Por Dado Salem
Janeiro 2025
A transformação dos deuses imanentes para os transcendentes, e posteriormente para o ateísmo, é um processo que reflete mudanças culturais, filosóficas, e históricas no modo como a humanidade se relaciona e interpreta a realidade. Os deuses, antes vivos e presentes, tornaram-se distantes, transcenderam, e por fim desapareceram, deixando o mundo vazio de sentido, que foi preenchido por marcas e coisas. Essa foi a transformação de um mundo mitológico para outro regido, supostamente, pela razão e, mais tarde, pelo dinheiro e pelo consumo. Mas, em meio ao silêncio deixado pelos deuses, surge uma pergunta: e se o futuro não estiver na busca ansiosa do novo, mas no calmo retorno ao ancestral? Talvez, ao resgatarmos o que esquecemos, possamos reencontrar a conexão perdida.
Deuses imanentes, vivos e presentesNas culturas mais antigas, a percepção do sagrado é imanente, ou seja, os deuses e os espíritos são forças vivas e integradas ao cotidiano das pessoas. Elas cultuam os elementos da natureza. As montanhas, os rios, o vento, o fogo, a lua, o sol, os animais, as pedras e as plantas. Todas as formas de existência são consideradas gente, mas de outras espécies. A sociedade humana é vista, dessa forma, como uma entre uma multiplicidade de outras, e por isso vemos nessas culturas um imenso respeito por tudo, especialmente pela Terra, da qual nos consideram filhos e parte de um imenso organismo vivo interdependente. A natureza, as sociedades e o seres humanos são, portanto, aspectos correlativos e empáticos do sistema cósmico.
O antropólogo Marshall Sahlins, em seu livro
The New Science of the Enchanted Universe, relata que essas culturas entendem que toda espécie possui um espírito governante com os quais os humanos devem dialogar e negociar. No caso da caça e pesca, por exemplo, é necessário antes barganhar com esses espíritos, que, mediante autorização, cedem seus indivíduos. Da mesma forma, o sucesso das plantações depende do apoio das figuras divinas correspondentes. A deusa da natureza é chamada ritualmente para contribuir e os jardins florescerem.