Bayo Akomolafe

por Dado Salem
Fevereiro 2025

Por indicação de minha professora e amiga Celiane Camargo-Borges, tive o prazer de ver e ouvir pessoalmente o filósofo, psicólogo, poeta e escritor, Bayo Akomolafe. Aqui vão algumas impressões dessa palestra.




Bayo não tem pressa. Para ele, a velocidade com que buscamos soluções é parte do problema. O mundo que conhecemos, estruturado na lógica da modernidade, da justiça institucional, da psicologia clínica e da corrida pelo bem-estar, se sustenta na pressa de corrigir, de avançar, de se ajustar ao que já está posto. Para ele, a resposta não está na aceleração, e sim no desvio para outros caminhos.

Bayo nasceu na Nigéria, numa família cristã de tradição iorubá. Desde cedo, foi exposto a uma educação ocidentalizada que o distanciava dos saberes ancestrais de sua cultura. Formou-se em psicologia, fez um doutorado e atuou como professor universitário antes de perceber que os modelos acadêmicos tradicionais não ofereciam respostas satisfatórias para as questões mais profundas da vida.

Sua jornada tomou um novo rumo ao entrar em contato com o Candomblé no Brasil. Ali, testemunhou a permanência e a reinvenção das espiritualidades africanas, reconhecendo nelas um caminho alternativo ao pensamento científico. Sua transformação foi gradual, o levou a abandonar uma visão racionalista e adotar a fluidez das cosmologias africanas, onde a cura, a identidade e a justiça, são fenômenos relacionais e não individuais.

Diante de uma civilização que produz diagnósticos e oferece remédios em cápsulas para males que talvez nem sejam individuais, Bayo sugere desviar o olhar para os espaços entre as coisas. A ruptura não acontece quando se corrige o erro dentro do sistema, mas quando se aprende a habitar as brechas, as encruzilhadas, as rachaduras, os lugares onde a linguagem ainda não deu conta de nomear.

O que significa curar? O que significa justiça? O que significa saber? Perguntas que nos parecem óbvias começam a se dissolver quando vistas sob outra ótica. A psicologia, por exemplo, nos ensina que saúde mental é uma adaptação bem-sucedida às exigências do mundo. Mas e se o próprio mundo for a doença?


O policiamento da alma

Bayo se considera um psicólogo clínico em recuperação. Em seu doutorado ele explorou a maneira como as tradições Iorubá lidam com problemas mentais e percebeu que a saúde não é algo individual mas coletiva, sistêmica. Ele argumenta que a psicanálise e a psicologia funcionam como uma espécie de polícia do capitalismo. Elas regulam nossos afetos, garantem que continuemos funcionando dentro das regras, ensinam a ficar am paz com o desconforto em vez de subverter suas causas. O que nos vendem como "saúde" pode ser apenas um conjunto de estratégias para continuar operando na lógica do mercado, anestesiados o suficiente para não pararmos, inquietos o suficiente para consumir. Algo no espaço clínico impede a cura. O que é preciso curar é o padrão, não as pessoas.

Mas há outras formas de existir. No universo Iorubá, do qual Bayo se aproximou, a saúde não é um estado a ser conquistado individualmente, mas um fluxo que depende das relações. “Se uma formiga invade o terreno do vizinho, cedo ou tarde chegará ao seu”. O sofrimento não pertence a uma pessoa, mas a um tecido coletivo, a um campo maior de forças.

Exu, o orixá das travessias, aparece como um guia nesse labirinto. Ele não cura da maneira convencional, não alivia a dor como um analgésico. Ele se move na confusão, cria desvios, bagunça certezas. Para Bayo, Exu nos ensina que a solução não está em corrigir o erro, mas em aprender a navegar pelo imprevisível.


A justiça e os ossos esquecidos

A justiça é outro tema que Bayo desarma. Se o que buscamos é reparação, por que o próprio conceito de justiça parece tantas vezes insuficiente? No Brasil, ele encontrou os vestígios de Bakita, uma mulher escravizada cujos ossos foram esquecidos na Gamboa. Diante de seus restos, ele sentiu o impulso de trazê-la para o centro da história, de exigir que o país encare seu passado. Mas Bakita, silenciosa, respondeu poeticamente a ele: "Não quero essa justiça".

Bayo entendeu, então, que a justiça que conhecemos é um jogo de superfície, um cálculo de equivalências que não toca nas camadas mais profundas do trauma histórico. O que fazer com ossos que já foram apagados? Como lidar com uma dor que não pode ser reparada? A resposta não está em tribunais, em sentenças, em punições, mas num outro tipo de escuta, que não tente consertar, mas sentir, lembrar, transformar.


A fujitividade

Bayo não quer sentar à mesa do poder. Ele recusa a ideia de lutar por um espaço em estruturas que já nascem envenenadas. Ele fala de fujitividade não como desistência, mas como invenção de outros mundos. Fugir, não é fugir da luta, mas escapar da armadilha de tentar reformar um sistema que depende da nossa submissão para continuar existindo.

Os quilombos foram fujitivos da escravização transatlântica. As religiões afro-brasileiras foram fujitivas. A diáspora negra foi fujitiva não apenas porque fugiu da escravidão, mas porque criou novas formas de ser, pensar e celebrar a vida. A resposta, para Bayo, não está em melhorar o que já está posto, mas em abrir caminho para aquilo que ainda não sabemos nomear.


O pós-ativismo

Bayo também desafia a ideia convencional de ativismo, propondo o conceito de pós-ativismo. Se o ativismo tradicional busca o confronto para mudar as estruturas existentes, denunciando injustiças e exigindo reparação, o pós-ativismo parte de outra premissa. E se os próprios termos da luta estiverem viciados? E se insistir em combater o sistema dentro da sua própria lógica for uma forma de perpetuá-lo? Em vez de apenas resistir, o pós-ativismo propõe um deslocamento, não mais tentar vencer o jogo, mas encontrar um jeito de sair dele. Não se trata de abandonar a luta, mas de questionar seus contornos, de perceber que a urgência da ação pode ser também uma armadilha. Às vezes, a resposta não está em falar mais alto, mas em escutar melhor.


O Saber

"Como o corpo de uma mulher sabe criar um bebê?" A modernidade se baseia na ilusão de que sabemos o suficiente para controlar o mundo. Mas há saberes que não cabem em livros, que não podem ser medidos em dados ou fórmulas. Bayo provoca com proposições do tipo, “e se sua tristeza for, na verdade, o lamento de uma baleia que perdeu seu filhote no oceano?"

A mente, ele sugere, não é um órgão isolado dentro do crânio, mas um campo de conexões que inclui a terra, os animais, os espíritos, os sonhos. O excesso de conhecimento racional nos separou do que realmente importa. A cura pode não estar em mais informação, mas em aprender a ouvir de outras formas, nas histórias orais, nos mitos, nos gestos, nos ritmos.

Talvez o que chamamos de confusão não seja um erro, mas um mapa. Talvez não seja preciso encontrar a resposta, mas aprender a caminhar sem ela.

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