A ética intrínseca dos macacos e a evolução

Por Dado Salem
Dezembro 2024



Ao considerar os comportamentos éticos exibidos por primatas, como macacos-prego e chimpanzés, surge uma interessante questão sobre a teoria da evolução e a natureza da moralidade: será que a ética humana, com toda sua complexidade e ambiguidade, representa realmente um avanço evolutivo? Ou será que, em algum nível, esses primatas nos mostram um exemplo mais "puro" de comportamento ético, baseado em instintos e dinâmicas sociais que promovem a harmonia e a cooperação?

Sarah Brosnan e Frans de Waal realizaram estudos com macacos-prego que demonstram uma aversão à desigualdade. Nesses experimentos, um macaco-prego ficava visivelmente frustrado ao receber uma recompensa menor enquanto seu par recebia uma recompensa mais desejável pela mesma tarefa, a ponto de, em alguns casos, rejeitar a recompensa inferior (Brosnan & de Waal, 2003). Essa reação sugere que esses primatas possuem um senso de justiça inerente, desafiando a ideia de que a noção de equidade seja exclusiva dos humanos. Esse comportamento levanta questões sobre se nossa tendência humana a construir sistemas de justiça complexos representa uma evolução genuína ou uma complexificação desnecessária, um desvio de um instinto básico já presente na natureza.

Observações feitas por Rachna Reddy e Aaron Sandel indicam que chimpanzés frequentemente consolam uns aos outros em situações estressantes, mostrando conforto por meio de abraços e carícias (Reddy & Sandel, 2020). Essa manifestação de empatia e cuidado genuíno pelos outros sugere que o altruísmo pode ser um comportamento instintivo, em contraste com a empatia humana, que frequentemente está envolta em expectativas sociais e recompensas. Num contexto semelhante, Brian Hare e Suzy Kwetuenda documentaram que bonobos compartilham alimentos com outros indivíduos, mesmo aqueles fora de seu círculo familiar imediato, sem nenhuma expectativa de retorno (Hare & Kwetuenda, 2010). Isso nos leva a questionar se o altruísmo humano, muitas vezes condicionado por convenções sociais, se afastou da simplicidade e espontaneidade do comportamento altruísta dos primatas.

A teoria da evolução geralmente pressupõe que nossa moralidade complexa e abstrata seja um aprimoramento das formas mais simples de comportamento ético que vemos em outros primatas. No entanto, a cooperação entre esses animais é uma evidência de que eles já possuem um modelo eficiente de interação social. Em suas comunidades, as alianças são construídas de maneira confiável, e os conflitos, quando surgem, são frequentemente resolvidos por meio de gestos conciliatórios como os documentados por de Waal em bonobos, que utilizam comportamentos afetuosos para restabelecer a paz e evitar que tensões se escalem (de Waal, 1997). Esse modelo de resolução de conflitos e o foco em harmonia nos levam a ponderar se a moralidade humana, tão frequentemente perturbada por interesses individuais e estruturas de poder complexas, representa realmente uma evolução, ou apenas um desvio de um código moral que, nos primatas, possui a simplicidade e a eficácia de que necessitam.

Mesmo nas hierarquias sociais, esses primatas frequentemente demonstram respeito pelo equilíbrio do grupo. Embora existam indivíduos dominantes, eles costumam desempenhar papéis protetores e, em muitos casos, outros membros da comunidade se unem contra abusos de poder, garantindo que a hierarquia não se torne tirânica (de Waal, 2007). Isso contrasta com estruturas humanas de poder, nas quais os desequilíbrios frequentemente levam à exploração e à opressão. Nessa perspectiva, será que nossa complexa organização social realmente representa uma melhoria evolutiva, ou estamos nos afastando de uma ética natural que, na simplicidade de seu funcionamento, valoriza a cooperação e o equilíbrio?

Os comportamentos dos primatas descritos nos estudos de Brosnan, de Waal, Hare, e outros cientistas, nos apresentam a existência de uma ética instintiva que, embora não estruturada por doutrinas filosóficas ou religiosas, parece promover uma vida em grupo harmoniosa e funcional. Essas observações desafiam a ideia de que a moralidade humana seja necessariamente um progresso. Em vez disso, talvez a moralidade dos primatas, com sua aversão à desigualdade, seu altruísmo desinteressado e seu foco na resolução de conflitos, seja um modelo que nos faz questionar até que ponto nossa moralidade é realmente um avanço ou uma elaboração que frequentemente impede a harmonia e a justiça.



Referências

Brosnan, S. F., & de Waal, F. B. (2003). Monkeys reject unequal pay. Nature, 425(6955), 297-299.
Reddy, R., & Sandel, A. (2020). Consolation in chimpanzees: Evidence of empathetic behavior. Behavioral Ecology and Sociobiology, 74(9), 114-122.
Hare, B., & Kwetuenda, S. (2010). Bonobos voluntarily share their own food with others. Current Biology, 20(5), R230-R231.
de Waal, F. B. (1997). Bonobo: The forgotten ape. University of California Press.
de Waal, F. B. (2007). Chimpanzee politics: Power and sex among apes. Johns Hopkins University Press.

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