a mãe da inovação" foi comprovado várias vezes.
Um dos exemplos mais conhecidos é o desenvolvimento da imprensa por Gutenberg no século XV. Na época, os livros eram manuscritos e, portanto, raros e caros. Gutenberg viu a necessidade de uma maneira mais rápida e eficiente de produzir livros e, assim, desenvolveu a imprensa. Essa inovação revolucionou o mundo editorial e tornou os livros mais acessíveis ao público em geral, levando a um aumento significativo nos índices de alfabetização e na disseminação do conhecimento.
Outro exemplo de necessidade impulsionando a inovação é o desenvolvimento da lâmpada por Thomas Edison no final do século XIX. Edison viu a necessidade de uma fonte confiável e duradoura de luz artificial, pois velas e lâmpadas a gás não eram apenas ineficientes, mas também perigosas. Ele passou anos experimentando diferentes materiais até encontrar um filamento adequado que pudesse produzir uma luz constante sem queimar rapidamente. A invenção da lâmpada elétrica não apenas revolucionou a maneira como vivemos, mas também abriu caminho para muitas outras inovações no campo da eletrônica.
Decisões de carreira em tempos de incertezas
Por Dado Salem
O que vale mais a pena, seguir uma carreira que paga bem ou uma que esteja mais alinhada com seus valores e interesses? E o que fazer em tempos de incertezas?
A Psicologia Econômica é um campo interdisciplinar que explora a interseção entre Economia e Psicologia e examina, por exemplo, o desenvolvimento de carreira, particularmente em termos de como tomamos decisões sobre nossas carreiras e como essas decisões afetam resultados econômicos e satisfação.
Um dos estudos mais recentes nesse campo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Wisconsin e publicado no Journal of Applied Psychology - "Making a Good Decision: The Relationship Between Decision Quality, Career Decision Self-Efficacy, and Postdecisional Affective States" por Amber N. Gaffney, Leigh Plunkett Tost, e Kristin D. Neff. O estudo examinou a relação entre a tomada de decisões de carreira e os resultados econômicos, observando especificamente os fatores que influenciam as decisões dos indivíduos de seguir carreiras em áreas com altos salários versus áreas que se alinham com seus interesses e valores pessoais.
O estudo descobriu que os indivíduos que priorizam seus interesses e valores pessoais ao tomar decisões de carreira tendem a ter maior satisfação no trabalho e maior sucesso na carreira a longo prazo. No entanto, aqueles que priorizam ganhar um salário alto no início de suas carreiras podem experimentar um aumento de ganhos de curto prazo, mas são mais propensos a se sentiram insatisfeitos com o trabalho ao longo do tempo.
Bem-vinda nova geração
Como fazer uma mudança de carreira?
Depois de ter uma ideia geral do tipo de trabalho que você gostaria de fazer, a próxima etapa é começar a aprender mais sobre ele ou sobre o setor específico em que está interessado(a). Você pode conversar com pessoas que trabalham na área, perguntar como é o dia a dia delas, o que há de bom e de ruim, pedir conselhos sobre o caminho a seguir, os conhecimentos e pré requisitos como formação ou experiência. Outra maneira é fazer uma pesquisa online, isso pode dar uma visão geral dessa carreira. Os anúncios de empregos, por exemplo, mostram o que os empregadores procuram nos candidatos. Isso pode ajudar a entender as habilidades, qualificações e experiências específicas que normalmente são necessárias para esse trabalho.
Construindo as Empresas do Futuro - Comunicação e Gestão do Diálogo Colaborativo
Por Dado Salem
Agosto 2022
Estamos vivendo uma grande revolução. Vemos um sistema em declínio e outro emergindo. Nessa palestra no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), em julho de 2022, apresentei um apanhado histórico mostrando as principais revoluções que a humanidade passou e a que estamos vivenciando hoje. Com esse rápido exercício, relembramos de onde viemos, em que ponto estamos e percebemos com mais clareza para onde estamos indo. Apresento um quadro com os principais valores do Sociedade Industrial e da Sociedade em Rede. Isso pode trazer mais clareza para empreendedores de startups e para aqueles que administram empresas criadas com a cultura que está em declínio (e não querem ficar para trás), como deveriam estruturar suas organizações. Concluo demonstrando quanto a Comunicação e as habilidades de diálogo são fundamentais daqui em diante.
Gostaria de agradecer ao IPT e ao IEL (Instituto Euvaldo Lodi) pelo convite. Estou aqui com meu querido amigo e parceiro Celso Alvim (Maestro do Monobloco) que vai conduzir depois da minha apresentação um exercício de comunicação. Eu vou sentir que atingi meu objetivo se no final da minha apresentação e do exercício junto com o Celso, vocês tiverem certeza de que a Comunicação é a coisa mais importante que vamos precisar aprender e desenvolver neste momento e daqui para frente. É a Comunicação que vai mandar e a minha palestra vai justamente mostrar por que isso está acontecendo.
Eu nomeei essa apresentação Construindo as Empresas do Futuro, porque inovação é tudo o que estamos conversando aqui, e no subtítulo Comunicação e Gestão do Diálogo Colaborativo, vocês vêem que as palavras Comunicação e Diálogo se repetem justamente para reforçar importância disso. Vou apresentar a vocês um Contexto, mostrar um pouco do meu entendimento sobre o que está acontecendo hoje, mas contando uma história, lá de trás, até o aumento atual.
O presidente do Google falou em 2021 (matéria do The Times) que a inteligência artificial vai ter um impacto maior do que o fogo para a humanidade. Isso mostra que estamos vivendo uma grande revolução, porque sabemos a importância que o fogo teve para nós. Se uma pessoa dessa importância está falando isso, acho bom prestarmos atenção.
Muitos dizem que estamos vivendo a quarta Revolução Industrial. Eu acho que essa denominação não é a mais apropriada perante o tamanho da transformação que estamos passando. Eu vou explicar por quê.
Travessia para a vida adulta
Por Dado Salem
Abril 2022
Tornar-se adulto é um evento traumático e os pais tem um papel importante nesse processo.
O texto mais antigo que se tem notícia, a Epopéia de Gilgamesh, apresenta justamente uma viagem. A do herói em busca da vida eterna, na Terra dos Vivos. Para chegar lá ele atravessa montanhas, florestas, mares, jardins e rios. Outro texto clássico cujo tema é a viagem é a Odisséia de Homero, que conta a longa e tumultuada jornada de Odisseu de volta para casa no final da Guerra de Tróia. Neste mesmo texto há também a viagem de seu filho, Telêmaco, em busca do pai, orientado por ninguém menos que Mentor, que veio dar nome à atividade de aconselhamento e no qual incorporou a deusa da sabedoria, Atená. Mentor (Atená), diz a Telêmaco que é a hora de deixar de ser criança e se tornar um homem. A viagem de Telêmaco representa, portanto, a passagem para a vida adulta.
A passagem para a vida adulta é um dos maiores desafios que enfrentamos. Na infância vivemos num mundo mágico em que as coisas são resolvidas para nós. No processo de nos tornarmos adultos, no qual precisamos prover nosso próprio sustento, arcar com as consequências de nossos atos, nos responsabilizarmos pela nossa vida, somos expulsos de uma zona de conforto.
Tornar-se adulto é um evento traumático. Na natureza, a mãe pássaro empurra os filhotes para fora do ninho para que eles voem. Em sociedades tribais, os jovens passam por rituais em que muitas vezes têm que aguentar um sofrimento. Os Karajá, numa primeira iniciação, perfuram o lábio inferior dos jovens com a clavícula de um macaco. No Hetohoky, o maior ritual dos povos indígenas do Tocantins, as crianças são afastadas do convívio social e fazem uma viagem pela floresta onde adquirem aprendizados, para então retornarem adultas.
Inteligência e Sabedoria
março 2022
Dizem que estamos ficando mais inteligentes. Em países industrializados o QI médio da população subiu 3 pontos por década e aumentou incríveis 30 pontos no século XX(1) . Isso quer dizer que uma pessoa normal hoje seria considerada superdotada no início do século passado. E o que ganhamos coletivamente com esse avanço? Mercados transbordando de comida, água limpa encanada, pílulas que curam doenças, transportes rápidos e seguros, acesso a qualquer informação instantaneamente, uma abundância de bens materiais, maior longevidade etc.
Ao longo do tempo nossa sociedade veio se estruturando em função da métrica da inteligência. O QI é um dos fatores que determinam onde as pessoas vão se formar, trabalhar e consequentemente, seu estilo de vida. Bill Gates foi claro numa entrevista: "o ponto chave para nós, em primeiro lugar, sempre foi contratar pessoas muito inteligentes"(2) . Adam Grant, psicólogo organizacional da Universidade de Wharton, revelou que os processos seletivos da maioria das grandes empresas são testes de QI disfarçados(3). O Google, por exemplo, não mede explicitamente as habilidades cognitivas de seus candidatos, mas quando pede para que eles resolvam oralmente os problemas propostos por um entrevistador, estão fazendo isso indiretamente.
Mas apesar de todo esse progresso cognitivo e material, vivemos uma desigualdade crescente, uma epidemia de ansiedade e depressão, provocamos mudanças ambientais brutais que impactarão nossas vidas e principalmente as de nossos filhos e netos. Produzimos uma quantidade absurda de lixo, poluímos a terra, o ar, rios e mares, criamos armas nucleares potentes suficiente para destruir o planeta e temos líderes não só incapazes de mudar essa realidade como muitas vezes que contribuem para piorar as coisas.
Conhecimento e inteligência podem ser utilizados para o bem ou para o mal, de forma criativa ou destrutiva, e o aspecto negativo ocorre especialmente quando o foco é centrado em interesses particulares, sem observar aquilo que nos cerca, o contexto mais amplo.
A ciência avança progressivamente por meio de um método que organiza e acumula o conhecimento ao longo do tempo de maneira que o saber atual é sempre superior ao de antigamente. O mesmo não pode ser afirmado com relação à sabedoria. Apesar de toda a ciência, não podemos dizer que somos mais sábios que pessoas que viveram há milhares de anos. Ou seja, ganhamos inteligência, conhecimento e tecnologia, mas não sabedoria.
Sabedoria não é acúmulo de conhecimento nem pode ser mensurada num teste de QI. Inteligência é um dom que se recebe ao nascer. Sabedoria não. É algo que se desenvolve por meio de um longo estudo, exige demoradas reflexões que o tumulto e a polifonia da sociedade dificultam. Em geral estamos tão atolados com o dia a dia que não sobra tempo para cultivá-la. A sabedoria deveria ser praticada desde cedo porque alguns erros que poderiam ser evitados custam caro. E de que vale aprender no final da vida como poderíamos ter vivido?
Como atravessar um deserto
Por Dado Salem
Setembro 2021
Parece que não há mais dúvidas de que as coisas devem piorar muito antes de começarem a melhorar. As notícias que chegam é que as mudanças climáticas são irreversíveis e a catástrofe, inevitável.
Elizabeth Kolbert, jornalista da revista The New Yorker e vencedora do prêmio Pulitzer pelo livro A Sexta Extinção, relata que o mundo passou por cinco extinções em massa, sendo a mais famosa a que aconteceu há 65 milhões de anos quando um asteroide colidiu com o planeta e eliminou os dinossauros, entre uma série de outros animais. Atualmente, os cientistas vêm monitorando uma sexta extinção, que pode ser a mais devastadora da história, só que dessa vez a causa é o nosso estilo de vida insustentável.
O grande desafio é que mesmo se parássemos com 100% das emissões de gases de efeito estufa e passássemos a plantar florestas de forma eficiente e sistemática, os resultados práticos não apareceriam antes de algumas décadas. Esse delay entre ação e a reação do ecossistema, favorece os argumentos de políticos populistas e negacionistas fervorosos, como “provas” de que essas atitudes não trazem benefício algum, o que tenderia a fazer com que continuemos a cavar o abismo onde estamos caindo. O mais assustador é que a maioria de nós vivenciará esse colapso, porque ele já começou.
Esses dias acordei pensando nisso e num exercício de futurismo, imaginei como é viver a situação dolorosa de uma catástrofe. Apesar de não substituir a experiência, saber o que as pessoas fazem para sair dessas situações é no mínimo instrutivo. Lembrei dos Krenak, povo que continua vivendo na margem esquerda do Rio Doce, anos depois da tragédia do rompimento da barragem da Vale e não aceita sair daquele lugar.
Ailton Krenak, possivelmente um dos mais conscientes líderes brasileiros, associa o desastre a um deserto: “Estamos dentro do desastre, ninguém precisa vir tirar a gente daqui, vamos atravessar o deserto, temos que atravessar. Ou toda vez que você vê um deserto você sai correndo? Quando aparecer um deserto, o atravesse”, diz.
Sobre a boa vida
Setembro 2021
Na Hedonia, a felicidade e o bem-estar são obtidos por meio dos prazeres, por desfrutar as coisas boas da vida e procurar evitar a dor, os desconfortos e sofrimentos. Segundo essa visão, somos movidos pela busca de objetos de desejo, alguns naturais e necessários como casa, comida, roupas, proteção, afeto… e outros desnecessários, como luxos de todos os tipos, riqueza, glamour, cargos, poder, honras, etc.
Eudaimônia, frequentemente traduzida como felicidade, seria mais corretamente definida como florescer, pois, significa literalmente o desenvolvimento pleno do daimon, o espírito que nos habita. Equivalente ao design, que contêm um projeto, um esquema em mente, um desígnio, um propósito. Eudaimônia é cumprir seu papel no mundo, o que requer um profundo autoconhecimento. Neste caso, embora as experiências de prazer sejam fortemente positivas, não seriam um objetivo a ser buscado, mas sim um subproduto da expressão dos nossos potenciais, do melhor que existe em nós colocado a serviço da sociedade.
Com vinte e poucos anos, um tempo depois de ter saído da casa dos meus pais, comecei a me questionar que vida deveria levar. Aos poucos fui percebendo que algumas coisas que considerava importantes como, morar num bairro nobre, viajar nas férias para lugares paradisíacos, jantar em bons restaurantes, ter uma família perfeita como num comercial de margarina, trocar de carro a cada 2 ou 3 anos, ter um plano de saúde com acesso aos melhores hospitais, ou seja, viver um padrão de vida elevado, e ainda, ter distinção na sociedade, ser admirado, ter sucesso… eram na verdade parte de um modelo que eu havia aprendido a valorizar. Aprendi isso com a minha família, com meus amigos e amigas, com a nossa cultura, com a publicidade...
Esse sistema de valores culturais, essencialmente hedonistas, na maior parte das vezes costuma dirigir nossos desejos, influenciar nossos pensamentos e definir nossas escolhas. É difícil ficar fora ou ir contra essas regras sociais explícitas ou implícitas. Aquele que transgride, que se desvia, que sai do padrão, que não segue o pensamento convencional, tende a se sentir um estrangeiro na sua própria casa e muitas vezes é criticado e atacado. Não foi diferente comigo.
Os Poetas e a Leitura da Realidade
“Só é poeta o homem que possui a faculdade de ver os seres espirituais que vivem e brincam em torno dele.” Nietzsche
O estudo comparado de mitos indica que houve, logo após a pré-história, uma visão ética comum em toda a humanidade: O ser humano era considerado um microcosmo e deveria viver em harmonia com o macrocosmo.
A consciência dava ao ser humano a possibilidade de perceber a beleza da natureza e do sistema em que estava inserido. Tudo era uma coisa só, tudo estava interconectado. Nada escapava à imensa rede da vida, da qual o homem era apenas um fio. Tudo o que fizesse a esse tecido faria a si mesmo. A consciência diferenciava o homem dos outros seres, mas também dava a ele uma missão: ser o mantenedor, o guardião disso para as gerações seguintes. O ser humano não era dono da terra, ele fazia parte dela, não devia portanto explorar ou mandar na natureza, mas sim respeitá-la, reverenciá-la, aprender com ela para viver bem e em harmonia com os outros seres. O canto e a dança faziam parte do banquete que os homens ofereciam aos deuses para celebrarem a vida, que era considerada uma dádiva.
No entanto, o poder da consciência também nos oferecia a possibilidade de agirmos como substitutos de Deus ou, de viver de acordo com nossos interesses específicos e particulares. Essa pretensão era considerada em muitas tradições como a decadência do homem, pois isso significaria uma desarmonia do equilíbrio cósmico, um rompimento com as potências que regem o Universo e a nós mesmos, representadas pelas divindades e arquétipos.
No Egito antigo, no Oriente, nas tribos africanas e em todos povos e civilizações pré-Colombianas, os líderes eram seres humanos com uma cosmovisão, uma consciência superior que lhes dava a capacidade de ler e interpretar a ordem que agia como “pano de fundo” da vida. A função deles era transmitir essa visão de mundo para a sociedade e procurar fazer com que todos vivessem de acordo com essas Leis não escritas porque, tudo o que prosperava ou fracassava estava ligado à obediência ou infração delas. Sem essa cosmovisão as coisas tendiam a não ir tão bem.
Vida Simples
O Cuidado de Si – A Hermenêutica do Sujeito
Julho 2021
Como parte de seu contrato com esta instituição, Foucault tinha que apresentar, todos os anos, o resultado de seus estudos por meio de 26 horas de aulas abertas. Num anfiteatro para 300 pessoas, se amontoavam cerca de 500 estudantes, professores, curiosos e pesquisadores, que vinham de vários países para ouvir o filósofo. Ao entrar na sala, Foucault, como um acrobata, precisava saltar por cima das pessoas para chegar à mesa, onde ainda teria que abrir espaço entre dezenas de gravadores dos estudantes, para ajeitar suas coisas e organizar seus papéis. Foucault reclamava da situação e da pouca possibilidade de troca com a plateia, por conta do formato estabelecido para a conferência.
O que ele apresentava nessas palestras era um esboço do que depois seria transformado em livro. Neste caso, o conteúdo foi resumido num capítulo do livro O cuidado de si.
Por trás do título enigmático Hermenêutica do Sujeito, Foucault abordou um tema fundamental na antiguidade clássica: o autoconhecimento, traduzido pela famosa frase "conhece a ti mesmo". O filósofo se concentrou principalmente nas práticas que uma pessoa deveria adotar no seu cotidiano para atingir esse objetivo e desenvolver seus potenciais.
O vira-latas e a revolução da Sociedade em Rede
Junho 2021
O vira-latas é o canivete suiço dos cachorros, pau pra toda obra, jack of all trades como dizem os norte-americanos. Criados na natureza urbana, são os lobos do asfalto. De fome não morrem. Sua natureza versátil, múltipla, os faz saber exatamente onde encontrar o que precisam e se reproduzem a valer. A adaptabilidade os torna capazes de sobreviver em realidades distintas.
Em contrapartida, os cães de raça – especialistas em determinadas funções – costumam ser caros, dependentes e ter saúde mais frágil. Isso significa que, se forem tirados de seu ambiente protegido e previsível, se não recuperam sua natureza essencial, é improvável que sobrevivam.
Na transição da Sociedade Industrial, estável e conhecida, para o mundo incerto e cambiante da Sociedade em Rede, diplomas e especializações têm a mesma utilidade que um pedigree para um cão de raça que foi abandonado pelo seu dono e posto na rua.
Na Sociedade em Rede estamos sempre em contato com coisas que não temos domínio. Quando nos apropriamos de um ambiente e achamos que estamos no controle, é justamente quando não podemos relaxar, porque o que é tendência agora, amanhã já está velho. Não há garantia de que o que está funcionando continuará. São várias redes com linguagens diferentes que estão aparecendo… e morrendo. É tudo muito rápido, instável, volátil. A cada dia há uma oportunidade diferente ou nova.
Escrevendo um currículo
Por Wislawa Szymborska
O que precisa ser feito?
Mesmo que a vida seja longa
o currículo tem que ser curto.
Obrigatória a concisão e seleção dos fatos.
A trágica correlação entre conflitos e desastres
Março 2021
No momento em que estamos vivendo o pico da Pandemia no Brasil, vendo que poderíamos ter evitado essa situação mas que o conflito político impediu uma ação coordenada dos governos, multiplicando exponencialmente o número de mortos, fico preocupado com nosso futuro diante das mudanças climáticas que virão.
Desastres não são decorrentes de acidentes naturais.
Todos os anos vemos acontecer terremotos, furacões, secas, incêndios, vulcões, tsunamis, enchentes, etc. Mas esses eventos naturais, por mais terriveis que sejam, não costumam causar desastres.
Desastres são eventos calamitosos que causam uma ruptura no funcionamento de uma sociedade gerando graves perdas humanas, econômicas, ambientais, etc. e que excedem a capacidade da comunidade resolver sozinha, precisando recorrer ao auxílio externo. A explosão no porto do Líbano é um exemplo, o rompimento da barragem de Mariana é outro recente no Brasil.
Em geral, quando há um plano de mitigação de riscos, os impactos de acidentes naturais tendem a ser minimizados. Esses eventos só se tornam desastres quando pessoas e o ambiente estão expostas a riscos e os organismos responsáveis e governos negligenciam ou não agem coordenadamente. Aí o resultado tende a ser devastador, multiplicando o número de mortos e gerando graves consequências sociais, econômicas e ambientais. Ou seja, embora muitas vezes desastres tenham causas naturais, eles são resultado da ação humana, ou da sua inação*.
Conflitos políticos são causadores de desastres.
Conflitos acontecem quando dois ou mais grupos não se escutam, não encontram uma maneira construtiva de resolver suas diferenças e atuam no intuito de prejudicar o outro para atingir seus objetivos.
Num país políticamente estável é mais provável que se encontre pacificamente maneiras de resolver problemas e mitigar riscos de acidentes naturais. No entanto, num país onde há conflitos políticos deflagrados e se coloca interesses pessoais e partidários acima do interesse comum, uma ação coordenada é práticamente impossível, o que aumenta muito a probabilidade de ocorrerem desastres.
A sabedoria dos antigos
Os mitos, vistos hoje como sinônimo de mentira ou histórias para divertir as crianças, contem um profundo conhecimento e grande sabedoria formados por milhares de anos de experiência e observação do funcionamento da vida.
Francis Bacon, a quem se atribui a criação do método científico – o selo de autenticidade que comprova o que consideramos “verdade” no mundo contemporâneo, reconheceu a utilidade desse conhecimento arcaico: “não posso deixar de atribuir um alto valor para a mitologia antiga […] e todo homem, de qualquer erudição, deve prontamente permitir que este método de instrução seja grave, sóbrio ou extremamente útil, e às vezes necessário nas ciências, pois abre uma passagem fácil e familiar para o entendimento humano”.
Na mitologia antiga, a divindade que considero mais importante de ser conhecida e observada é Nemesis, a Justiça primitiva. Venerada por todos mas especialmente temida pelos ricos, poderosos e afortunados, essa deusa era, segundo algumas versões, filha do titã Oceano e da deusa Nix (a noite). Por esse motivo Nemesis agia sem ser percebida, de maneira inconsciente e tinha ao seu lado a inconstância, as mudanças, a imprevisibilidade e as adversidades da vida, que utilizava para castigar aqueles que ultrapassavam o métron, os limites pessoais, e cometiam um descomedimento errando pelo excesso.
Considerada implacável e impiedosa, Nemesis foi amplamente utilizada nas tragédias gregas como a divindade que daria ao protagonista descuidado aquilo que lhe era devido. No mito de Narciso por exemplo, um jovem bonito mas arrogante que desprezava os outros, Nemesis o levou ao lago onde se apaixonou por sua própria imagem e lá morreu. Na Guerra de Troia, Aquiles o principal gerreiro grego, foi punido pelo mesmo princípio por mutilar o corpo de seu arqui inimigo Heitor.
Como o estudo d’Os Lusíadas transformou minha visão de mundo
Dez 2020
A poesia entrou na minha vida por volta dos 25 anos de idade. O que me atraia nesses textos era a capacidade dos poetas de dizerem muita coisa em poucas palavras. Numa sala de espera ou até mesmo no banheiro, era possível captar toda uma idéia, um “universo numa casca de noz”.
Eu gostava de ler obras completas e assim ter uma noção de todo o pensamento do autor, escolher os poemas que gostava, grifar frases e anotar alguns comentários. Por ser mais natural para mim, comecei lendo principalmente poetas de língua portuguesa e espanhola como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Castro Alves, Manoel de Barros, Vinícius de Moraes, Pablo Neruda, Garcia Lorca, até chegar em Camões.
Como morei sozinho até os 36 anos, era comum sair para jantar com eles. Levava o livro embaixo do braço e ao invés de conversar com alguém, "ouvia" essa gente me contar coisas sensacionais. Evidentemente me sentia meio esquisito. Quem o vê jantando sozinho com um livro geralmente supõe que você tem algum problema grave. Mas depois da segunda cerveja a conversa com os poetas fluía bem.
No final dos anos 1990, durante o curso de especialização em psicologia na PUC, escolhi como tema analisar Os Lusíadas a partir dos conceitos da Psicologia Analítica. Essa obra me acompanhou durante 6 anos, e o estudo foi aprofundado e concluído na minha dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica em 2006.
Os Lusíadas foi publicado no final do século XVI e se tornou um marco na literatura mundial por retratar uma mudança cultural que nos acompanha desde então. Ele sinalizou o início do Capitalismo. Diferente dos grandes poemas épicos como Ilíada e Odisseia cujos protagonistas eram heróis guerreiros, ou dos contos de cavalaria da Idade Média que enalteciam os heróis cavaleiros, Os Lusíadas têm como figura central um herói empreendedor, que desbravou mares nunca antes navegados para abrir uma rota de comércio com o Oriente.
O dia em que passei um grande constrangimento numa Multinacional
Por Dado Salem
Setembro 2020
Eu ainda não me sentia muito bem trabalhando com grupos quando fui chamado para facilitar o encontro de uma equipe numa Multinacional. A primeira coisa que fiz foi convidar um psicólogo experiente para me acompanhar.
Sabia que nessas dinâmicas poderiam surgir coisas complicadas, inesperadas, não planejadas e principalmente das quais o grupo não tem consciência. O grande trabalho é saber lidar com os conteúdos que emergem.
Era um grupo de 9 executivos de múltiplas nacionalidades, muito produtivos e eficientes, espalhados pelos 5 continentes que se encontravam apenas uma vez ao ano para confraternizar. “O grupo vai bem, não temos problema algum”, brifou a executiva que contratou o trabalho. “Realizamos um encontro anual e gostaríamos de incluir um trabalho de Team Building”. O programa precisava ser conduzido em inglês.
Nunca gostei desse termo Team Building. Talvez pelo fato de um time ser uma coisa fechada e ver o outro como um inimigo, um adversário a ser batido. Numa organização isso pode ser perigoso, especialmente se não houver olhar para os outros interessados, stakeholders na linguagem corporativa.
Esses executivos eram compradores de um insumo fundamental para a Organização.
Neste evento realizamos uma série dinâmicas tradicionalmente utilizadas com grupos. Numa das últimas tarefas que meu amigo psicólogo propôs, fiquei um pouco preocupado, mas por algum motivo me faltou força para falar “não”. Intui que fosse dar merda, e deu.
Um dos casos mais interessantes e surpreendentes de mediação que atendi.
Foi em 2010 numa co-mediação com uma psicanalista argentina chamada Magdalena Ramos. Magdalena é uma figura emblemática, uma das grandes mestras da Psicologia de Família. Teve que sair fugida de seu país nos anos 1970 por conta da perseguição política. Uma perda para a Argentina, mas um ganho para o Brasil. Magdalena foi responsável por criar o primeiro programa de Psicanálise de Família na PUC-SP. Esse atendimento virou um artigo chamado – Mediação: um caso clínico e foi publicado no livro A violência doméstica e a cultura da paz.
Escrevemos esse artigo pensando em fazer uma introdução simples e clara sobre o tema, pois na época ainda se confundia a palavra Mediação com Meditação. Em seguida relatamos nossa experiência.
Mediação: um caso clínico
Por Magdalena Ramos e Dado Salem
Histórico da Mediação
Antigamente o mediador tinha, a importante função de ajudar a recuperar a saúde física e psíquica das pessoas, re-estabelecendo a conexão entre o indivíduo e o cosmos. Era uma espécie de ponte (pontífice) que eliminava a separação entre os homens e os deuses, e trazia consciência às pessoas. Essa relação entre religião e mediação pode ser observada em várias tradições. Na cultura judaica por exemplo, até hoje os rabinos desempenham o papel de mediadores em diversos tipos de conflitos. Moore (1998) observou a mesma conexão em culturas islâmicas, hinduístas e budistas.
Diferentes práticas e modelos de mediação surgiram pelo mundo, mas todos com o mesmo princípio: re-aproximar o indivíduo do “outro”, seja este “outro” uma pessoa, um grupo, a sociedade ou o mundo.
A mediação como a entendemos hoje surgiu nos Estados Unidos na década de 1970. Teve uma divulgação muito rápida devido aos bons resultados atingidos e foi incorporada ao sistema legal americano. Em vários estados a mediação passou a ser um processo obrigatório sendo exigido como uma instância prévia antes de se poder abrir um processo judicial. Esta medida foi e continua sendo importante pois, em muitos casos, evita o desgaste e a morosidade inerentes aos processos jurídicos.
No final da década de 1970 a mediação teve o seu ingresso na Inglaterra. Em 1976 foi criado o Centro de Mediação Familiar, pioneiro na atuação da esfera familiar. Uma característica deste país é que a prática da mediação está nas mãos dos assistentes sociais. Na França, a mediação começou no direito público e passou em seguida ao setor privado.
Apesar da mediação estar associada ao sistema judiciário como uma forma alternativa de resolução de conflitos, seu campo é muito mais amplo. Ela pode ser utilizada em escolas, empresas, em grupos familiares, em problemas ambientais, etc. A mediação pode atuar em todas as situações em que duas ou mais pessoas ou grupos, estejam se relacionando e vivendo situações de conflito.
A mediação familiar no Brasil teve início nos anos 90. Isso possibilitou que situações de conflito entre casais e problemas referentes à guarda de filhos pudessem ser resolvidos de forma mais rápida e eficiente.
Os perigos do líder centralizador
Sabemos que tomar uma decisão sozinho é mais fácil que em grupo. O Psicólogo José Ernesto Bologna costumava dar o seguinte exemplo: se você quiser ir ao cinema basta entrar na internet, escolher o filme e comprar o ingresso. Agora tente fazer isso num grupo de 8 pessoas. Um prefere drama, outro filme europeu, um terceiro não pode naquele horário, um quarto já assistiu o filme, e por ai vai. Essa simples tarefa pode demorar horas e provocar muita discussão.
Um estudo conduzido pelo psicólogo Patrick Laughlin (*) na Universidade de Illinois nos EUA revelou que grupos conseguem resolver problemas melhor que indivíduos. Segundo ele, os resultados obtidos por um grupo trabalhando cooperativamente costumam ser melhores que o mais eficiente membro do grupo trabalhando sozinho.
É comum um líder experiente e confiante deixar de ouvir membros de seu grupo quando precisa tomar uma decisão importante. Muitos são naturalmente centralizadores e narcisistas. Outros acabam se sentindo obrigados a agir desse jeito, sob a cobrança de que são pagos para tomar decisões e resolver questões complexas, se não fosse assim acreditam que seriam dispensáveis. Essa atitude costuma ser reforçada por membros de equipes que tendem a não querer assumir responsabilidades e a confiar no chefe para resolver problemas.
O homem da antiguidade - a sociedade como sistema interdependente de troca de talentos e a realização de si.
Por Dado Salem
As profissões de ferreiros, carpinteiros, agricultores, construtores, oleiros, pastores, comerciantes, guardiões, músicos, medicos, profesores e artifices de uma infinidade de produtos, existem desde muitos milênios antes de Cristo. Juntos representam um complexo sistema interdependente, complementar e cooperativo de troca de talentos que formaram as civilizações.
Curiosamente a palavra Talento tinha o duplo sentido de aptidão e dinheiro. O Talento foi provavelmente a mais antiga unidade de trocas comerciais que se tem notícia. Em 4000 antes de Cristo na Mesopotamia o Talento foi introduzido como uma unidade de peso e foi posteriormente adotado por Sumérios, Babilonios, Fenícios e Hebreus. Na Grécia antiga, onde essa unidade também foi adotada, um Talento representava o valor em ouro de um boi .
As palavras têm histórias multi-milenares e muitas vezes para compreender seu sentido original é necessário reconstruir o contexto histórico.
Segundo a cultura da época, a Natureza tem uma racionalidade e todo ser humano nasce com inclinações para desempenhar determinada atividade. Deveria portanto seguir essa razão e se esforçar para desenvolver seus talentos ao máximo a fim de executar aquela função com perfeição, desta forma, sendo quem nasceu para ser, atingiria uma vida plena e realizada. Tinham como ideal que se toda cidade se relacionasse dessa forma, chegariam à plenitude individual e coletiva.
Identidade e Self
Interdependencia, complementariedade e necessidade de coperação
Conviver com pessoas diferentes em termos raciais, religiosos, econômicos, políticos etc... é o desafio mais urgente enfrentado pela sociedade hoje. Temos a tendência de evitar o envolvimento social com pessoas que diferem de nós mesmos, como cães que latem para desconhecidos. Este livro examina por que isso aconteceu e o que podemos fazer para mudar.
Sennet lecionou durante muitos anos na London School of Economics (LSE) e no New York Institute of Humanities (NYU).
Sabendo tirar proveito da Pandemia
Dia 40 da quarentena
Hoje faz um mês que estamos confinados! Graças a Deus estamos bem. Vamos continuar assim mais um tempo, é preciso paciência. Foi a primeira vez que a quaresma coincidiu com a quarentena. Se o número 40 for realmente mágico nesse sentido da transformação, dentro de alguns dias devemos começar a ver mudanças nas nossas vidas e na sociedade.
Vamos ficar atentos aos sinais de Renascimento, Mudança, Transformação, Passagem, Vida Nova.
Boa Páscoa!
Superando obstáculos
Março 2020
Podemos usar esse tempo para fazer um balanço e nos permitir imaginar uma vida prazerosa e desejada. Porém, na hora de sair do mundo das idéias e pensar na execução, imediatamente surgirão múltiplos obstáculos: financeiros, culturais, familiares, físicos, sociais, psicológicos, políticos, emocionais, etc.
Quando a vida retomar, se não mudarmos algo dentro de nós, teremos de volta os problemas que sempre nos impediram realizar aquilo que sonhamos e mais alguns que estão sendo colocados no nosso caminho agora.
No entanto, se observarmos a natureza como fizeram os Estóicos e os Taoistas, aprenderemos com a água que os obstáculos estão aí para serem contornados. Ela corre morro abaixo sempre encontrando uma maneira de seguir seu caminho.
Não temos controle sobre o que nos acontece, mas podemos controlar a forma como respondemos aos fatos. Os Estóicos tinham uma máxima chamada Amor Fati, ame os fatos, ame a realidade. Ela está aí. Não adianta ficar reclamando, colocando a culpa em alguém ou se sentir incapaz de realizar o que deseja. Temos a tendência natural a ficar paralizados ou desistir diante de monstros que são os obstáculos. O obstáculo não está no caminho, ele é o caminho! A pergunta é, como vamos fazer para superá-lo?