Arte & Dinheiro (3)
















A crise do dinheiro solto
por Sérgio Sister
Revista Teoria e Debate nº 79
Fundação Perseu Abramo
14/10/2009


Sergio Sister junta duas qualidades quase inconciliáveis: ser artista plástico respeitado e escrever sobre economia com clareza e competência. Até hoje só vi algo parecido em Fernando Pessoa.


A crise do dinheiro solto

Para simplificar as coisas, vamos admitir com humildade que não dá para prever com clareza o tamanho das conseqüências desta crise financeira – ao que parece, a maior da história contemporânea. Mesmo porque, como fica claro nos acontecimentos que se seguem, uma parte importante das ações econômicas e financeiras – julgada absurda antes, durante e depois de sua ocorrência – vai transcorrendo quase inevitavelmente, por impulsos, remendos, oportunismo, ingenuidade e até por cegueira dos agentes econômicos e seus intelectuais.

Para entender a crise
e tentar olhar para seus desdobramentos é preciso, antes de mais nada, atentar para dois fatores:

• O comportamento dos consumidores norte-americanos, cuja demanda mobiliza direta e indiretamente fábricas, fazendas, mineradoras, usinas e toda ordem de bens e serviços do mundo todo. E tenha em mente que mesmo menor, nos últimos anos, a dependência brasi-leira do mercado americano, outros clientes do país, na China, Índia ou onde quer que seja, bebem nas águas do dólar para aqui se abastecer de minérios, alimentos, aviões e outras coisas nossas.

• O enorme aumento da quantidade de recursos em moedas fortes – gerados em boa medida pela venda de produtos do mundo inteiro para os Estados Unidos – provoca a procura de alternativas rentáveis, uma vez que as taxas de remuneração pagas nos títulos mais seguros são declinantes. É importante dizer que há uns bons vinte e tantos anos vinha prevalecendo a idéia de auto-regulação dos mercados (o que quer dizer, na verdade, desregulamentação), destituindo moralmente as possibilidades de controle e intervenção do Estado nas operações com parte substancial dessa dinheirama.

De todas as riquezas apuradas pelos Estados Unidos, o que dá alguma coisa próxima a US$ 15 trilhões, nada menos que 70% (US$ 10,5 trilhões)dizem respeito ao consumo das famílias. E a população, como lembra Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia deste ano, vem gastando mais do que ganha. Na década de 1980, ainda se poupavam 10% dos ganhos. Recentemente, não se guarda praticamente nada. Para que poupar, pondera, se qualquer sonho de consumo pode ser realizado por meio de empréstimos fartos e baratos, com prazos a perder de vista? Krugman observa que a dívida total dos consumidores, não raro, chega a ser maior do que o PIB.

Note que o governo de Washington segue os mesmos padrões dos seus cidadãos. As despesas têm sido largamente superiores à arrecadação, resultando em déficits anuais crescentes, superiores a US$ 400 bilhões – o que não inclui os recentes aportes de recursos para salvar instituições bancárias. A soma de toda a dívida emitida nos EUA é da ordem de US$ 45 trilhões – três vezes o PIB.

A máquina financeira para manter esses americanos abastecidos é pródiga. No que se refere ao Estado, que pode emitir dólares e títulos do Tesouro (Treasuries), isso é resolvido com a venda desses singelos produtos a quem, ao contrário, poupa muito, às vezes excessivamente (como a China e o Japão), na forma de reservas. Ironicamente, os norte-americanos, os grandes consumidores do mundo, investem produtivamente na Ásia – onde o preço e os direitos da mão-de-obra são muito inferiores –, importam os bens lá fabricados e depois têm seu consumo interno financiado por esses mesmos estrangeiros. Juntam-se a essa lista de credores dos EUA quase todos os exportadores do mundo, os países produtores de petróleo e até o Brasil, que coloca lá uma parcela ponderável de sua reserva de US$ 200 bilhões.

No caso dos consumidores, há uma base de empréstimos bancários multiplicadores, que tem origem na casa própria. Com um bem imóvel financiado que dá como garantia (hipoteca), o americano tem acesso a um mundo de outros créditos para comprar carros, eletroeletrônicos, pacotesde viagem e tudo o que as vitrines e os catálogos do universo do consumo colocam à sua disposição.

O que tornou essa equação crítica foi o fato de que esse incrível afluxo de recursos ao mercado norte-americano foi pressionando negativamente as taxas de juros. Quanto mais aplicadores disputavam os títulos do Tesouro, mais o preço desses papéis subia, o que significa menor taxa final de remune-ração. Um exemplo simplista, meramente ilustrativo: um papel do Tesouro por dez anos, que o governo vendia a US$ 60 para recomprá-lo a US$ 100, no final do período (4% ao ano), podia, em momentos de forte procura, ser revendido no mercado a US$ 70 (3% ao ano). Para quem está acostumado a conviver com as altas taxas brasileiras de CDB e DI, por exemplo (acima de 10% ao ano), é bem fácil imaginar o que representa uma remuneração de 2% a 4% ao ano nos Estados Unidos. Além do que, em algumas praças, como o Japão, o juro não passa de 0,5% anual. Essa é a base do movimento especulativo que o mundo iria conhecere resultou na quebradeira iniciada em setembro de 2008.

Se de um lado parte dessa liquidez toda era canalizada para ativos com lastro efetivo, como as bolsas de valores – incluindo a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) –, ou fundos de investimento em participação em empresas (o chamado private equity), ou ainda para papéis brasileiros, graças às sensacionais taxas de juros alimentadas pelo Banco Central do Brasil; de outro serviu para sustentar negócios insustentáveis no mercado imobiliário dos Estados Unidos.

De fato, o que vinha acontecendo havia cerca de dez anos é que o complexo imobiliário – fonte importantíssima de empregos e de demanda por insumos industriais e serviços – passou a incluir na clientela pessoas que visivelmente não poderiam pagar pelas casas. Muitas vezes era liberado o crédito sem mesmo a comprovação de renda alguma – o que valeu o apelido de operação Ninja e, mais tecnicamente, subprime. Era uma forma desesperada e oportunista de aproveitar a liquidez existente e impedir que a máquina parasse. “Tudo começa numa operação papai-mamãe, um simples empréstimo de uma empresa imobiliária para um consumidor”, lembra Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas. Esse ativo a receber (um recebível, no jargão contábil) é transformado em título, que tem como garantia o próprio imóvel, e vendido com desconto a um fundo garantidor que, por sua vez, tem seus próprios recebíveis transformados em títulos vendidos para fundos, fundos de pensão, fundos de fundos e toda sorte de investidores em qualquer parte dos EUA, da Europa, da China, do Japão e do planeta.

Como no caminho os primeiros títulos de solvência muito discutível vão se transformando em outros títulos de instituições aparentemente mais confiáveis, com boas notas das agências de avaliação de risco (rating), todo mundo confia – e perde-se o fio da meada. A memória daquilo que pode apodrecer transforma-se em aroma de fruta fresca.

A história do taxista colombiano Jesús Melendez, de 58 anos, residente em Miami Beach, resume o desastre. Entrevistado por Lourival Sant’Anna, de O Estado de S. Paulo, ele conta que há seis anos comprou uma casa de US$ 130 mil, pagando US$ 880 de prestação. Ainda dava para encaixar no orçamento. Com a garantia da casa, em processo de valorização, fez outros empréstimos para reformar o imóvel e comprar dois novos carros, com mais US$ 75 mil de dívida e prestação de US$ 1.300. Mas a mulher perdeu o emprego; ele tentou sem sucesso renegociar a prestação. Como sua situação não era única, viu se alastrar pelo bairro não apenas a desvalorização da casa como a queda de movimento do seu táxi. Há cinco meses não paga a hipoteca, vendeu dois dos três carros e já mudou de endereço para um apartamento alugado.

Quando muitas histórias como essas começaram a ser percebidas, há uns dois anos, alguns dos grandes investidores mais despertos – como os de hedge funds, sem regulamentação, que procuram aplicações arriscadas de grande retorno – passaram a vender títulos de alguma forma vinculados a papéis imobiliários. Parte deles migrou para bolsas de países emergentes como o Brasil e para derivativos ligados a commodities (o que explica parcialmente a aceleração de preços das ações, da soja, dos metais e do petróleo nos últimos meses). O mais grave é que foi se alastrando pelo mundo a percepção da fragilidade financeira, iniciando-se, primeiro lentamente e depois de maneira muito acelerada, a certeza sobre a inexistência de segurança nas aplicações e, mesmo, nas instituições bancárias.

A contínua venda de títulos de alguma forma vinculados ao subprime provocou uma igualmente contínua redução da rentabilidade dos papéis (o movimento inverso ao do exemplo dos títulos do Tesouro). As fontes de refinanciamento foram secando. Enquanto uma parte considerável de mutuários deixava de pagar as prestações (uma insolvência que pode facilmente ultrapassar os US$ 2 trilhões), os maiores bancos de poupança, seus financiadores e seguradores passaram a ser olhados com desconfiança e a perder depósitos e créditos. Foi assim que começou a quebradeira: primeiro em março, com o banco Bearn Sterns, logo resolvida com a sua compra pelo J.P. Morgan, estimulada pelo Federal Reserve, o banco central americano; depois em outubro, liderada pelo Lehman Brothers, que não recebeu o mesmo tratamento carinhoso da autoridade monetária. Foram a pique cinco dos maiores bancos de poupança e empréstimos habitacionais, três dos cinco maiores bancos de investimento e a maior seguradora do mundo. Como essas instituições eram financiadas por bancos de outras partes do planeta, nada mais natural do que o alastramento da crise para Grã-Bretanha, Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, com respingos pela Ásia, pelo Oriente Médio e pela Austrália. A Islândia, o pequeno país gelado, faliu. De repente, todo mundo ficou desconfiado de todo mundo e o crédito praticamente parou no globo inteiro. Fundos e investidores de toda parte recolhem o quanto podem de seus recursos espalhados pelas bolsas e bancos do universo e, nova ironia, correm para o Tesouro americano, em busca de seus títulos cada vez mais mal pagos. Só para registro, convém lembrar que o Índice Bovespa, em certo momento, perdeu perto de 50%. E o preço do barril de petróleo, que chegou a US$ 140, recuou agora para US$ 60. Nesse movimento de recolha de dólares é que o real caiu: em poucos dias, o preço da moeda americana aumentou no Brasil de R$ 1,60 para R$ 2,30, em uma variação de 44%.

O risco sistêmico

Tudo o que acontece em seguida resume-se à tentativa de restabelecer a confiança no sistema financeiro que sobreviveu e, ao mesmo tempo, reduzir ao máximo o impacto da crise na economia real, mitigando ao máximo os efeitos recessivos.

Para socorrer o sistema, o Tesouro e o Federal Reserve nos Estados Unidos – e os governos das economias mais ricas – estão colocando bilhões de dólares à disposição das instituições, a baixos juros. E ainda se dispõem a trocar os dólares por moedas locais de alguns países estratégicos na Ásia, Oceania e América Latina(incluindo o Brasil) pelo prazo de 180 dias. O governo britânico entrou de sócio nos bancos locais. O governo japonês, cujos bancos já não passam bem há mais de duas décadas (e tem uma das mais baixas taxas de crescimento do mundo), prometeu a injeção de US$ 51 bilhões para ajudar famílias, empresas e governo locais. Estima-se que o total de recursos aportados nessas intervenções estatais seja de US$ 6,8 trilhões, que vêm a ser nada menos que 12% de toda a riqueza produzida no mundo em um ano. Uma parte dessa fortuna pode ser recuperada com o tempo, mas US$ 2,8 trilhões, segundo se calcula, podem desaparecer de todas as contas, evaporar.

Ninguém pode dizer com segurança aonde isso vai dar: se recessão, se depressão, se um buraco muito grande, se um tempo muito longo de recuperação, se um espectro muito amplo de contaminação pelo mundo emerso e emergente. A única certeza é que os grandes consumidores já estão consumindo menos – o que pode ser visto não apenas nos dados da indústria de construção, mas também nos de automóveis e de bens de consumo em geral. O último dado do PIB americano, dizem, provocou até otimismo: em lugar de cair 0,5% (taxa anualizada) como se esperava, recuou 0,3% no terceiro trimestre. A economia britânica sofreu uma retração, no mesmo período, de 0,5% – a pior desde 1992. A Alemanha e a França, as economias mais importantes da Europa, também registram queda na atividade. De acordo com a Comissão Européia, o bloco terá mais 2,7 milhões de desempregados até 2010. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê demissões em massa pelo mundo: 20 milhões de postos perdidos até o final de 2009.

Há bastante expectativa em relação à posse de Barack Obama, especialmente no que diz respeito ao destino dos recursos. No campo do Partido Democrata, existe uma certa convicção de que o essencial é colocar dinheiro nas mãos dos mutuários com risco de perder ou que perderam sua casa. Krugman, há um bom tempo, vinha defendendo a compra de carteiras de crédito pelo governo, com o devido deságio, para posterior refinanciamento das dívidas. Assim, a máquina de consumo não sofreria
tantas avarias.

Seja como for, parece óbvio que a economia mundial vai reduzir a demanda por alimentos, matérias-primas, combustíveis, bens industriais e serviços. E é por isso que os preços das principais commodities entraram em queda.

O caso brasileiro

Na verdade, a crise já entrou no Brasil pela porta financeira. Além da queda das cotações das empresas na Bolsa, a alta do dólar produziu pesados prejuízos para as empresas ex-portadoras no mercado de derivativos. Sadia, Votorantim e Aracruz foram apenas os primeiros casos conhecidos entre centenas de companhias que faziam uma operação bem complicada denominada target accrual redemption forward (tarf ), criada por bancos de investimentos. Era de fato uma operação especulativa, muitas vezes a descoberto, sem ter a mercadoria moeda na mão para entregar em caso de exercício da opção de compra. As empresas ganhavam muito enquanto o dólar não ultrapassasse certa faixa de R$ 1,60 a R$ 1,90 (e durante muitos meses realmente lucraram) e perderiam violentamente (o dobro da variação cambial) com o rompimento dessa barreira. Vale ponderar que uma parte considerável dessa irresponsabilidade resultou da própria política cambial brasileira: para compensar a perda de rentabilidade de suas exportações, as empresas faziam ginástica no mercado de capitais, onde durante um bom tempo obtiveram ganhos financeiros expressivos. O tombo foi grande, de alguns bilhões de reais (só a soma das três primeiras aparições chega perto de R$ 5 bilhões), impagável em vários casos, o que exigiu penosas negociações entre empresas e bancos. Nada, nada, os prejuízos com os chamados “derivativos tóxicos” tiram sangue das companhias, deixando-as com menos energia financeira para investir e crescer. Aqui não há nada a fazer senão apoiar as mais afetadas com financiamentos.

Também já contaminou o país a retração global da liquidez com a violenta redução de financiamentos de capital de giro para as exportações – os adiantamentos de contratos de câmbio (ACC), por meio dos quais as companhias recebem antecipadamente, a um custo relativamente baixo, as receitas futuras em moeda forte; e o pré-embarque (ACE), para financiar a comercialização. Esses créditos obtidos no exterior, que somavam US$ 56 bilhões em 2007, são fundamentais, pois, vale observar, as vendas externas são feitas a prazo, às vezes bem longos. Para evitar uma paradeira nos negócios, o Banco Central colocou um bom pedaço das reservas à disposição dos bancos, mediante leilões de dólares, para que repassem às empresas. E é bem possível que utilize os US$ 30 bilhões oferecidos peloFederal Reserve em troca de reais, até que o mercado se restabeleça.

Da mesma forma que os bancos estrangeiros secaram as fontes de ACC, os grande bancos brasileiros cortaram o fornecimento de recursos para instituições menores, no mercado interbancário. Medo de emprestar e não receber, mesmo sabendo que não há uma crise de inadimplência no Brasil como a que acontece nos Estados Unidos. Aqui, os atrasos de pagamento por empréstimos por mais de 90 dias continuam relativamente baixos e estáveis – o risco de crédito não passa de 7,5% do total do saldo dos empréstimos do sistema bancário, 5% dos quais são cobertos por provisões das próprias instituições. O que ocorre é que os bancos e financeiras menores são muitas vezes levados ao interbancário, dado o natural descasamento entre prazos de captação e aplicação de recursos. Em geral, os financiamentos que eles concedem aos consumidores têm prazos mais longos que os de captação. A economia real – no caso as vendas do complexo da indústria automotiva – já acusou o golpe daí advindo: a retração do crédito nas instituições menores ficou evidente nos registros de outubro, com queda de 12% sobre setembro. Foi para diminuir os riscos de quebra dessas instituições (e evitar uma parada muito forte dos negócios) que o Banco Central deu aos bancos a possibilidade de utilizar os compulsórios sobre depósitos à vista para a aquisição de carteiras de crédito de bancos e _nanceiras em dificuldade. E, como ninguém se manifestava, não apenas deu ao Banco do Brasil e à Caixa a possibilidade de comprar carteiras e bancos (MP 433) como tirou de parte dos depósitos compulsórios sobre depósitos a prazo a prerrogativa de aplicação em títulos do Tesouro. O governo vem atuando, da mesma forma, para evitar a redução do crédito e das vendas do setor imobiliário – neste, aliás, viveu-se um drama à parte, porque muitas construtoras que abriram seu capital na Bolsa haviam utilizado os novos recursos para formar estoques de terrenos. Foi aumentado de 65% para 70% o saldo dos depósitos em cadernetas de poupança que os bancos são obrigados a emprestar para o setor, sendo R$ 11 bilhões de capital de giro para as construtoras terminarem as obras já iniciadas.

O resto das possíveis contaminações fica por conta do grau de retração da atividade econômica no mundo.

Qualquer que seja a intensidade da recessão, deve-se levar em conta a queda da demanda internacional de alguns dos principais produtos exportados pelo Brasil – como minério de ferro e soja, por exemplo. O que já levou a Vale a cortar a produção em 30 milhões de toneladas de ferro, representando US$ 2,2 bilhões nas exportações. Não há dúvida de que haverá queda nos volumes e preços dessas vendas. O saldo da balança comercial – mesmo contando com a muito provável queda também das importações – será menos favorável, aumentando os riscos de maior déficit na conta corrente brasileira.

A taxa de câmbio tende a continuar pressionada. Principalmente porque é agora mais lenta a entrada de moeda forte – além de serem menores os saldos comerciais, poderão ser menos generosos os investimentos externos diretos. A alta recente do dólar (cerca de 35% de setembro a novembro) pode produzir efeitos em preços administrados, guiados por índices, como o IGP da Fundação Getúlio Vargas, que capta as variações cambiais. Telefones, energia, aluguéis, por exemplo. Além disso, é preciso lembrar que parte importante das importações realizadas nos últimos anos diziam respeito a máquinas e equipamentos, cujas prestações, a vencer, são marcadas em dólares.

A agricultura tem pela frente o risco de reviver uma história amarga: a da compra de insumos importados (especialmente fertilizantes) a um dólar mais alto (acima de R$ 2) e venda da produção, daqui a algunsmeses, a quantidades, preços e dólar declinantes.

Mesmo que os impactos no Brasil não sejam exatamente uma marolinha, é preciso ponderar que não aparentam tratar-se de um tsunami.

Primeiro, porque os problemas de liquidez bancária e o chamado “desempoçamento” do crédito vão sendo resolvidos pela pressão estatal. Tanto pela ação dos bancos oficiais (Banco do Brasil e CEF) quanto pela penalização dos depósitos compulsórios. Há, por outro lado, a possibilidade de recuperação dos créditos à exportação, tanto pela colaboração do Federal Reserve quanto pelo uso das próprias reservas nacionais. Isso sem contar com as chances de retorno, em algum momento, dos empréstimos de bancos estrangeiros – mesmo porque, apesar de toda a crise, um gigantesco volume de recursos continua tensionado pelas baixíssimas taxas de remuneração do tesouro americano.

Depois, não há por que duvidar da realização dos empréstimos prometidos tanto para a agricultura quanto para a construção civil.

Convém também lembrar, a pressão do dólar pode ser parcialmente compensada pela venda de produtos financeiros do Banco Central e do Tesouro para proteção cambial de bancos e empresas. O BC criou um programa para oferecer nada menos que US$ 50 bilhões nos chamados contratos de swap cambial – um instrumento que dá aos compradores a opção de ser remunerados pela variação da taxa de câmbio. A vantagem aí é que, desta vez, as autoridades têm a possibilidade de tentar calibrar o dólar a um preço não tão aviltante para a balança comercial, como R$ 1,50, e não tão arriscado para a inflação, como R$ 2,50. A taxa de inflação, aliás, terá como atenuante a queda de preços das commodities. Não há mais choque agrícola, observa João Sabóia, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Finalmente, vale ressaltar, continua atuante o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com obras de infra-estrutura. E não deve ser interrompido o fluxo de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Essa situação toda pode resultar na geração de menos empregos, mas o país continuará a gerar empregos”, acredita Sabóia. “Temos um grande mercado interno a explorar.”

(Foi preciosa, para a elaboração desta matéria, a colaboração de Antonio Carlos Aidar (FGV-SP), Luiz Gonzaga Belluzzo (IE Unicamp), Geraldo Gardenalli (consultor), Walter Mundell (consultor) e João Sabóia (IE UFRJ), a quem agradeço. Os erros que o leitor encontrar, pode ter certeza, são só meus.)

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