O Brasil começou a encarar seus problemas

Por Daniela Frabasile
Época Negócios


William Ury: "Vivemos um momento de crises em todo o mundo. É preciso ter perspectiva para encontrar soluções boas para todos". Para o negociador, o Brasil começou a encarar seus problemas, uma fase difícil, porém necessária para solucionar a crise.



O momento é de crises e conflitos em diversas regiões do mundo. A crise política e econômica no Brasil, a vitória do Brexit no Reino Unido, ataques terroristas na Europa, conflitos raciais nos Estados Unidos e confrontos no Oriente Médio. Negociador e autor dos best-sellers Como Chegar ao Sim e Como Chegar ao Sim com Você Mesmo, William Ury não tem a solução pronta para todas essas questões. No entanto, ele é categórico ao afirmar que o primeiro passo para resolver todas elas é o mesmo. Em todo o mundo, as pessoas precisam se distanciar da situação e avaliar os reais interesses da sociedade. Segundo ele, só assim será possível encontrar soluções criativas e que possam beneficiar a todos.

Nos últimos 35 anos, Ury atuou como conselheiro e mediador de conflitos no Oriente Médio, nos Bálcãs e na antiga União Soviética. Ele dá dicas sobre como alcançar o sucesso em uma negociação e garante que nem sempre é necessário ceder. “Em uma boa negociação, você ajuda o outro lado a solucionar o problema dele, e o outro lado te ajuda a solucionar o seu problema”.

O negociador também foi peça-chave na resolução do conflito entre o empresário Abilio Diniz e o CEO do grupo Casino, Jean-Charles Naouri:  “um exemplo clássico de uma situação em que parece que um dos lados vai perder e outro vai ganhar, e em que um estava tentando intimidar o outro”, descreve Ury. O executivo vem ao Brasil em agosto para ministrar uma Master Class, em São Paulo.

Você costuma dizer que a primeira pergunta que qualquer pessoa precisa se fazer antes de entrar em uma negociação é ‘por que quero o que estou pedindo?’. No entanto, nem sempre é fácil estabelecer qual o seu interesse mais importante. Como responder a essa questão?
Responder o porquê não é fácil e demanda trabalho. Por isso que é tão útil, nos força a esclarecer o que queremos de verdade. No fim, a negociação é simplesmente um mecanismo de reuniões e métodos para conseguirmos o que queremos. Perguntar ‘por que’ é uma forma de descobrir o que está por trás da nossa posição inicial. Decidimos posições muito rapidamente, mas ao nos perguntarmos ‘por que’ fica mais fácil entender o que está por trás dessa posição. Um exemplo é querer determinado salário. Antes de tudo, você precisa se perguntar por que quer esse valor? É uma necessidade em casa? É querer ganhar o mesmo que outros profissionais estão ganhando, uma questão de equidade, de reconhecimento? Se você entende o que está por trás daquela posição inicial, tem uma chance muito maior de satisfazer esse interesse.

E é importante explicar à outra parte o porquê da sua posição?
Em primeiro lugar, você precisa saber qual o motivo por trás da sua posição. Às vezes pode ser útil mostrar ao outro lado o que você realmente quer. Em uma negociação cooperativa, o outro lado pode te ajudar a conseguir o que você quer, enquanto você o ajuda a alcançar o que ele pede. Em uma boa negociação, você ajuda o outro lado a solucionar o problema dele, e o outro lado te ajuda a solucionar o seu problema.  Isso que faz com que se atinja um acordo que funciona para os dois lados.

Para chegar a um acordo, é sempre necessário fazer concessões ou existem casos em que é possível atender aos interesses dos dois lados?
Depende. Mas eu diria que não. Não é sempre necessário fazer concessões. Falar em concessão parece que você teve que ceder, você está abrindo mão de algo. Ao negociar, muitas pessoas insistem em se manter firmes em sua posição. E o resultado é que não chegamos a lugar nenhum. O propósito de uma negociação é tentar satisfazer seus interesses, mas é possível, muitas vezes, conseguir atender aos interesses dos outros também. Em alguns casos, é de seu interesse também ajudar a outra pessoa a conseguir o que ela quer. Pode ser que você esteja negociando com um membro da família, um colega, um cliente, um sócio ou um parceiro comercial. O  melhor é pensar em ‘como satisfazemos os seus interesses ao mesmo tempo em que satisfazemos os meus’. Essa é a oportunidade chave em uma negociação: resolver o problema de forma criativa. É sempre possível fazer isso? Não, mas é mais comum do que as pessoas pensam.

Como se deve começar uma negociação para garantir um acordo bem-sucedido?
Eu acho que a coisa mais importante para fazer, logo no início, é o que eu chamo de ‘ir para a varanda’. A negociação é o centro das atenções. A ‘varanda’ é o local onde você pode colocar as coisas em perspectiva e manter o foco naquilo que é mais importante. Em negociações difíceis, tendemos a reagir com medo – e aí acabamos cedendo – ou com raiva, e então atacamos. Mas nenhuma dessas abordagens te dá vantagens em uma negociação. Então, a primeira coisa a fazer é ‘ir para a varanda’ e tentar entender o quer está causando o problema, qual a barreira para que aquela negociação seja um sucesso. Às vezes, a barreira é emocional, como um problema de relacionamento. Ou o outro acredita que seus interesses não estão sendo levados em conta. Uma vez que você entende a natureza do problema, poderá tomar algumas medidas para superar aquele obstáculo e alcançar o sucesso.

Como você conseguiu chegar a uma solução no caso entre o empresário Abilio Diniz e o CEO do grupo Casino, Jean-Charles Naouri? De fora, a situação parecia praticamente impossível de resolver.
Foi um exemplo clássico do impasse no qual parecia não haver solução, porque um dos lados iria ganhar enquanto o outro perdia. A chave foi ajudar cada um deles a olhar por trás de sua posição inicial e analisar qual era o seu interesse real. O Abilio percebeu que suas posições estavam claras: ele queria vender suas ações a determinado preço, mas o que ele realmente queria era liberdade. Quando ele conseguiu ‘ir para a varanda’ e percebeu isso, ficou muito mais fácil. Quando me reuni pela primeira vez com Jean-Charles Naouri, ele me perguntou por que eu estava lá. Respondi: porque a vida é muito curta para manter batalhas entre gigantes em que todos perdem, não só Abílio e Jean-Charles, mas também os empregados do Pão de Açúcar, suas famílias, e por isso é preciso encontrar outro jeito. Ele me perguntou como fazer isso, e eu defendi que se eles pudessem concordar com dois princípios básicos, conseguiríamos chegar a um acordo.

Quais foram esses princípios?
Um deles era a liberdade, para os dois, para que pudessem ficar livres dessa disputa e para que pudessem retomar os negócios. O segundo era dignidade para ambos. Com base nesses dois princípios, conseguimos trabalhar em uma solução, que deixou os dois muito satisfeitos. Para mim, esse é um exemplo clássico de situação em que parece que um dos lados vai perder e outro vai ganhar, e em que um estava tentando intimidar o outro. Em vez disso, mudamos o jogo. Quatro dias depois da conversa inicial, os dois estavam juntos em São Paulo, assinando o acordo e fazendo um anúncio conjunto aos executivos e funcionários do Pão de Açúcar. Foi inacreditável para muitos, mas no fim a solução foi simples. Foi só ver além da posição deles, daquilo que ambos diziam que queriam, e descobrir o que eles realmente queriam. Foi um grande alívio para os dois, permitiu que cada um seguisse sua vida, e ambos ficaram satisfeitos com o resultado. Não foi uma questão de fazer concessões, mas de encontrar uma solução que fosse satisfatória para os dois lados.

Qual é a melhor posição a tomar quando se começa uma negociação: ter uma abordagem amigável ou se manter distante e tentar intimidar a outra pessoa?
Na grande maioria das situações em que estive envolvido nos últimos anos, pude perceber que uma abordagem cooperativa funciona melhor do que a intimidação. Foram feitos diversos estudos sobre isso que mostraram que pessoas que se colocam em posições mais cooperativas têm resultados melhores, no longo prazo, do que aquelas que se portam de forma mais intimidadora —  ou que aqueles que tentam conseguir o que querem, a despeito dos interesses do outro lado. Tomar uma posição cooperativa não significa que você vai ceder, mas que você é respeitoso ao lidar com as outras pessoas. Ainda assim você pode se manter firme e buscar uma solução que funcione para os dois lados.

Qual a maior dificuldade pela qual os executivos passam em negociações?
Quando comecei a dar aulas de negociação, percebi que a grande parte das pessoas pensa que o maior problema é a pessoa difícil que está do outro lado. Mas, ao longo dos anos, percebi que na verdade a pessoa mais difícil com quem temos que lidar somos nós mesmos. Aquela pessoa para quem olhamos no espelho todas as manhãs. É nossa tendência humana de reagir sem pensar. Esse é o nosso maior adversário, que pode ser também nosso maior aliado, se aprendermos a ‘ir para a varanda’.

Qual foi a negociação mais desafiadora na qual você se envolveu?
Uma das mais desafiadoras foi política. Muitas vezes, negociações políticas são mais difíceis do que as de negócios. Eu estava mediando uma negociação entre os líderes da Rússia e da Chechênia. As conversas foram extremamente difíceis, eles ameaçavam matar uns aos outros, estavam espionando uns aos outros. Não havia confiança. Conseguimos negociar um cessar-fogo, mas ele foi quebrado e os dois lados retomaram a guerra. Foi muito difícil ver uma chance de paz se perder.

No começo do ano, você disse que a situação política no Brasil iria piorar antes de melhorar. Como você vê a situação agora? Chegamos ao fundo do poço, ou ainda há espaço para piorar?
Ainda há um grande caminho a percorrer, mas acredito que as coisas começam a melhorar. Parece que o governo está tomando medidas para recuperar a economia e há ações para lidar com a corrupção. Eu sei que é um momento muito difícil para o Brasil e para os brasileiros. Não há solução rápida. É um processo, não é fácil e não é o que todos querem, mas espero que o resultado seja uma democracia mais forte, mais transparente, e uma economia mais forte.

O país está mais próximo de solucionar os problemas políticos do que estava no começo deste ano?
Ainda é muito cedo para ter certeza, há muito trabalho para fazer, isso é inquestionável. O que posso dizer é que tenho esperança de que as coisas estão mudando de direção. É preciso encarar os problemas primeiro, para depois conseguir lidar com eles. Quando se começa a enfrentar um problema, depois do estágio da negação, a situação parece muito ruim, mas é um sinal de progresso. O Brasil está nesse estágio. Por muito tempo, houve muita corrupção, mas as pessoas diziam que não havia uma forma de lidar com isso, e essa questão era deixada de lado.

É momento de o país inteiro ‘ir para a varanda’? Precisamos todos repensar o que queremos?
Acredito que sim. Não apenas no Brasil, mas nos Estados Unidos também. Estou na Europa, depois do Brexit, e isso também é verdade aqui. No Oriente Médio também é preciso ‘ir para a varanda’. Temos crises em todo o mundo É um momento em que as emoções estão inflamadas, há muita raiva, muito medo. Uma das consequências disso é violência. É hora de todos nós, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, ‘irmos para a varanda’, para termos perspectiva sobre a situação, para lembrarmos o que realmente queremos, o que é realmente importante. E para encontrarmos formas colaborativas para trabalharmos juntos, para vivermos juntos, para encontrarmos soluções que são boas para todos, não apenas para um dos lados da negociação.

E qual o maior desafio para encontrar a solução? Por que ainda não conseguimos resolver todos esses conflitos?
Trabalhei muito em como fazer com que os dois lados de uma negociação consigam chegar a uma solução que chamamos de ganha - ganha. Mas, agora, precisamos ir além. Acredito que precisamos incluir um terceiro ganho na equação: um ganho para a sociedade, de forma mais ampla. Não é suficiente chegar a acordos que são bons para os dois lados de um negócio. Precisamos levar em conta também a comunidade, a sociedade. É preciso repensar o que é bom para o Brasil, o que é bom para todos os brasileiros. Esse é o maior desafio de hoje. O desafio da convivência e de encontrar soluções que são boas para todos dentro de uma sociedade.

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