A sabedoria dos antigos

por Dado Salem
Jan 2021

                                                                       Nemesis: a Justiça primitiva


Os mitos, vistos hoje como sinônimo de mentira ou histórias para divertir as crianças, contem um profundo conhecimento e grande sabedoria formados por milhares de anos de experiência e observação do funcionamento da vida.

Francis Bacon, a quem se atribui a criação do método científico – o selo de autenticidade que comprova o que consideramos “verdade” no mundo contemporâneo, reconheceu a utilidade desse conhecimento arcaico: “não posso deixar de atribuir um alto valor para a mitologia antiga […] e todo homem, de qualquer erudição, deve prontamente permitir que este método de instrução seja grave, sóbrio ou extremamente útil, e às vezes necessário nas ciências, pois abre uma passagem fácil e familiar para o entendimento humano”.

Na mitologia antiga, a divindade que considero mais importante de ser conhecida e observada é Nemesis, a Justiça primitiva. Venerada por todos mas especialmente temida pelos ricos, poderosos e afortunados, essa deusa era, segundo algumas versões, filha do titã Oceano e da deusa Nix (a noite). Por esse motivo Nemesis agia sem ser percebida, de maneira inconsciente e tinha ao seu lado a inconstância, as mudanças, a imprevisibilidade e as adversidades da vida, que utilizava para castigar aqueles que ultrapassavam o métron, os limites pessoais, e cometiam um descomedimento errando pelo excesso.

Considerada implacável e impiedosa, Nemesis foi amplamente utilizada nas tragédias gregas como a divindade que daria ao protagonista descuidado aquilo que lhe era devido. No mito de Narciso por exemplo, um jovem bonito mas arrogante que desprezava os outros, Nemesis o levou ao lago onde se apaixonou por sua própria imagem e lá morreu. Na Guerra de Troia, Aquiles o principal gerreiro grego, foi punido pelo mesmo princípio por mutilar o corpo de seu arqui inimigo Heitor.

Sabendo que todo exagero, arrogância e ostentação tendiam a ser castigados numa relação de causa e efeito, os filósofos antigos atribuiam um alto valor à simplicidade, à modéstia e à humildade. Para eles, a falta de orgulho e de auto-importância, ao contrário, costumavam atrair coisas boas e a simpatia das pessoas. Esse é o sentido da frase bíblica “bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. A mesma idéia é confirmada no oriente pelo Taoismo na China “o Tao do céu é diminuir o pleno e acrescentar ao que é humilde”.

Essa lei universal primitiva, que indica o ápice como o início do declínio e o ponto mais baixo como o começo da elevação, atua na natureza, nas civilizações, nos mercados e na vida humana. Basta observar.

A sabedoria antiga dizia que a felicidade plena era privilégio dos deuses e vedada aos seres humanos a não ser em breves ocasiões. Temos a ilusão de que posições elevadas social e economicamente levam o ser humano para perto do paraíso.

Muitas vezes a verdade está oculta, no fundo das aparências. Como diz o ditado francês, “Il n'y a pas de grand homme pour son valet de chambre”. Isto quer dizer: todos, inclusive os mais ricos e poderosos tem seus defeitos e problemas. O valete, aquele que conhece a pessoa na intimidade, sabe bem disso. A felicidade não depende da posição que se ocupa. Ela geralmente costuma ser mais facilmente atingida se adotamos uma postura humilde e gentil perante a vida e às pessoas que nos cercam.

 




Bibliografia:

Backe-Hansen, Wendy Kimelyn - Nemesis: A Concept of Retribution in Ancient Greek Thought and Cult

Francis Bacon – The Wisdon of the Ancients

Homero – Ilíada

Junito Brandão – Dicionário Mítico-Etimológico

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário