Dezembro 2025
Há uma ideia socialmente construída, e bastante rasa, de que quem não viaja não aproveita a vida, é provinciano, fechado ao mundo e tem uma mente estreita. Por outro lado, quem viaja teria a cabeça mais aberta, seria mais culto e interessante. O passaporte carimbado virou prova de cosmopolitismo, repertório, consciência ampliada, ou seja, um marcador simbólico de valor pessoal.
Durante milênios, a maioria das pessoas não viajava. Ainda assim, algumas das mentes mais amplas e universais da história humana nasceram dessa imobilidade. Shakespeare quase não saiu do eixo entre Londres e Stratford na Inglaterra. Dante percorreu algumas cidades do que hoje é a Itália e talvez tenha ido à França. Cleópatra foi uma vez a Roma para encontrar Júlio César e o resto da vida circulou basicamente pelo Egito. Dostoiévski também viajou pouco, principalmente para fugir de credores e cuidar da saúde, mas foi no cativeiro na Sibéria que viveu sua experiência mais transformadora. Se viajar fosse condição para abertura de espírito, nada do que fizeram seria possível.
Há quem atravesse continentes sem sair de si mesmo. Vejo muita gente viajando em turmas de amigos, casais, famílias, convidados de uma festa ou casamento. O grupo viaja junto, chega junto, se diverte junto, discute os mesmos assuntos, reafirma as mesmas dinâmicas. Circulam pelos restaurantes certos, visitam os museus indicados, frequentam os locais programados. O lugar muda, mas o campo relacional permanece idêntico. A viagem vira um cenário para a confirmação e repetição de si.
Não importa se é um barco, uma casa linda ou um destino exótico. A população local não entra em cena, apenas como fundo. Não há contato real com quem mora ali. O grupo funciona como um casulo, e a experiência termina sendo rasa, mesmo quando é prazerosa.
Isso ajuda a entender por que tanta gente viaja muito e muda tão pouco. A viagem vira apenas uma variação geográfica, é a mesma vida encenada em outro lugar.
Turistas geralmente vão ver coisas que outras pessoas disseram ser relevantes, tiram fotos e compram souvenirs que funcionam mais como provas de que estiveram ali. Voltam praticamente os mesmos que partiram. O turismo, tal como vem sendo praticado pelo mundo afora, raramente transforma quem viaja. Quem se transforma, quase sempre, são os próprios lugares, que perdem a vida cotidiana e a cultura local para se tornarem cenários, parques temáticos, versões “autênticas” de uma Disney ou Las Vegas.
O que faz mais sentido, ao menos para mim, é uma outra forma de viagem, que chamo de o habitar temporário. Ficar algum tempo, meses talvez, alugar uma casa, trabalhar dali, ir ao supermercado, aprender os horários do lugar, seus costumes e rotinas. Aos poucos, naturalmente, apenas compartilhando o ordinário, surgem os vínculos mínimos, uma conversa curta que continua no dia seguinte, um convite para pedalar, um café na casa de alguém, ou algo sem ocasião especial. É nesse ritmo sem pressa que se começa a fazer parte do local que, por sua vez, deixa de ser cenário e ganha vida.
Esse tempo, que não cabe em roteiros predeterminados, permite uma experiência mais verdadeira, capaz de ampliar o olhar pela convivência genuína e, quem sabe, fazer com que voltemos diferentes do que partimos.
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