Por Dado Salem
Maio 2025
Nos trabalhos colaborativos, a verdadeira magia acontece quando os participantes deixam de ser apenas executores de tarefas e se tornam protagonistas do processo. É o ponto em que cada um encontra seu espaço de contribuição, movido por uma autonomia que não depende de uma figura central de liderança, mas de uma liderança flexível, distribuída e adaptável. Essa transformação está diretamente relacionada ao pensamento de Gregory Bateson, Edgar Morin, Humberto Maturana e Francisco Varela, que ofereceram bases teóricas essenciais para entender a dinâmica da auto-organização e da inteligência coletiva.
Gregory Bateson, em sua teoria dos sistemas, destacou que a inteligência não está apenas nos indivíduos, mas nas relações e padrões que emergem das interações entre eles. Nos grupos colaborativos, é essa teia de relações que gera o conhecimento e a inovação. As ideias se cruzam, as perspectivas se enriquecem, e a liderança se dissolve numa rede de influência mútua, onde todos são tanto aprendizes quanto mestres. Para Bateson, a lógica da colaboração é mais parecida com uma dança do que com uma máquina, ela flui, adapta-se e se transforma.
Essa idéia da interdependência foi aprofundada por Edgar Morin na sua teoria do pensamento complexo. Para Morin, a compreensão da realidade exige uma visão que conecte as partes e o todo, reconhecendo que ordem e desordem são inseparáveis. Em contextos colaborativos, isso significa que a criatividade e a inovação surgem da tensão entre diferentes perspectivas e competências. O processo colaborativo é um sistema complexo, onde o caos não é uma ameaça, mas uma fonte de potencial criativo. Quando permitimos que as ideias fluam livremente, que os papéis sejam flexíveis e que a liderança emerja de maneira orgânica, estamos aplicando o pensamento complexo na prática.
Humberto Maturana e Francisco Varela, com seu conceito de autopoiese, observam que os sistemas vivos (e os grupos colaborativos são sistemas vivos) possuem a capacidade de se auto-organizar. No contexto de uma equipe, isso significa que o grupo não precisa ser rigidamente controlado para funcionar. Ao contrário, ele se ajusta e se reconfigura continuamente, com cada membro assumindo papéis e responsabilidades conforme suas competências e o contexto. O conhecimento é gerado na interação entre os membros, e não apenas nas instruções de um líder. É um modelo de liderança distribuída, onde o foco está na relação e na comunicação contínua.
Essa visão contrasta fortemente com o modelo hierárquico tradicional, onde o poder é concentrado em poucos e o restante é destinado a obedecer. Em tal modelo, cria-se uma relação assimétrica, onde a energia do grupo é frequentemente desviada para disputas de poder e controle. A criatividade, que deveria ser o motor da colaboração, é sufocada pela necessidade de manter o status quo. O que poderia ser um campo fértil de ideias se transforma em uma arena de competição e subordinação.
No entanto, quando adotamos uma abordagem inspirada em Bateson, Morin, Maturana e Varela, a dinâmica muda radicalmente. O grupo se torna um organismo vivo, onde a liderança é uma função fluida que emerge das necessidades do momento. Os participantes não são apenas executores de tarefas, mas coautores do processo, capazes de transformar o conhecimento e criar novas soluções. A confiança, a transparência e a abertura tornam-se os pilares dessa dinâmica, permitindo que o grupo se adapte e evolua continuamente.
O trabalho colaborativo atinge seu ápice quando o grupo deixa de depender de uma liderança rígida e se transforma em um sistema autônomo e auto-organizado. Como uma floresta que se renova a partir da interação entre suas árvores, cada membro da equipe contribui para a vitalidade do todo, e o conhecimento não é imposto de cima para baixo, mas emerge da interação e da troca constante entre os participantes. É aqui que a verdadeira potência do trabalho coletivo se revela, não na obediência cega, mas na liberdade criativa que surge do encontro entre mentes que pensam, aprendem e criam juntas.
Bibliografia
BATESON, Gregory. Steps to an Ecology of Mind: Collected Essays in Anthropology, Psychiatry, Evolution, and Epistemology. Uma coletânea clássica dos ensaios de Bateson, explorando a interconexão entre sistemas e como a mente humana se relaciona com o ambiente.
BATESON, Gregory. Mind and Nature: A Necessary Unity. Neste livro, Bateson aprofunda sua visão da mente como parte de um sistema maior, explorando o conceito de "padrões que conectam".
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Uma obra fundamental para entender o conceito de complexidade e como ele se aplica ao pensamento e à organização.
MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A Árvore do Conhecimento: As Bases Biológicas da Compreensão Humana. Palas Athena, 2001.
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