A cosmovisão de Michael Harner - um mapa da realidade espiritual

Por Dado Salem
Março 2025

O antropólogo norteamericano Michael Harner, mudou a compreensão ocidental sobre o xamanismo. Harner estudou profundamente culturas indígenas em vários continentes, revelando um mapa da realidade espiritual. Ele abriu novas portas para a percepção humana com estados alterados de consciência sem o uso de alucinógenos. Um legado indispensável para quem busca sabedoria, espiritualidade e harmonia com a natureza.




Michael Harner, antropólogo norte-americano doutor pela Universidade de Berkeley, pioneiro no estudo do xamanismo, considera que sua formação real foi com os povos indígenas, porque foram eles seus verdadeiros professores. Harner começou na arqueologia, e acabou entrando em contato com povos indígenas pedindo ajuda para entender o que estava desenterrando nos desertos do Arizona e da Califórnia. Assim adquiriu um respeito por eles como fontes de conhecimento.

Em 1956 Harner conseguiu uma bolsa de estudos para viajar para a América do Sul para fazer um estudo etnográfico nas selvas do leste do Equador. Naquela época ele não sabia nada sobre xamanismo e com sua visão acadêmica moderna, pensava que xamãs eram pessoas malucas. Mas à medida que foi fazendo perguntas, aos poucos foi entendendo que eram capazes de mudar sua consciência à vontade para curar pessoas e para ver coisas que outras pessoas não enxergavam.

Depois, Harner foi convidado para uma expedição nas as selvas do Perú, onde encontrou um grupo isolado, num local remoto e lá ficou quase um ano. Num dado momento, viu 5 homens fazendo algo que não entendeu e perguntou se podiam explicar. Eles disseram que não, que se ele quisesse saber teria que experimentar por si mesmo, e ofereceram Ayahuasca. Harner aceitou... depois de uns 10 minutos ele começou a ver imagens no teto da choupana onde estavam. Teve visões profundas e compreendeu a sabedoria dos xamãs. Quando saiu da experiência, os indígenas disseram que nunca tinham conhecido alguém que em sua primeira experiência tivesse tanto conhecimento. E o xamã falou que ele poderia ser um mestre neste trabalho. Foi uma mudança de vida e desde então Harner passou a trabalhar com os xamãs. Sua experiência revelou que os xamãs não eram loucos, mas sim mestres do controle da consciência.

O Mercador de Veneza: o tema da escolha do cofrinho

Por Dado Salem
Março 2025


Advertência: Esta interpretação de O Mercador de Veneza independe de qualquer conotação religiosa associada a Shylock e deve ser analisada sob um viés simbólico. Shakespeare, como homem de seu tempo, reproduziu preconceitos antissemitas, comuns da sociedade inglesa da época, criando uma caricatura que reforça estereótipos negativos. No entanto, para além dessa camada histórica, a peça representa uma reflexão sobre a oposição entre materialismo e transcendência. Shylock, desprovido de qualquer identidade religiosa nessa leitura que faço aqui, representa o arquétipo do homem preso à matéria, ao cálculo racional e à ilusão de que a riqueza é uma métrica de sucesso na vida. Ele não simboliza um grupo específico de pessoas, mas aquele que valoriza o acúmulo de bens acima da sabedoria e da harmonia. Shakespeare, mesmo permeado por seus próprios preconceitos, escreveu uma peça que pode ser lida como um tratado sobre a superação do materialismo.





Alguns anos atrás, lendo as obras de Freud, me deparei com um texto chamado O tema da escolha do cofrinho. Nele, Freud analisa um episódio do Mercador de Veneza de Shakespeare, no qual um rapaz deveria escolher entre três cofres – um de ouro, outro de prata e um terceiro de chumbo – para encontrar o retrato da bela Portia e conquistar o direito de se casar com ela.

Muito antes de conhecer a interpretação de Freud, essa mesma passagem já havia me intrigado. Na ocasião me dediquei a decifrar seu significado simbólico. Quando li a interpretação de Freud, fiquei surpreso com a diversidade de leituras que um texto pode despertar. Compartilho aqui a interpretação que fiz, em sua maior parte, por volta de 2010.


Antônio, um rico mercador de Veneza, está triste mas não sabe o motivo. Seus amigos não têm dúvidas de que essa angústia vem das embarcações, carregadas de mercadorias, que estão em pleno oceano. “Com tanta carga no mar, a maior parte de minhas afeições navegaria com minhas esperanças” afirma um deles. “Antônio está triste de tanto pensar em suas cargas”, acredita outro. Antônio discorda. Seu patrimônio está dividido em vários barcos que navegam por regiões diferentes, e mesmo se todos afundassem ainda teria outros haveres. Como reza a sabedoria da gestão patrimonial, seus ovos não estavam na mesma cesta. Não havia motivo para se preocupar. “Então está amando!”, presumiram. Segundo Antônio, também não era esse o problema (como se amar fosse um problema) e conclui: “o mundo, para mim, é o mundo apenas [...] um palco em que representamos, todos nós, um papel, sendo o meu, triste”.