Medo, confiança e o comportamento coletivo

por Dado Salem
Dezembro 2019

O poder dos sentimentos sobre o sistema econômico


Em setembro de 2008, a terra tremeu. Num período de 10 dias, a maior seguradora do mundo, dois dos maiores bancos de investimento do planeta e dois gigantes das hipotecas americanas, com ativos somados de 4,5 trilhões de dólares, faliram, foram nacionalizados ou acabaram resgatados da falência com a ajuda do dinheiro dos contribuintes. (The Economist 20/9/2008).

A crise dos sub-primes, como o episódio ficou conhecido, foi uma surpresa até para quem ajudou a criá-la. James Cayne, presidente do Bear Sterns, um dos grandes bancos engolidos pela falta de liquidez, argumentou que sua empresa não havia feito nada de errado. O Bear Sterns acabou comprado pelo JP Morgan Chase por 10% do seu valor de mercado. (Lounsbury; Hirsch, 2010).

No caso do banco de investimentos Lehman Brothers, um dos mais importantes dos Estados Unidos, as autoridades financeiras decidiram, num momento de grande incerteza no início da crise, deixá-lo falir, confiando que o mercado se ajustaria sozinho. Acontece que o mercado é um grande coletivo e, naquele momento extremo, sem o apoio de um líder ou de uma ordem de socorro, o Medo, já em sua forma extrema, o Pânico, se espalhou rapidamente.

Alguns meses depois, o Secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, explicou que a falência do Lehman Brothers causou uma crise sistêmica e um comprometimento da Confiança no mercado financeiro.

Um ano depois da crise, Ben Bernanke, ex-presidente do Banco Central norte-americano, confessou, numa entrevista à revista Time, que quando o Lehman Brothers quebrou quase todas as grandes instituições financeiras do mundo correram um significativo risco de quebrar junto.

Por que essa falência teve um impacto tão grande nos mercados e na economia de tantos países?

O papel das emoções na Visão de Futuro

Por Dado Salem
Novembro 2019


Quando jovem comprei num sebo uma biografia de Freud escrita por Stefan Zweig. Dentro desse livro encontrei um recorte de jornal da Folha da Manhã, de 16 de fevereiro de 1947. Era um artigo de Psicologia descrevendo a hipótese do funcionamento psíquico proposto por Freud. Nele estava a constatação de que conteúdos inconscientes, como instintos e emoções, interferem nos nossos pensamentos, decisões e ações.

Eu ignorava por completo que essa parte desconhecida poderia conduzir minha vida para um lado desfavorável, que não me interessava. Naquele momento o que mais me preocupava era a construção do meu futuro, afinal havia literalmente uma vida pela frente. Mas como poderia pensar no futuro sem conhecer minimamente o que se passava nesse outro lado, o inconsciente? Hoje, quando me vejo estudando a construção de futuros, essa história ressurge. Como investigar esse tema sem considerar o papel das emoções?

Na antiguidade, os gregos, profundos conhecedores da psique humana, chamavam as emoções de Pathos. Potência capaz de agitar a mais íntima e profunda instância do ser humano, Pathos era considerado uma inclinação natural, conteúdo psíquico influenciador de nossas decisões e ações que tinha como finalidade desenvolver e realizar o ser humano. Funcionava como uma bússola, sendo eficiente quando trabalhado em conjunto com o Logos, a Razão.

Por outro lado, se deixado sem controle, Pathos poderia se transformar em força destrutiva, nas paixões que os estóicos e cristãos consideraram posteriormente como vícios, ou nas doenças que a modernidade tratou como patologias. (Chaui, M)

Otimistas, Pessimistas e a Visão de Futuro

Por Dado Salem
Outubro 2019

O futuro pode ser colorido e brilhante. Ou embaçado e escuro. Depende de quem vê. Mas como se forma esta ou aquela visão?


Foi buscando respostas para essa questão que o filósofo Fred Polak se tornou uma figura emblemática, embora injustamente desconhecida, de um campo de conhecimento de grande relevância atualmente: o Estudo do Futuro (Future Stidies).

Nos anos 50, Polak foi Professor Senior do então recém-criado Centro de Estudos Avançados em Behavioural Sciences na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Muitas pessoas que viveram aquele momento em que se iniciou o que se chama hoje de Estudo do Futuro atribuem a Polak e suas teorias algumas das pedras fundamentais desse importante movimento do pensamento humano.

Dr. Polak, como era chamado, era uma pessoa interessantíssima. Diziam os amigos que jantar com ele e sua mulher, ou passar um tempo conversando com eles, era das melhores coisas que alguém poderia fazer. Graduado em Direito e Economia, Polak, por ser judeu, passou anos num esconderijo durante a 2a Guerra Mundial. Foi onde escreveu sua tese de doutorado em Filosofia.

As flores do amanhã

Por Dado Salem
Outubro 2019


Mesmo sabendo da nossa capacidade de intervir na realidade e criar o futuro, um certo medo se estabeleceu no imaginário coletivo. O futuro já não é o que foi. Uma tragédia parece estar por vir e o pessimismo virou senso comum. 

As mudanças climáticas vão tornar a vida no planeta mais difícil, a economia entrará em crise permanente, os empregos serão mais precários e difíceis de conseguir, os benefícios sociais serão reduzidos, a desigualdade aumentará, a transformação digital destruirá muitas empresas. Ressurge a ideia de que o capitalismo com seu poder de auto destruição será conduzido ao colapso. 

As evidências desse desassossego se multiplicam. No Brasil, um dia considerado o “país do futuro”, hoje se diz que o futuro passou. O escritor angolano José Eduardo Agualusa publicou seu “kit de sobrevivência para o fim do mundo” e a jovem ativista sueca Greta Thunberg protesta que o futuro de sua geração está sendo destruído. 

A psicologia do século XX demonstrou que, além dos instintos, nossa visão da realidade e comportamentos, em muitos casos, estão relacionados às experiências formativas que tivemos na infância. Mas diante do que estamos vivendo e observando, podemos dizer que o futuro tem nos atormentado muito mais do que o passado. A imagem que temos do futuro é possivelmente o fator mais significativo para determinar nossas atitudes. 

Por exemplo, se achamos que o futuro será pior que o presente, um desânimo toma conta da gente, nossos sonhos e projetos são desfeitos ou deixados de lado, entramos no modo de sobrevivência e adotamos uma postura defensiva perante a vida. Por outro lado, se vemos o futuro de forma positiva, somos impulsionados a realizar nossas idéias e desejos, exercendo nossa criatividade.

Ítaca

Por Dado Salem


A Odisséia de Homero narra o caminho de provas pelas quais Odisseu (Ulisses) teve que passar para conseguir retornar a Ítaca, o seu lugar no mundo. O deus Possidon, protetor de Tróia, põe à prova a glória de Odisseu, que havia dado a vitória aos gregos ao criar o famoso estratagema do cavalo de Tróia. Sua viagem cheia de obstáculos durou mais de 10 anos. Odisseu deu uma lição de humildade ao abrir mão da imortalidade e outros benefícios oferecidos pela deusa Calipso, de estonteante beleza. Noutra passagem tentadora, recusou a princesa Nausica deixando claro que estava em busca de seu próprio caminho e que aceitava o destino que lhe coube. No episódio dos Lotófagos, escapou da ameaça do esquecimento (de quem ele era) e contra o Ciclope se salvou pelo anonimato, dizendo que seu nome é Ninguém. No Hades (lugar sombrio para onde vão as almas do mortos), Odisseu foi orientado pelo sábio Tirésias a não querer o que não lhe pertence. Também não se deixou seduzir pelo canto das Sereias, e mesmo na chegada a Ítaca, onde teve de enfrentar os pretendentes de sua Penélope numa luta carnicenta, ainda repreendeu a ama Euricléia que celebrava sua vitória.

Essa narrativa descreve as vivências necessárias ao aperfeiçoamento espiritual de Odisseu para que conseguisse retornar de sua viagem, ou seja, para que conseguisse ser ele mesmo! Odisseu saiu um e retornou outro. A Odisséia pode ser vista, portanto, como o rito de passagem, a regeneração de Odisseu, ou a transformação dele num herói, nos padrões da antiguidade.

O poema Ítaca de Konstantinos Kaváfis é uma releitura da Odisseia, a viagem para casa como um encontro com nos mesmos:

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Há que se vigiar a loucura dos grandes *

por Dado Salem
Maio 2019

Com uma dinâmica familiar que considera todos suspeitos, corruptos e perigosos, os Bolsonaro caminham para o isolamento correndo sério risco de terminarem a sós no Palácio.

                                                                             ilustração: Maria Eugênia

No artigo de Ascanio Seleme, Os Bolsonaro um bloco, publicado no O Globo em 31/03/19, foi mencionado que os membros desta família pensam, sentem e agem como um grupo indissociável, formando o que chamamos de um sistema familiar simbiótico indiferenciado. Nas famílias com essa dinâmica os integrantes tem maior probabilidade de sofrer de ansiedade crônica. Para melhor compreensão da situação é importante aprofundar e explicar esse ponto.

A ansiedade pode ser definida como a resposta de um organismo a uma ameaça. Ela é considerada normal como resposta a ameaças reais, ou crônica, quando se trata do medo constante do que pode acontecer ou às ameaças imaginárias.

Os Bolsonaro, por serem indiferenciados como indivíduos, dependem da relação entre eles. Essa dependência por si só é geradora de ansiedade crônica. Se considerarmos a posição que ocupam hoje e a pressão contínua que sofrem, a ansiedade tende ainda a ser potencializada. Sendo inábeis para lidar com relacionamentos externos, sua rede de relações torna-se limitada e com poucos sistemas de apoio. Isso os enfraquece e os torna vulneráveis. A impulsividade, a agressividade e a paranóia, características presentes na família, estão diretamente ligadas a essa questão.

Quanto mais se sentem ameaçados, maior a força de união da família. O "sangue do meu sangue" se torna crucial. Fechados em seu bloco, se convencem e mais certeza tem de que sabem o que é "o certo e o melhor" e buscam reforço em pessoas que pensam e agem de forma semelhante. Isso explica a confiança e admiração em Paulo Guedes, Olavo de Carvalho e Donald Trump, conhecidos por falarem o que pensam.

Os Bolsonaro, um bloco

O Globo
por Ascânio Seleme
Março 2019

As posições deles são resultado de um pensamento único, elaborado ao longo de anos


Aqueles que ainda pensam ser possível separar o presidente Jair Bolsonaro de seus filhos, mesmo que apenas na gestão do país, é melhor ir logo tirando o cavalinho da chuva. Os Bolsonaro são um bloco único, monolítico, inseparável e inquebrantável. Suas posições são resultado de um pensamento único, elaborado ao longo de anos, e nenhum dos seus membros sobrevive sem os demais, explica Dado Salem, economista, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e sócio da Psiconomia, empresa especializada em gerir questões complexas e sensíveis envolvendo famílias e negócios.

Salem fez um estudo sobre a família do presidente tomando por base entrevistas que cada um deu ao longo dos anos e suas manifestações nas redes sociais. Com esses elementos e com o apoio de um relatório contendo as nuvens de palavras mais repetidas por cada Bolsonaro no Twitter, elaborado em 2016 pela cientista política Mariana Cartaxo, foi possível escrutinar a raiz comum do raciocínio de Jair, Flávio, Carlos e Eduardo.