A sabedoria silenciosa da sálvia

Por Dado Salem
Dezembro 2024


Na correria da vida, costumamos ignorar algumas coisas humildes que carregam verdades profundas. Entre elas está uma erva discreta que traz nas suas folhas uma história de sabedoria. Conhecida em inglês como "sage", ou "sábia", a planta sálvia transmite lições de saúde, consciência e simplicidade. No latim está relacionada às saudações, "salve!", "saúde!", aos termos "são e salvo", inteiro, puro, e também à sapientia, sabedoria, discernimento. 

Essa erva tem sido usada por milênios como tempero e ferramenta de purificação. Mas sua verdadeira sabedoria está no que ela simboliza. O ato de queimar sálvia, prática descartada pela ciência como misticismo, é conhecido por culturas antigas como um ritual de renovação. Quando a fumaça sobe, carregando o aroma dos seus óleos, somos lembrados de algo mais, de que a vida está constantemente se purificando e se renovando. Purificar é deixar ir, e deixar ir é abrir espaço para o que realmente importa.

Virtude, Ubuntu e o nosso papel num mundo interconectado.

Por Dado Salem
Dezembro 2024




Numa era em que o sucesso individual e o interesse próprio são frequentemente celebrados acima do bem-estar coletivo, o antigo conceito de Virtude e a filosofia africana multimilenar do Ubuntu apresentam uma poderosa contra narrativa. Eles nos desafiam a pensar sobre nosso papel no mundo e a considerar como podemos viver uma vida significativa e orientada por propósitos que apoiem não apenas a nós mesmos, mas também as pessoas e comunidades ao nosso redor. Juntos, Virtude e Ubuntu oferecem uma visão para uma sociedade ética e harmoniosa baseada no respeito mútuo e na compreensão de que nossa humanidade está profundamente interconectada.

O conceito de Virtude tem raízes no pensamento antigo. Derivado da palavra latina Virtus, Virtude inicialmente denotava qualidades do ser humano ideal, o cidadão com espírito cívico que agia de acordo com o que era bom não apenas para si mesmo, mas para sua sociedade. Havia um senso maior, um eixo principal de excelência moral, de bondade, humildade, respeito e qualidade de caráter nas sociedades tribais e arcaicas, que infelizmente perdemos. 

A ética intrínseca dos macacos e a evolução

Por Dado Salem
Dezembro 2024



Ao considerar os comportamentos éticos exibidos por primatas, como macacos-prego e chimpanzés, surge uma interessante questão sobre a teoria da evolução e a natureza da moralidade: será que a ética humana, com toda sua complexidade e ambiguidade, representa realmente um avanço evolutivo? Ou será que, em algum nível, esses primatas nos mostram um exemplo mais "puro" de comportamento ético, baseado em instintos e dinâmicas sociais que promovem a harmonia e a cooperação?

Sarah Brosnan e Frans de Waal realizaram estudos com macacos-prego que demonstram uma aversão à desigualdade. Nesses experimentos, um macaco-prego ficava visivelmente frustrado ao receber uma recompensa menor enquanto seu par recebia uma recompensa mais desejável pela mesma tarefa, a ponto de, em alguns casos, rejeitar a recompensa inferior (Brosnan & de Waal, 2003). Essa reação sugere que esses primatas possuem um senso de justiça inerente, desafiando a ideia de que a noção de equidade seja exclusiva dos humanos. Esse comportamento levanta questões sobre se nossa tendência humana a construir sistemas de justiça complexos representa uma evolução genuína ou uma complexificação desnecessária, um desvio de um instinto básico já presente na natureza.

O prazer do agora

Por Dado Salem
Novembro 2024




Há momentos na vida em que o movimento cessa. Não porque perdemos algo, mas porque encontramos. É como se a agitação do mundo, com seus convites para viajar, jantar fora ou buscar algo além, perdesse o apelo diante do que já temos e somos. 

Perder esse desejo é uma escolha de permanecer. De estar onde estamos. É encontrar prazer naquilo que já faz parte da nossa vida, no que antes parecia comum. Fazer um café pela manhã, preparar a própria comida, realizar um trabalho com atenção, uma pausa para ler um livro, um passeio no jardim, mergulhar no mar, ou mesmo no silêncio de um dia sem planos. É como descobrir que a jornada mais longa e transformadora não exige passaporte ou reservas em hotéis e restaurantes. É encontrar no presente e no que já está ao nosso alcance, as respostas que antes buscávamos em outros lugares.

O ser humano e seu propósito

por Dado Salem
Novembro 2024



O ser humano possui um papel único. Diferente dos outros seres da natureza, que agem fundamentalmente de maneira instintiva, temos a capacidade de criar com intenção. As civilizações tradicionais diziam que essa habilidade nos dá o poder de intervir na natureza, mas também a responsabilidade de usar nossos talentos para protegê-la e colaborar com seus processos, em vez de simplesmente dominá-los e explorá-los sem considerar as consequências para as próximas gerações.

No entanto, nossa trajetória demonstra uma desconexão com esse propósito. Ao invés de exercer nosso papel com responsabilidade, direcionando nossas ações para preservar a natureza e garantir seu bem-estar no futuro, seguimos uma postura exploratória e predatória. Esse comportamento tem resultado na extração desenfreada de recursos, destruição de ecossistemas, aquecimento global e perda de biodiversidade, efeitos de nossa desconexão com os princípios naturais. 

Navegando a complexidade... como encontrar sentido num mundo caótico

Por Dado Salem
Novembro 2024

Ao longo dos últimos 12 anos, a cada 2 ou 3 meses, costumo me reunir com um grupo de Pensamento Sistêmico. Nosso mestre, facilitador das conversas, é Saul Fuks. O que relato a seguir foi um dos presentes que Coco (para os íntimos) nos deu.


Vivemos tempos complexos, onde a busca por sentido se mistura com as rápidas mudanças globais e os desafios individuais. É impossível não sentir o peso das questões que emergem tanto no cenário mundial quanto nas nossas vidas cotidianas. Falamos de guerras, hackers, grandes empresários interferindo no mundo político, inteligência artificial, crise climática... uma trama que revela a fragilidade e a potência da condição humana.

A guerra, por exemplo, nos coloca diante de um espelho histórico que parece se repetir. Quando olhamos para o presente, com suas tensões nucleares e confrontos ideológicos, há um eco inquietante do que vivemos no passado. Será que aprendemos algo desde os anos sombrios de 1933 ou 1945? Ou estamos condenados a repetir os mesmos erros, embalados por discursos nacionalistas e pelo poderio bélico? Hoje, o cenário é ainda mais complexo. Atores não governamentais, como hackers e grandes empresários, jogam suas peças no tabuleiro, alterando o curso de conflitos sem sequer estarem à mesa de negociação. As novas dinâmicas do poder global nos fazem questionar até que ponto temos controle sobre nossos próprios destinos.

O design humano e a busca por propósito

Por Dado Salem
Outubro 2024



Independente de qual país, cultura ou momento da história uma pessoa nasce, seu maior desejo foi, é, e sempre será, a realização de seus talentos e a necessidade de reconhecimento.

Cada pessoa nasce com um conjunto único de talentos, características e inclinações, o que podemos chamar de nosso design. Esse design pode ser visto como o projeto do nosso potencial, a matéria-prima a partir da qual somos moldados. Algumas pessoas são projetadas para liderar com força e visão, outras para nutrir, cuidar, criar ou inspirar. Nesse sentido, o design humano não se limita a atributos físicos ou intelectuais, mas inclui os aspectos emocionais, espirituais e psicológicos que formam a essência de quem somos.

No entanto, esse design não é estático ou completo no nascimento. Assim como um escultor molda sua escultura, somos influenciados pela família, pelo bairro, pela cidade, pelo estado, pelo país, pela configuração dos astros, pelos acontecimentos, pelos nossos relacionamentos e pelas escolhas que fazemos ao longo do tempo. Experiências e desafios desempenham um papel no refinamento do nosso design, aprimorando nossos talentos e revelando nosso potencial. Nesse processo, começamos a entender não apenas do que somos feitos, mas também para que fomos feitos. 

O “Modo Zumbi"

Por Dado Salem
Outubro 2024



Você já se sentiu como se estivesse apenas vivendo os dias, sem um senso de propósito ou vitalidade? Acorda numa manhã comum, sem problemas evidentes, mas percebe que a vida está sendo vivida em modo automático, sem entusiasmo ou envolvimento genuíno. Esse estado meio "zumbi” é mais comum do que imaginamos. E embora não se fale muito sobre ele, trata-se de um fenômeno psicológico e emocional que revela uma desconexão interna, uma falta de sintonia com nossa própria existência.

No “modo zumbi”, a presença física persiste, mas a mente e o espírito parecem estar ausentes, alheios. É uma espécie de vazio existencial, um limbo que nos deixa suspensos, sem uma direção clara, sem um significado profundo para nossas ações. Algo em nós ainda não se despediu completamente, mas também não encontrou um renascimento; é um tempo de espera, onde se experimenta uma forma de "viver sem viver". A rotina continua em movimento, mas a alma parece paralisada.

Autorretrato

Por Dado Salem
Setemebro 2024





Sempre fui movido pela curiosidade. Quando era pequeno gostava de abrir gavetas e armários para ver o que tinha dentro. Minha mãe me chamava de Dado Fução. O tempo passou, hoje estou com quase 60 anos mas esse instinto investigativo continua vivo. Só que ao invés de gavetas abro páginas de cursos e programas acadêmicos. Meu foco tem sido bem errático, entro na página de uma Universidade e deixo a curiosidade me levar. Quando vejo um curso que me interessa me inscrevo. Tem dado certo. Desta vez me matriculei num aventuroso curso de Desenhos do Cotidiano oferecido pela Faculdade de Letras da PUC/RJ. Lá dizia que não precisava saber desenhar, coisa que não fazia desde criança. Me senti convidado a entrar e que aceitei.

Na primeira aula, logo nas apresentações percebi que estava cercado por designers e artistas, me vi numa arena de gigantes. Vou passar vergonha, pensei, mas respirei fundo e fui, corajosamente, com vergonha mesmo.

A visão do Bobo

Por Dado Salem
inspirado no texto de Cecil Collins, artista inglês associado ao movimento surrealista
Julho 2024


Num mundo dominado pela razão, o Bobo desafia as convenções, revela a magia da imaginação e a beleza da simplicidade. 




Num mundo sobrecarregado de racionalidade e dominado pela lógica, existe uma figura que dança levemente à margem da razão, livre das amarras do pensamento convencional. Esta figura é o Bobo. O Bobo, muitas vezes incompreendido e subestimado, personifica uma visão que vai além das superficialidades da existência moderna, oferecendo o vislumbre de um mundo onde a inocência, o encanto e a sabedoria se misturam.

O Bobo, em sua essência, não está preso às estruturas rígidas da sociedade. Ele é um andarilho, um buscador de verdades que estão além do senso comum. Seus olhos inocentes, livres do cinismo, veem o mundo de maneira pura. Para o Bobo, cada momento é um milagre, cada encontro uma troca significativa, e cada caminho uma jornada.

Na mitologia, o Bobo aparece como um símbolo tanto de começos quanto de finais, um guardião da fronteira entre o conhecido e o desconhecido. Ele está no limiar da aventura, sem medo de cair no vazio, pois confia na benevolência do universo. Esta confiança não nasce da ingenuidade, mas de uma compreensão profunda de que o mundo é um lugar de infinitas possibilidades, onde a alma pode florescer se ousar sonhar.

Você repetiria sua vida eternamente com alegria?

Por Dado Salem
Junho 2024



Mircea Eliade nos ensina que nas sociedades tradicionais o tempo era visto como circular, pois tudo tendia a se repetir eternamente, as estações do ano, as fases da lua, o dia e a noite e os acontecimentos na vida humana. Essas culturas criavam rituais recorrentes que tinham o objetivo de renovar o mundo e oferecer oportunidades de regeneração para que as pessoas começassem um novo ciclo cheio de sentido e propósito.

O mito do eterno retorno foi utilizado por Friedrich Nietzsche como uma alegoria para examinarmos nossa vida e encontrar significado na nossa existência. Trata-se de um experimento mental que nos desafia a imaginar viver como se nossa vida se repetisse infinitamente. Nietzsche pergunta se aceitaríamos passar por tudo de novo, eternamente, se soubéssemos que teríamos de vivê-la em perpétua recorrência. Não se trata apenas de aceitar a vida, mas de afirmá-la de tal forma que viveríamos com alegria cada momento. Estamos vivendo vidas que estaríamos dispostos a repetir eternamente? 

Esta reflexão nos leva a fazer escolhas, valorizar as nossas experiências e assumir a responsabilidade pelas nossas ações. Encoraja-nos a viver de forma autêntica e apaixonada, buscando a realização no presente em vez de adiar a felicidade para um futuro distante.

Como se preparar para uma entrevista de emprego

Por Dado Salem
Junho 2024



Preparar-se para uma entrevista é essencial para conseguir um emprego desejado. Envolve planejamento cuidadoso, pesquisa e alguma prática para garantir que você se apresente como um candidato adequado para a função. Um dos primeiros passos na preparação para uma entrevista é pesquisar a empresa. Compreender a missão, os valores, os produtos e os serviços que a empresa oferece, saber quem são os concorrentes, o posicionamento no mercado, bem como as notícias ou desenvolvimentos recentes relacionados com a empresa. Esse conhecimento permite que você oriente suas respostas e mostre um interesse genuíno pela organização.

Igualmente importante é uma compreensão completa da descrição da posição. Ao analisar os requisitos do trabalho, você pode combiná-los com suas habilidades e experiências. Identificar as principais responsabilidades e preparar exemplos que demonstrem as suas capacidades podem fazer uma diferença significativa. Praticar respostas a perguntas comuns em entrevistas é outro aspecto vital da preparação. Perguntas como “Conte-me sobre você”, “Por que você quer trabalhar aqui?” e “Quais são seus pontos fortes e fracos?” quase sempre são questionados.

A arte quase perdida de não fazer nada

Por Dado Salem
Junho 2024



Dany Laferrière, escritor haitiano, membro da Academia Francesa de Letras, escreveu uma obra reflexiva e filosófica sobre a beleza e a importância de não fazer nada. Com um estilo perspicaz e poético, ele explora a ideia de que no nosso mundo acelerado e obcecado pela produtividade, o simples ato de não fazer nada é uma arte valiosa e quase perdida.

Ele defende a necessidade de reservar um tempo para descansar, observar e simplesmente ser, sem a pressão constante de ser produtivo. Essa abordagem nos permite viver o momento e saborear experiências em vez de correr constantemente para a próxima tarefa. Ele sugere que, ao desacelerar e aproveitar momentos de inatividade, podemos nos reconectar com nós mesmos, com o mundo que nos rodeia, e a vida pode se tornar mais plena e significativa. 

O lazer, para Laferrière, não é apenas a ausência de trabalho, mas um aspecto fundamental da vida que estimula a criatividade, o bem-estar e o crescimento pessoal. O tempo de lazer proporciona espaço para autorreflexão, exploração intelectual e descanso emocional. Numa cultura que muitas vezes glorifica a ocupação, Laferrière defende a procura consciente de não fazer nada como forma de equilibrar as nossas vidas, essencial para manter a saúde física e mental.

Favela não é carência, favela é potência

Por Dado Salem
Fevereiro 2024




Nas últimas décadas, o termo "favela" tem sido frequentemente associado à pobreza, criminalidade e falta de infraestrutura básica. No entanto, esta visão simplista e estigmatizante não reflete a realidade complexa e multifacetada dessas comunidades.

Ao contrário do que muitos acreditam, as favelas são locais de grande potencial e resiliência. Essas áreas são habitadas por pessoas que, mesmo enfrentando desafios significativos, encontram maneiras criativas e inovadoras de sobreviver e prosperar.

Um dos aspectos mais impressionantes das favelas é a sua comunidade. Nestas áreas, as pessoas vivem em uma proximidade incomum, compartilhando espaços e experiências diárias. Essa proximidade cria uma forte rede de apoio, onde os moradores se ajudam mutuamente em tempos de necessidade. Essa solidariedade é uma prova da resiliência das favelas.

Além disso, as favelas são frequentemente centros de atividade econômica. Essas comunidades abrigam pequenos negócios e empreendimentos locais que oferecem produtos e serviços essenciais aos moradores. Esses negócios fornecem uma fonte de renda crucial para as famílias locais e ajudam a impulsionar a economia da área.

O que é Inteligência Coletiva e como fazê-la funcionar?

Por Dado Salem
Janeiro 2024

Você já ouviu falar em Inteligência Coletiva? Inteligência Coletiva é a capacidade que um grupo numeroso de pessoas tem de tomar decisões melhores que um líder sozinho ou que um grupo de experts fariam. Isso ocorre porque indivíduos e grupos homogêneos, mesmo com alto QI, tenham viéses cognitivos difíceis de romper e que muitas vezes podem ser contraproducentes. Inteligência Coletiva significa que a colaboração, a diversidade e tomada de decisões descentralizadas tendem a gerar ideias inovadoras, resolver problemas complexos e impulsionar o progresso em empresas, organizações e na sociedade.

Para fazer a Inteligência Coletiva funcionar, vários elementos-chave entram em jogo. Em primeiro lugar, requer um grupo diverso de pessoas com uma variedade de formações, origens, perspectivas e conhecimentos. Essa diversidade de experiências garante um leque amplo de insights e ideias, fomentando uma Inteligência Coletiva mais poderosa.