A arte quase perdida de não fazer nada

Por Dado Salem
Junho 2024

Num mundo frenético, obcecado por produtividade e inteligências artificiais, o simples ato de não fazer nada pode nos ajudar a redescobrir a serenidade e a inspiração que emergem dos momentos de quietude, e se transformar numa verdadeira celebração da vida.





Dany Laferrière, escritor haitiano, membro da Academia Francesa de Letras, escreveu uma obra reflexiva e filosófica sobre a beleza e a importância de não fazer nada. Com um estilo perspicaz e poético, ele explora a ideia de que no nosso mundo acelerado e obcecado pela produtividade, o simples ato de não fazer nada é uma arte valiosa e quase perdida.

Ele defende a necessidade de reservar um tempo para descansar, observar e simplesmente ser, sem a pressão constante de ser produtivo. Essa abordagem nos permite viver o momento e saborear experiências em vez de correr constantemente para a próxima tarefa. Ele sugere que, ao desacelerar e abraçar momentos de inatividade, podemos nos reconectar com nós mesmos, com o mundo que nos rodeia, e a vida pode se tornar mais plena e significativa. 

O lazer, para Laferrière, não é apenas a ausência de trabalho, mas um aspecto fundamental da vida que estimula a criatividade, o bem-estar e o crescimento pessoal. O tempo de lazer proporciona espaço para autorreflexão, exploração intelectual e descanso emocional. Numa cultura que muitas vezes glorifica a ocupação, Laferrière defende a procura consciente de não fazer nada como forma de equilibrar as nossas vidas, essencial para manter a saúde física e mental.

A contemplação é apresentada como uma prática alegre e enriquecedora. Laferrière descreve como uma atividade que nos permite envolver profundamente com nossos pensamentos, emoções e o ambiente. Por meio da contemplação, podemos apreciar a beleza dos momentos do dia a dia e encontrar inspiração no cotidiano. A contemplação é um antídoto para a superficialidade e a distração da vida moderna. Ao dedicar tempo simplesmente para sentar e pensar, podemos alcançar maior clareza, sabedoria e paz interior.

Laferrière nos presenteia com uma celebração dos aspectos mais lentos e reflexivos da vida, nos incentiva a recuperar a arte de não fazer nada como forma de melhorar a nós mesmos. Ele nos ensina que o lazer é essencial para uma vida plena, especialmente numa cultura que valoriza o trabalho e a produtividade, que em seu excesso nos conduzem a um estresse desnecessário em detrimento do bem-estar. Num cenário como esse, uma redução na jornada de trabalho tende a nos trazer mais alegria e contentamento.

Como contribuição para a arte de não fazer nada aqui vão 3 tipos de siesta que podem ser feitas de acordo com a necessidade: 

1. A siesta física

A siesta física é a forma de descanso mais simples e tradicional. Envolve tirar uma soneca para rejuvenescer o corpo. Este tipo de siesta é essencial para recuperar energias e garantir o bem-estar físico. Laferrière enfatiza a importância de ouvir o corpo e permitir que ele descanse quando necessário. Esta siesta consiste em fazer uma pausa nas exigências físicas da vida diária e deixar o corpo recarregar. 20 minutos de olhos fechados após o almoço são perfeitos.

2. A siesta intelectual

A siesta intelectual é uma pausa para a mente. Envolve afastar-se das tarefas intelectuais e permitir que a mente vagueie livremente. Esse tipo de siesta visa dar ao cérebro um descanso do pensamento constante, da resolução de problemas e do processamento de informações. Durante uma siesta intelectual, pode-se envolver-se em atividades leves e não exigentes, como sonhar acordado, observar as pessoas ou simplesmente sentar-se calmamente e observar os arredores. Essa ruptura mental pode levar a novos insights e pensamentos criativos.

3. A siesta emocional

A siesta emocional concentra-se no coração e nas emoções. Envolve reservar um tempo para se desligar das tensões e tensões emocionais da vida. Esta siesta consiste em encontrar paz e equilíbrio emocional, permitindo-se sentir e processar emoções sem a pressão de respostas ou ações imediatas. O descanso emocional pode ajudar na compreensão mais profunda de si mesmo e de seus sentimentos. As atividades que podem acompanhar uma sesta emocional incluem ouvir música, curtir a natureza ou praticar um hobby relaxante.

Laferrière nos convida a abraçar a ociosidade com o mesmo entusiasmo que reservamos para o trabalho. Afinal, é nos momentos de pausa e contemplação que muitas vezes encontramos as respostas para nossas questões mais profundas. Então, que tal adotar a prática de não fazer nada como um gesto revolucionário contra a tirania da produtividade? Porque, no final das contas, a felicidade pode estar escondida justamente naqueles momentos de quietude e serenidade que tanto nos esforçamos para evitar. Viva a siesta! 



Dany Laferrièrre - L'Art presque perdu de ne rien faire - Grasset, 2014

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