Otimistas, Pessimistas e a Visão de Futuro

Por Dado Salem
Outubro 2019

O futuro pode ser colorido e brilhante. Ou embaçado e escuro. Depende de quem vê. Mas como se forma esta ou aquela visão?



Foi buscando respostas para essa questão que o filósofo Fred Polak se tornou uma figura emblemática, embora injustamente desconhecida, de um campo de conhecimento de grande relevância atualmente: o Estudo do Futuro (Future Stidies).

Nos anos 50, Polak foi Professor Senior do então recém-criado Centro de Estudos Avançados em Behavioural Sciences na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Muitas pessoas que viveram aquele momento em que se iniciou o que se chama hoje de Estudo do Futuro atribuem a Polak e suas teorias algumas das pedras fundamentais desse importante movimento do pensamento humano.

Dr. Polak, como era chamado, era uma pessoa interessantíssima. Diziam os amigos que jantar com ele e sua mulher, ou passar um tempo conversando com eles, era das melhores coisas que alguém poderia fazer. Graduado em Direito e Economia, Polak, por ser judeu, passou anos num esconderijo durante a 2a Guerra Mundial. Foi onde escreveu sua tese de doutorado em Filosofia.


Depois da guerra, Polak foi professor de Sociologia na Erasmus University em Roterdam e trabalhou no Escritório de Planejamento Central da Holanda. Também foi Senador e fundou um partido politico social democrata.

Seu livro The Image of the Future é considerado um clássico, embora tenha tido uma edição pequena. Com seu conhecimento enciclopédico, Polak estudou diversas civilizações e verificou que a ascensão e queda de um povo estão ancoradas na sua imagem de futuro. Para ele, esta imagem é chave para o comportamento individual e coletivo.

Há uma antiga discussão, que permeia filosofia, ciência e religião, sobre a relação de poder entre o homem e as forças sobrenaturais. Otimismo e Pessimismo estão ligados justamente às coisas sobre as quais não temos poder e sobre as quais temos alguma influência.

De um lado existem aqueles elementos cujas trajetórias são próprias e imutáveis, como a passagem do tempo, o universo, o outro, o improvável e a morte. De outro estão principalmente coisas que dizem respeito a nós mesmos, como imaginar, fazer escolhas, tomar decisões e outras atitudes. Essa divisão entre elementos controláveis e incontroláveis não é rigida, pois em algum nível podemos influenciar quase tudo e por outro lado há diversas forças que interferem em nossos comportamentos.

Polak esclareceu que podemos ser Otimistas ou Pessimistas com relação às coisas sobre as quais não temos controle. Classificou esses dois posicionamentos como Essencialmente Otimistas ou Essencialmente Pessimistas. Com relação às coisas sobre as quais temos possibilidade de controle, utilizou os termos Influenciadores Otimistas ou Influenciadores Pessimistas.

Combinando essas duas vertentes, pois somos sempre uma mistura das duas, Polak construiu quatro tipos de posicionamento:


Duplo Otimistas: uma combinação de Essencialmente Otimistas e Influenciadores Otimistas. Os gregos da antiguidade eram um exemplo disso. Para eles, Zeus, depois de muita luta, conseguiu estabelecer a ordem e o Cosmos passou a se impor sobre o Caos. No plano da influência, Prometeu entregou o fogo dos deuses aos seres humanos, nos dando algum poder de controle sobre as coisas. Em seguida surgiu a Paidéia, programa de formação do homem grego, e a possiblidade de construir uma civilização gloriosa. Trazendo para os dias atuais, Duplo Otimistas são pessoas que acreditam que o Universo está em constante evolução, veem o futuro como o progresso em direção à perfeição humana, saindo das cavernas rumo ao espaço, do macaco ao Homo Deus, dominando as forças do Universo e criando vida em outros planetas. Para eles, a ciência resolverá todos os problemas da humanidade. Um dos principais representantes desta vertente é a Singularity University, que utiliza como um dos seus slogans a frase “anyone can change the world”.


Essencialmente Otimistas e Infuenciadores Pessimistas: É o que poderíamos chamar de Determinismo Otimista. Para eles o Universo é uma expressão da sabedoria e bondade divinas, “vivemos no melhor dos mundos possíveis”, mas negam o livre arbítrio e a liberdade. Autodeterminação é pura ilusão. Se escolhemos uma coisa é porque isso já estava determinado por uma relação de causa e efeito, não poderíamos ter escolhido nada diferente. Einstein, um dos muitos deterministas peso pesado, afirmou que “tudo é determinado, tanto no começo quanto no fim, por forças sobre as quais não temos controle. É determinado tanto para o inseto quanto para a estrela. Seres humanos, vegetais ou poeira cósmica, todos dançamos uma música misteriosa, entoada ao longe por um flautista invisível". Schopenhauer, um influenciador pessimista conhecido, disse que “um homem pode fazer o que deseja, mas não escolher o que deseja”.

Essencialmente Pessimistas e Influenciadores Otimistas: Acreditam que o sofrimento é inevitável (Budismo), que a vida é instável, que vivemos momentos conturbados, que o mundo vai piorar etc., mas podemos fazer algo a respeito. O personagem bíblico Noé é um dos primeiros registros que temos desse perfil. Ainda na antiguidade, os filósofos estóicos desenvolveram uma técnica chamada premeditatio malorum, que consistia em pensar tudo o que poderia acontecer de errado ou pior em nossas vidas e se preparar para essas adversidades. Era a maneira que Sêneca indicava para não sermos surpreendidos pelo infortúnio. Uma oração atribuida a São Francisco é outro exemplo de Essencia Pessimista com Influência Otimista: “Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado; Resignação para aceitar o que não pode ser mudado; E sabedoria para distinguir uma coisa da outra”. A sabedoria popular contribui para esse pensamento com “a vida não consiste em receber boas cartas, mas jogar bem aquelas que você recebe”, ou “se a vida te der limões, faça uma limonada!”.

Duplo Pessimistas: combinação de Essencialmente Pessimistas e Influenciadores Pessimistas. Vivemos em tempos catastróficos, a representação do Apocalipse. A floresta amazônica vai se transformar numa savana, a mudança na temperatura das águas dos oceanos, somada à pesca predatória e à poluição, faz cientistas preverem que quase todos os recifes de corais morrerão até 2050. Independente de se chegar a um acordo se esses acontecimentos são resultado da ação humana ou não, é quase unânime a ideia de que as mudanças climáticas vão produzir efeitos devastadores em várias regiões do planeta. Não é de se estranhar que uma época com esses pensamentos produza mais Distopias que Utopias. O filme Melancolia, de Lars von Trier, que retrata o fim do mundo numa colisão entre o planeta Melancolia e a Terra, é uma perfeita representação Duplo Pessimista. A personagem Justine, ao dizer que “a Terra é má… Tudo que sei é que a Terra é má”, revela a essência pessimista. No mesmo filme, o cientista John, ao descobrir que sua ciência era impotente (influenciador pessimista), se suicida.

Essas quatro posições definidas por Polak se configuram em objeto de estudo do atual estágio da evolução humana. Mais do que isso: permitem entender como se anuncia o nosso futuro.

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