Setemebro 2024
Sempre fui movido pela curiosidade. Quando era pequeno gostava de abrir gavetas e armários para ver o que tinha dentro. Minha mãe me chamava de Dado Fução. O tempo passou, hoje estou com quase 60 anos mas esse instinto investigativo continua vivo. Só que ao invés de gavetas abro páginas de cursos e programas acadêmicos. Meu foco tem sido bem errático, entro na página de uma Universidade e deixo a curiosidade me levar. Quando vejo um curso que me interessa me inscrevo. Tem dado certo. Desta vez me matriculei num aventuroso curso de Desenhos do Cotidiano oferecido pela Faculdade de Letras da PUC/RJ. Lá dizia que não precisava saber desenhar, coisa que não fazia desde criança. Me senti convidado a entrar e que aceitei.
Na primeira aula, logo nas apresentações percebi que estava cercado por designers e artistas, me vi numa arena de gigantes. Vou passar vergonha, pensei, mas respirei fundo e fui, corajosamente, com vergonha mesmo.
Me senti um pouco aliviado quando Nathália, nossa professora, disse que a proposta do curso era errar. “Deixem as borrachas de lado. O erro é uma experiência”, disse ela. “Aqui é para errar, diga não à autocensura, não se cobre, traga de volta sua criança, seu lado lúdico... se ficar bom não tem graça. Aqui, o que importa não é fazer algo bonito e perfeito, mas sim fazer algo verdadeiro, porque cada pessoa tem sua maneira de desenhar e de ver o mundo”.
As primeiras atividades propunham uma série de desafios: desenhar com a mão esquerda (não dominante), fazer desenhos cegos (sem olhar para o papel) e segurar a caneta pela ponta. Sempre com uma caneta, lápis nunca, o importante é errar! Essas práticas são mais do que um simples exercício artístico; são um convite para explorar novas formas de pensar e sentir. Ao usar a mão não dominante, ativamos o hemisfério direito do cérebro, associado à intuição e à criatividade, assim se perde a precisão, mas se ganha em expressividade.
Lá pela terceira aula Nathalia pediu para fazermos um autorretrato. Lembro que meu primeiro autorretrato foi terceirizado. Eu havia acabado de voltar de uma aventura no Aconcágua em 1997 quando fui a uma exposição de um jovem artista chamado Cabelo. Cabelo pintou um homem com uma cabeleira enorme, certamente ele mesmo, caminhando entre montanhas muito parecidas com os vales dos Andes por onde passei. Me vi retratado ali, com meu cabelo volumoso e meus pensamentos desordenados. Comprei o quadro.
No curso desenhei 4 monstros, não me identificava com nenhum, não conseguia me ver ali. Aí decidi ir para um outro espelho, um espelho indígena. Imaginei que pudesse ser melhor, justamente porque me identifico demais com essas culturas. Não há filosofia ou ciência que faça mais sentido para mim do que elas apresentam. Tudo parece delírio e o que elas dizem, a Verdade.
Foi o primeiro retrato em que consegui me ver. Pra mim isso foi muito significativo.
Percebi que desenhar com a mão esquerda me conectou com essa memória de forma profunda. Reduzindo meu julgamento crítico, me permiti ter uma expressão mais livre. Essa técnica provoca o inconsciente e libera a criatividade de forma mais intuitiva e menos auto-censurada. Quando fiz meu retrato no espelho indígena me fez lembrar que a beleza verdadeira está na autenticidade e não no espelho comum, industrializado, que nos vemos todo dia.
Desenhar com a mão esquerda e fazer um autorretrato é, portanto, muito mais do que uma técnica; é uma prática de autodescoberta. Ela nos ensina a aceitar o erro, porque, como disse Nathália, o que importa não é fazer algo bonito e perfeito, mas sim fazer algo verdadeiro. Cada traço revela um pouco mais sobre quem somos, nos desafia a olhar para a vida com mais compaixão e abertura. Afinal, sair do caminho fácil e abraçar o inesperado pode nos levar a descobrir novas formas de ser e de ver o mundo.
Maravilhoso Dado! Obrigada por compartilhar seus pensamentos!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário
ExcluirQue relato maravilhoso e especial, me fez lembrar também algumas coisas que fui deixando de fazer com o tempo, desenhar é uma delas!
ResponderExcluirObrigado por compartilhar!
Obrigado Camila, desenhar faz parte daquelas coisas aparentemente inúteis mas que fazem bem pra alma.
ExcluirFala, Dado! Quer fazer o meu portrait? rsrsrs
ResponderExcluirBrincadeiras a parte, acho muito legal fazer um curso assim, sem ter nada a haver com o que faríamos normalmente. Tenho olhado também. Parabéns!!
Fala Werner! vou te chamar, fiquei amigo da professora que organiza uns cursos bem interessantes.
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