Psicopolítica de uma guerra comercial

Por Dado Salem
Abril 2025




Donald Trump lançou uma agressiva guerra comercial contra o mundo e especialmente contra a China. Muitos observadores a interpretaram como uma manobra estratégica, uma tática econômica voltada para reequilibrar déficits comerciais e restaurar a indústria doméstica. Mas sob a superfície política e econômica há outra camada sensível, as forças psicológicas que impulsionam o comportamento do homem no centro disso tudo.

Para entender o desfecho provável de uma crise como essa, é preciso reconhecer que não se trata apenas de um confronto geopolítico, mas também de um drama psicológico, profundamente ancorado na personalidade de Trump. Do ponto de vista psicológico, diversos padrões recorrentes se tornam evidentes.

Trump exibe traços comumente associados a estruturas de personalidade narcisistas: grandiosidade, necessidade constante de validação, hipersensibilidade a críticas e um impulso incessante por dominação. A guerra comercial, sob essa ótica, torna-se mais do que uma política econômica. É um duelo simbólico de força, onde vencer é essencial não apenas para o sucesso político, mas para a validação pessoal.

Ceder, mesmo sendo uma saída racional e sensata, seria interpretado como um sinal de fraqueza. E a fraqueza, para alguém cuja autoimagem se organiza em torno do narcisismo, é inaceitável. Como resultado, a crise tende à escalada, em que a crescente pressão não leva à negociação, mas a gestos cada vez mais dramáticos, destinados a afirmar domínio e preservar a ilusão de controle.

Trump tende a dividir o mundo em categorias rígidas: vencedores e perdedores, leais e traidores. Esse pensamento binário evita a complexidade e a nuance. A China, dentro desse esquema, não é uma parceira comercial num sistema global complexo, é a antagonista. 

À medida que a pressão aumenta, esse tipo de pensamento se intensifica. Não apenas adversários externos são culpados, mas também instituições domésticas, conselheiros, corporações e aliados políticos podem ser retratados como traidores se não apoiarem a narrativa escolhida. Trata-se de uma forma de projeção, um mecanismo de defesa no qual sentimentos indesejados de vulnerabilidade ou fracasso são externalizados e atribuídos a outros.

Esses padrões sugerem que a guerra comercial provavelmente se tornará mais volátil antes de começar a se acalmar. Quanto mais resistência Trump enfrentar, seja por parte das realidades econômicas, das instituições políticas ou da reação internacional, mais ele tenderá a redobrar sua aposta, buscando preservar uma imagem de força a qualquer custo.

Compromissos racionais podem ser rejeitados se não satisfizerem a necessidade de uma vitória simbólica. Conselheiros que advogam por moderação correm o risco de serem marginalizados. Os fatos importam menos que as aparências, e as consequências se tornam secundárias diante da manutenção das mitologias pessoais e políticas.

Contudo, mesmo uma estratégia narcisista tem seus limites. Quando o custo da escalada se torna alto demais, ou quando a ilusão de controle é ameaçada pela instabilidade crescente, a crise pode se desviar para uma resolução simbólica. Trump pode apresentar um acordo superficial como uma conquista histórica, independentemente de seu conteúdo real. O objetivo não será a reconciliação, mas a encenação da vitória, um teatro de resolução que restaura a autoimagem dominante sem ceder terreno de fato.

Isso não é incomum em narrativas narcisistas: quando a realidade se torna excessivamente disruptiva, o teatro substitui a verdade. Declarações grandiosas, cerimônias públicas e uma linguagem triunfalista podem mascarar o recuo, reformuladas como um golpe de mestre em vez de uma concessão.

O maior risco está na natureza insustentável dessa performance. A necessidade de controlar, dominar e rejeitar a vulnerabilidade não pode ser mantida indefinidamente, especialmente diante de uma possível ruptura econômica, isolamento político ou desilusão pública. Se a narrativa colapsar, seja por esgotamento interno ou por pressão externa, a crise pode terminar não em vitória, mas em ruína. Esse é o padrão trágico visto em muitos mitos. O herói ultrapassa limites impulsionado pela megalomania e encontra sua queda não imposta por outros, mas pela sua própria sombra. 

Talvez a guerra comercial seja lembrada menos por seus desdobramentos econômicos e mais por aquilo que revelou sobre a psicologia da liderança numa era de espetáculo. Ela expôs um sistema onde o ego frequentemente se sobrepõem à estratégia, onde o mundo psíquico de um líder pode se confundir com o destino de nações inteiras.


10 comentários:

  1. Parabens pelo texto muito bem pensado e escrito!👏🏻👏🏻👏🏻

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  2. Oi Dado Adorei o seu texto. Imaginamos que haja estrategia geopolitica ou economica que na realidade nao existe. A tua analise disseca o DNA da personalidade narcisista dele e a partir dela da p entender o processo e passamos a ter uma visão mais pessimista ainda dos possiveis desdobramentos futuros. Oremos!!!! Muito bom!!!! Parabens. Bjo T Marcos

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    1. Que saudades! Obrigado pelo comentário. Vamos ver os desdobramentos… de tédio não morreremos.

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  3. Oi Dado - seu texto é perfeito - a personalidade narcisista é perigosa - a imagem tem que ser poderosa a qq custo - parabens ! 👏 beijo. Dorita

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    1. Oi Dorita, esse traço narcisista alimenta o componente trágico dessa história

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    2. Parabéns Dado. Sua análise é excelente, perfeita. O que realmente me « espanta », é a inação do povo americano. Estão totalmente fora da realidade!

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    3. É espantoso mesmo, parecem atônitos e acreditando haver uma grande estratégia em andamento.

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  4. Excelente texto, Dado. Parabéns.

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