As flores do amanhã

Por Dado Salem
Outubro 2019



Mesmo sabendo da nossa capacidade de intervir na realidade e criar o futuro, um certo medo se estabeleceu no imaginário coletivo. O futuro já não é o que foi. Uma tragédia parece estar por vir e o pessimismo virou senso comum. 

As mudanças climáticas vão tornar a vida no planeta mais difícil, a economia entrará em crise permanente, os empregos serão mais precários e difíceis de conseguir, os benefícios sociais serão reduzidos, a desigualdade aumentará, a transformação digital destruirá muitas empresas. Ressurge a ideia de que o capitalismo com seu poder de auto destruição será conduzido ao colapso. 

As evidências desse desassossego se multiplicam. No Brasil, um dia considerado o “país do futuro”, hoje se diz que o futuro passou. O escritor angolano José Eduardo Agualusa publicou seu “kit de sobrevivência para o fim do mundo” e a jovem ativista sueca Greta Thunberg protesta que o futuro de sua geração está sendo destruído. 

A psicologia do século XX demonstrou que, além dos instintos, nossa visão da realidade e comportamentos, em muitos casos, estão relacionados às experiências formativas que tivemos na infância. Mas diante do que estamos vivendo e observando, podemos dizer que o futuro tem nos atormentado muito mais do que o passado. A imagem que temos do futuro é possivelmente o fator mais significativo para determinar nossas atitudes. 

Por exemplo, se achamos que o futuro será pior que o presente, um desânimo toma conta da gente, nossos sonhos e projetos são desfeitos ou deixados de lado, entramos no modo de sobrevivência e adotamos uma postura defensiva perante a vida. Por outro lado, se vemos o futuro de forma positiva, somos impulsionados a realizar nossas idéias e desejos, exercendo nossa criatividade.

Dizem que a história se repete e que observar o comportamento passado é o melhor método para prever o comportamento futuro. A psicologia evolutiva, que busca identificar aspectos inatos e universais da nossa psique - o inconsciente coletivo - defende que o ser humano contemporâneo possui comportamentos naturais semelhantes aos dos nossos ancestrais da idade da pedra, especialmente quando se trata de situações ameaçadoras. São mecanismos de proteção e defesa, fundamentais para nossa sobrevivência como espécie. Nesse sentido estamos programados a ter padrões instintivos de comportamento como qualquer organismo vivo.

O que nos diferencia das outras formas de vida é nossa capacidade de intervir na realidade, de participar da criação. É nesse sentido que se dizia o homem ser feito à imagem e semelhança de Deus. Na Grécia antiga essa característica foi representada pelo Mito de Prometeu, que roubou o fogo dos Deuses e o entregou aos homens.

Somos ao mesmo tempo criadores e criaturas do mundo. Conseguimos construir a realidade, apesar de não controlarmos todas as suas variáveis, que são infinitas. Uma das formas mais belas de exercitar esse dom está nos projetos dos jardins, símbolos do paraíso terrestre, onde o ser humano pode demonstrar com elegância seu poder sobre a natureza. No jardim, inversamente, o homem faz da natureza a sua imagem. 

Qual o futuro que gostaríamos de criar? Um futuro favorável ou contra nós? Um bom exemplo a seguir é o dos jardineiros que sabem, como diz um provérbio chinês, que “todas as flores de todos os amanhãs estão nas sementes do hoje”.

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