Junho 2025
Freud afirmava que a civilização nasceu para conter a violência inerente ao ser humano, impondo limites e repressões para que possamos conviver. No entanto, estudos antropológicos revelam sociedades estruturadas na cooperação, reciprocidade e harmonia, levando a um entendimento diferente… de que o propósito da civilização não seria reprimir para que não nos matemos uns aos outros, mas permitir que cada indivíduo floresça em benefício do todo.
Freud, especialmente em O Mal-Estar na Civilização, parte da premissa de que o ser humano possui impulsos destrutivos (como a pulsão de morte) e que a civilização existe para reprimir esses impulsos, criando uma tensão inevitável entre indivíduo e sociedade. A civilização, nesse modelo, é um mal necessário, um instrumento de contenção que nos impede de nos autodestruir, mas que também nos adoece psíquicamente.
Tomas Hobbes também defendia a idéia de que antes da criação do Estado, a humanidade vivia num estado de natureza, onde não havia leis nem justiça, numa guerra de todos contra todos. Assim como Freud, Hobbes acreditava que o ser humano é mau por natureza, guiado pelo medo e pelas paixões, buscando apenas a autopreservação.
A solução para essa questão, segundo Hobbes, foi a criação do Estado por meio de um contrato social, um acordo no qual os indivíduos abrem mão de parte da sua liberdade em troca de segurança. Assim nasce o Estado soberano com poder absoluto para impor leis e garantir a convivência pacífica.
Eu parto de uma concepção diferente. Não vejo o ser humano, em sua essência, como destrutivo ou naturalmente inclinado à violência. Tampouco acredito que a civilização tenha surgido para conter uma suposta barbárie originária. Ao contrário, entendo o ser humano na sua origem como parte de um organismo maior, a coletividade, com a qual buscava viver em harmonia. Cada pessoa desempenhava uma função específica dentro de um todo vivo, integrado à natureza e sustentado por laços de pertencimento, reciprocidade e propósito.
Essa visão é apoiada por diversas tradições indígenas e por estudos clássicos, como o de Malinowski. Em Os Argonautas do Pacífico Sul, o antropólogo mostra que, entre os povos trobriandeses, as práticas sociais como o circuito de trocas Kula, não visam o lucro nem o controle, mas o fortalecimento de laços, o equilíbrio entre grupos e a renovação dos vínculos simbólicos. A cultura, para Malinowski, funciona como um sistema orgânico voltado à satisfação de necessidades humanas em múltiplos níveis: biológicos, emocionais, sociais e espirituais. Seu trabalho revelou que é possível haver civilização sofisticada sem Estado, sem leis escritas e sem estruturas repressoras.