Novembro 2024
Ao longo dos últimos 12 anos, a cada 2 ou 3 meses, costumo me reunir com um grupo de Pensamento Sistêmico. Nosso mestre, facilitador das conversas, é Saul Fuks. O que relato a seguir foi um dos presentes que Coco (para os íntimos) nos deu.
Vivemos tempos complexos, onde a busca por sentido se entrelaça com as rápidas mudanças globais e os desafios individuais. É impossível não sentir o peso das questões que emergem tanto no cenário mundial quanto nas nossas vidas cotidianas. Falamos de guerras, hackers, grandes empresários interferindo no mundo político, inteligência artificial, crise climática... uma trama que revela a fragilidade e a potência da condição humana.
A guerra, por exemplo, nos coloca diante de um espelho histórico que parece se repetir. Quando olhamos para o presente, com suas tensões nucleares e confrontos ideológicos, há um eco inquietante do que vivemos no passado. Será que aprendemos algo desde os anos sombrios de 1933 ou 1945? Ou estamos condenados a repetir os mesmos erros, embalados por discursos nacionalistas e pelo poderio bélico? Hoje, o cenário é ainda mais complexo. Atores não governamentais, como hackers e grandes empresários, jogam suas peças no tabuleiro, alterando o curso de conflitos sem sequer estarem à mesa de negociação. As novas dinâmicas do poder global nos fazem questionar até que ponto temos controle sobre nossos próprios destinos.
Essas incertezas se refletem também na forma como lidamos com a linguagem, que, como tudo mais, está em constante transformação. A linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas um instrumento de poder e liberação. Cada palavra carrega em si um peso histórico, uma conotação política que pode oprimir ou libertar. Vivemos tempos em que o cuidado com o que se diz, ou não se diz, parece estar no centro das disputas sociais. Cancelamentos, correções políticas, debates sobre palavras como "preto" ou "gordo" nos lembram que a linguagem, tal como um vírus, se adapta e muda, criando ou destruindo realidades.
E onde ficamos nós no meio dessa tempestade de informações, conflitos e mudanças? A busca por conexão torna-se uma necessidade urgente. Conectar-se consigo mesmo, com os outros e com o mundo ao redor é, talvez, um dos grandes desafios do nosso tempo. Mas como fazer isso quando o ritmo da vida é tão frenético, quando o barulho externo e interno nos impede de escutar a nossa própria voz? As práticas de introspecção, como meditação, diários e atividades físicas, nos oferecem uma via de reconexão, uma maneira de descer ao tempo mais lento, de habitar o presente. Mas cada um de nós encontra seu caminho de forma diferente, seja pelo corpo, pela razão ou pelas emoções.
A liberdade de expressão, em sua forma mais idealizada, parece uma dádiva do mundo moderno. No entanto, ela também carrega em si o peso da responsabilidade. Até onde devemos permitir que opiniões extremas sejam disseminadas? Em tempos em que a internet, que deveria ser um espaço democrático, é controlada por grandes corporações, nos perguntamos quem tem o direito de regular o que pode ou não ser dito? A ecologia informativa sugere que, tal como um ecossistema, a informação também precisa de equilíbrio. Mas quem controla esse equilíbrio? Quem decide o que deve ser silenciado ou amplificado?
Em meio a essas questões, a tecnologia avança a passos largos, e junto com ela, nossos medos e esperanças. A inteligência artificial, que inicialmente parecia apenas uma ferramenta para simplificar nossas vidas, agora desperta uma inquietação mais profunda. O que acontece quando as máquinas aprendem por si mesmas? O que será de nós quando os algoritmos não apenas nos compreendem, mas também nos superam em certas capacidades? Harari nos alertou sobre o poder da IA de hackear o humano, tocando em nossa vulnerabilidade mais íntima: a linguagem. Se o que nos define como seres humanos é nossa capacidade de refletir, de construir e narrar nossas histórias, o que acontecerá quando as máquinas dominarem essa capacidade? Seremos capazes de manter nossa autonomia, nossa essência, em um mundo cada vez mais dominado pela racionalidade algorítmica?
Diante de todas essas inquietações, a multiplicidade do ser humano se revela como uma possível resposta. Não somos seres fixos, estáticos, como tanto se pregou na modernidade. Somos múltiplos, complexos, capazes de transitar entre diferentes facetas de nós mesmos. Os heterônimos que vivem dentro de nós são um lembrete de que não precisamos ser uma coisa só. Podemos habitar várias identidades, responder a diferentes convites, e ainda assim sermos autênticos. Essa aceitação da nossa multiplicidade nos oferece a liberdade de nos reinventarmos, de escolhermos qual versão de nós mesmos queremos que prevaleça em cada momento.
Porém, talvez o tema mais profundo de todos seja a morte. A reflexão sobre o fim da vida ganha uma nova urgência. A morte, que tanto evitamos discutir, se torna uma companheira invisível que nos lembra da fragilidade de tudo o que construímos. Mas ela também nos convida a viver de maneira mais plena, a encontrar beleza nas coisas simples, a buscar um sentido para o tempo que ainda temos. O confronto com a mortalidade nos leva a questionar o que deixaremos para trás — não como um legado grandioso, mas como uma marca de nossa passagem pelo mundo. Afinal, como podemos viver sem perder de vista que um dia deixaremos de existir?
Nesse entrelaçamento de temas como guerra, linguagem, tecnologia, identidade e morte, o que emerge é a tentativa de entender como podemos viver de forma significativa em um mundo tão caótico. Talvez a resposta não esteja nas grandes mudanças globais, mas nas pequenas escolhas cotidianas. Nas conversas que temos, nas conexões que criamos, nas maneiras como navegamos as incertezas sem perder de vista o que nos torna humanos: nossa capacidade de refletir, de imaginar e de cuidar uns dos outros. Assim, o mundo pode continuar a mudar, às vezes de maneiras que não podemos controlar, mas ainda podemos interferir escolhendo como responder a essas mudanças — com gentileza, com criatividade, e, acima de tudo, com a consciência de que somos tanto anjos quanto demônios, e que a vida, no fundo, é um jogo em constante transformação.
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