A mesma vida em outro lugar

Por Dado Salem
Dezembro 2025





Há uma ideia socialmente construída, e bastante rasa, de que quem não viaja não aproveita a vida, é provinciano, fechado ao mundo e tem uma mente estreita. Por outro lado, quem viaja teria a cabeça mais aberta, seria mais culto e interessante. O passaporte carimbado virou prova de cosmopolitismo, repertório, consciência ampliada, ou seja, um marcador simbólico de valor pessoal.

Durante milênios, a maioria das pessoas não viajava. Ainda assim, algumas das mentes mais amplas e universais da história humana nasceram dessa imobilidade. Shakespeare quase não saiu do eixo entre Londres e Stratford na Inglaterra. Dante percorreu algumas cidades do que hoje é a Itália e talvez tenha ido à França. Cleópatra foi uma vez a Roma para encontrar Júlio César e o resto da vida circulou basicamente pelo Egito. Dostoiévski também viajou pouco, principalmente para fugir de credores e cuidar da saúde, mas foi no cativeiro na Sibéria que viveu sua experiência mais transformadora. Se viajar fosse condição para abertura de espírito, nada do que fizeram seria possível.