Psicologia Econômica e os Family Offices

por Dado Salem
Setembro 2018

Como lidar com a irracionalidade e aflições de clientes com ampla liquidez? O imaginário coletivo considera que o dinheiro é a solução dos nossos problemas. A experiência mostra que não é bem assim.

“Fui dono do meu próprio negócio por tanto tempo que, quando o vendi, foi desconcertante perceber que agora eu tinha que descobrir quem eu era. Nos meses seguintes à venda, comecei a refletir sobre o que eu queria fazer do meu futuro”. Depoimento de um ex-empresário.

Empresarios geralmente constroem a vida em torno de seus negócios, e por esse motivo costumam ficar desorientados quando vendem suas empresas. Um pedaço deles vai embora, justamente aquele que consumia boa parte de sua energia psíquica. Investimento, esforço, alegrias, aflições, vitórias e derrotas, histórias, pessoas… uma empresa é um aglomerado de emoções e a identidade do empreendedor está profundamente relacionada a ela.

Na antiguidade os guerreiros deixavam suas marcas na história. Aquiles, Odisseu, Heitor, Eneas, Alexandre, Cesar… Na Idade Média foram os cavaleiros, como Arthur, Lancelot, Ricardo Coração de Leão e tantos outros exerceram um grande fascínio no imaginário das pessoas. No renascimento, a publicação de Dom Quixote, narrando as aventuras de um cavaleiro lunático que vivia fora da realidade, praticamente encerra essa tradição. Nessa mesma época Camões escreveu Os Lusíadas, cujo personagem central é Vasco da Gama, um herói que desbrava uma rota comercial e põe seu país na liderança da economia mundial. Desde então, o modelo de homem de sucesso se transformou e acabou se estabelecendo como o empreendedor. Ford, Rockefeller, Steve Jobs, Bill Gates, Jorge Paulo Lemann, Elon Musk, Abílio Diniz para citar alguns, são exemplos disso.

Empreendedores se tornam famosos e admirados por suas realizações. Representam símbolos de autoridade e suas empresas são uma espécie de reino privado onde ditam as regras. Conduzidos pela ambição, pelos imperativos de lucro e de produtividade, para eles o improdutivo é considerado inútil, e por isso desprezado.

Quando um empresário vende sua empresa, inicialmente pensa em viajar e aproveitar a vida. Mas logo depois vem o vazio e para ele estar sem desafios, é a representação do tédio, da falta de sentido da vida. Quem é ele agora? Como vai ocupar seu tempo? Onde estão aquelas pessoas que viviam ao seu redor e os telefonemas que recebia? Onde está o seu poder? Ele se defronta com a situação aterrorizante de não ter o que fazer. Quase sempre essa sensação de improdutividade acaba em depressão.

A insegurança vem a reboque. Aquele que se considerava poderoso e gerador de riquezas, agora passa a depender financeiramente da rentabilidade de seus recursos que está nas mãos de um gestor. Nessa nova situação fragilizada e com a identidade abalada, em algum momento ele começa a receber ofertas de negócios. Muitas vezes aceita esses desafios como forma de preencher o vazio, acreditando que terá o mesmo desempenho de sempre. Mas como esses projetos costumam operar em áreas que ele não domina, seus novos negócios com frequência não performam bem. Além disso, oscilações no mercado e no valor de sua carteira de investimentos o deixam apreensivo e ele se sente ameaçado, pois aquele dinheiro acumulado que era “infinito”, passa a não ser tanto. Esse drama ocupa a mente de pessoas e famílias que vendem suas empresas.

Family Offices desenvolvem métodos vencedores de gestão de recursos. Independente da oscilação dos mercados e procurando deixar as emoções de lado, seus modelos vêm sendo comprovados e apresentam resultados positivos no longo prazo. A maioria dos seus clientes estão no meio da vida com uma quantia significativa de recursos, as vezes mais até do que podiam imaginar. No entanto, apesar da confiança nos gestores e da racionalidade que estrutura essa abordagem, alguns se sentem inseguros, mesmo diante de uma situação de ampla liquidez. Qual a explicação para isso? Outros herdaram montantes significatvos, mas ao invés de tranquilidade o dinheiro trouxe estresse e situações complexas. Como lidar com essas questões?

Estudos da Antropologia das Finanças demonstram que emoções, relações e crenças criam profundas diferenciações e categorias de dinheiro. O dinheiro tem diferentes conotações dependendo de como é ganho, guardado ou gasto. Por exemplo: um dolar recebido como juros é diferente de um dolar recebido de aluguel, dividendos ou salário. Um dolar guardado para o estudo dos filhos é diferente do dolar da conta corrente para pagar despezas do dia-a-dia. O primeiro faz parte da relação entre pai e filho e gastá-lo é ferir essa relação. Famílias marcam seus dinheiros e são marcadas por eles também. O dinheiro ganho pelos maridos por exemplo, é diferente do ganho pelas esposas. Há sobre eles diferentes expectativas, obrigações e restrições sobre como podem ser gastos.

A mesma coisa acontece com as reservas sob gestão dos Family Offices. Que dinheiro é esse que está lá? Quais finalidades e marcas a família atribui sobre ele? Quem toma as decisões sobre como pode ser gasto? A forma como está alocado atende aos valores e anseios da família? Qual o significado do dinheiro para esses clientes? Como ele se vincula à auto estima, estilo de vida, relacionamentos, futuro da família e de que maneira é feito esse controle?

A Psicologia Econômica pode ser útil na educação sobre as emoções atreladas às finanças, na identificação de perfis financeiros, na facilitação de diálogos entre familiares, no entendimento de como o dinheiro funciona para cada família e com essa informação, auxiliar os gestores a lidarem com as aflições, tensões e outras questões presentes na relação com seus clientes. E ainda, com relação à atividade profissional desses clientes, com objetivo de diminuir a dependência psicológica e financeira de seus recursos.

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