Amor em tempos de crise

Quando a economia vai mal, a vida a dois pode continuar bem?




















por Valéria Maniero
Revista O Globo
Fev 2013


Era um vez uma crise que atingiu alguns países da Europa e derrubou PIBs e esperanças. Uma crise que destruiu postos de trabalho e fez disparar taxas de desemprego, tornando mais incerto o futuro dos mais jovens. Uma crise que marcará para sempre a história de Grécia, Portugal, Espanha e Itália. Os dois primeiros, aliás, tiveram que pedir ajuda financeira para tentar driblá-la. O terceiro não consegue dar emprego a mais da metade dos que têm menos de 25 anos. E o quarto, há muito tempo, tem uma dívida elevada. É uma crise sobretudo econômica, mas que acabou provocando ecos na política, impulsionando trocas de governo e de partidos no poder. E expôs a fragilidade das contas públicas de países que tinham se endividado demais e, depois, para melhorá-las, “pisaram no freio”, cortando gastos, elevando impostos e eliminando benefícios sociais. Também foi uma crise que colocou em xeque a credibilidade do próprio euro.


Mas teria sido ela capaz de afetar o amor? Quando a economia vai mal, a vida a dois pode continuar bem? Gregos, portugueses, espanhóis e italianos relatam como andam os relacionamentos em época de redução de salários, demissões, queda do poder aquisitivo e aumento das incertezas. Como enfrentam a crise, depois que a sensação de segurança e a estabilidade, virtudes que pareciam direito adquirido daqueles países — como se eles nunca fossem perdê-las e nós, aqui, jamais alcançá-las —, um dia, foram embora. Qual foi, então, a reação do amor?

Os italianos Giada De Angelis e Antonio Dell’Isola, por exemplo, falam sobre a solução que encontraram para terem uma vida melhor. Nagore Mata e Juan Casalduero, de Madri, receberam boas e más notícias nos últimos anos, e uma delas mudará para sempre a vida do casal da Espanha, país que tem a segunda maior taxa de desemprego de jovens da Europa. Só perde para a Grécia, onde vivem Emanouil Pantalos e a mulher Maria do Carmo Ferreira Pantalu, vítimas do agravamento da situação do mercado de trabalho. Richard Augusto Leitão Ferreira e Ana Olívia Figueiredo do Souto Cardoso, de Portugal, por enquanto vivem em países diferentes, mas logo estarão juntos — no Brasil, visto como uma terra de mais oportunidades.

Os casais contam o que aprenderam com a crise, ainda sem data para terminar. São histórias que mostram a força do amor em tempos de dificuldades. E a importância de recomeçar. Para que o futuro seja melhor do que o presente e, de preferência, sem crise.


ESPANHA


Para Nagore Mata e Juan Casalduero, ambos de 31 anos, a esperança tem nome: Martín. Está programado para março, em Madri, o nascimento do primeiro filho do casal — que, como outros seis milhões de espanhóis, está desempregado. É a prova de que o amor resiste e a vida continua, apesar da crise. Como toda mãe, ela espera que o menino tenha saúde e seja feliz. Mas também está em sua lista um trabalho para que a família possa viver bem.

Foi com muita emoção que recebemos a notícia de que eu estava grávida — conta ela. — Era algo que queríamos e estamos muito contentes. Mas dá um pouco de medo pensar no futuro e no que pode acontecer se nenhum de nós encontrar trabalho no curto prazo. Felizmente, não estamos em situação desesperadora. Recebemos o seguro-desemprego e vamos levando, por enquanto, sem problemas. Mas com o nascimento do bebê, teremos mais responsabilidades econômicas.

O casal, formado em Comunicação Social, está junto há quase dez anos, desde a faculdade. Como sempre trabalhou com projetos que tinham data para terminar, Juan já conhecia a cara do desemprego, mas desta vez veio em má hora, quando a mulher estava com cinco meses de gravidez. O último trabalho de Nagore, que viu fechar as duas empresas em que trabalhou recentemente, foi em 2011. Antes de ser demitida, passou por períodos sem receber salário.

O ano de 2011 foi simbólico para o país. Os socialistas, no poder desde 2004, perderam feio para o conservador Partido Popular (PP). Os “indignados” protestaram por toda a Espanha contra a crise. Saiu José Luis Rodríguez Zapatero, entrou Mariano Rajoy, mas a recessão continuou. A bolsa subiu, é verdade, e a pressão sobre os títulos espanhóis diminuiu. A taxa de desocupação média, porém, aumentou cinco pontos, e o desemprego de jovens, que estava em 45,4%, pulou para 55,6%.

— Os jovens terminam os estudos e não encontram trabalho — conta Juan. — Os que têm entre 45 e 50 anos, demitidos depois de trabalharem toda a vida, não conseguem voltar ao mercado. Há muita gente com dívidas, casos de despejos. A classe média, que tinha trabalho e situação estável, passa por maus momentos. Alguns estão na ruína total. Outros vivem cada vez com mais dificuldades.
‘Sobre o bebê, damos prioridade às roupinhas de segunda mão’

Diante da crise, que foi pior na Espanha por causa do estouro da bolha imobiliária, Nagore e o marido ajustaram as contas, assim como fez o governo. Mudaram de apartamento para pagarem um aluguel mais barato, de 700 euros (R$ 1.840). Eles dão outros exemplos de como a crise afetou o dia a dia do casal.
— Nós dois tínhamos emprego e salários aceitáveis há menos de dois anos. Agora, não — diz ela. — Cortamos gastos com lazer, a compra de supérfluos. Nunca deixamos de pagar o aluguel, as contas em geral, nem tivemos que pedir ajuda. Mas vamos menos à casa dos nossos pais, que moram em outras cidades, porque a gasolina está muito cara. Não passamos por apuros, mas cada vez que aparece um gasto inesperado significa um esforço maior do que antes. Sobre as coisas do bebê, estamos reduzindo-as ao máximo, dando prioridade a roupinhas emprestadas, de segunda mão.

Enquanto não consegue uma vaga, Nagore, mesmo grávida, se qualifica. Ela fez um curso de desenho gráfico oferecido pelo governo, no ano passado, e outro à distância, com enfoque nas redes sociais. Além disso, não descarta a possibilidade de, no futuro, montar um negócio próprio. Mas sabe que a situação dos autônomos é complicada. Também poderia se mudar, caso surgisse uma oportunidade de trabalho num país como o Brasil. Juan continua procurando emprego, fazendo contatos com profissionais, mas pode vir a mudar de área por causa da crise. Tornar-se mecânico de bicicletas, após um curso de capacitação, é uma opção, conta ela.

Para ambos, a crise pode, em tese, afetar os relacionamentos, mas não foi o caso deles.
— As situações de estresse costumam trazer problemas para os casais, e não é fácil enfrentá-los — diz a espanhola. — Me preocupo muito com o futuro, mas o Juan é mais tranquilo, encara as coisas com otimismo, equilibrando a situação. Apesar de não estarmos em nosso melhor momento econômico, escolhemos ter um filho. Sabemos que tomamos uma decisão arriscada, mas, por outro lado, nos unimos mais por esse motivo, e estamos esperançosos.

Nagore e Juan esperam que a Espanha de Martín seja melhor do que a deles. E afirmam que aprenderam muito com a crise.

— Todos perceberam que havia um consumismo exagerado. Não é necessário viver com muito. Na Espanha, as famílias são o apoio fundamental. Pensões de avós, por exemplo, sustentam filhos e netos desempregados — ressalta ela. — Quando a situação está feia, não se pode confiar em governos e instituições, porque, no fim das contas, são as pessoas que estão trabalhando duro, tratando de salvar a situação e mudar o país.


GRÉCIA


Eles moram num país que é sinônimo de beleza e, nos últimos anos, de crise. Tudo lá é superlativo. É na Grécia — o país mais endividado da chamada zona do euro, que tem a maior taxa de desemprego e a recessão mais prolongada (quase seis anos de queda acentuada do PIB) — que vivem Emanouil Pantalos, de 38 anos, e Maria do Carmo Ferreira Pantalu, 36.

Por causa da crise, o salário deles diminuiu; as viagens no verão foram cortadas; o encontro com os amigos, que era nos bares, passou a acontecer dentro de casa; o hábito de poupar ficou para o futuro. As dificuldades levaram a Grécia a pedir resgate financeiro à Europa, ao FMI e ao Banco Central Europeu, correndo o temido risco de sair do euro.

Até 2010, Maria do Carmo, que é brasileira, está há dez anos em Atenas e conhece o marido desde 2006, trabalhava numa agência de turismo. Recebia 850 euros por mês (aproximadamente R$ 2.230). Um dia, o empregador chegou dizendo que estava passando por dificuldades, atribuiu o problema à crise e fez uma “proposta de grego”: Maria ganharia menos (600 euros, cerca de R$ 1.580) e trabalharia mais. Ela não aceitou. Um ano depois, conseguiu uma vaga em outra agência, com carga horária mais flexível, mas com salário parecido, de 650 euros (R$ 1.710).

O marido, por sua vez, trabalhava como taxista para agências de turismo. No entanto, com o desemprego disparando — a taxa de desocupação, hoje, é de 26,8% —, o governo resolveu facilitar a obtenção de licenças, e mais pessoas passaram a competir com Emanouil. Quando a oferta é maior, o preço cai. A renda mensal do taxista, então, baixou de 1,5 mil euros (R$ 3.940) para 1,2 mil euros (R$ 3.190), e o casal teve que reduzir gastos e mudar velhos hábitos.

— Apertamos o cinto. No ano passado, quase não saímos para comer fora. Passamos a receber os amigos em casa — conta Maria. — Também cortamos as férias de agosto. Para diminuir a conta de celular, fizemos um plano familiar. No supermercado, compramos os produtos mais baratos. Antes, conseguíamos guardar um pouco de dinheiro. Agora, não dá. Estamos usando nossas economias para manter a cabeça erguida e não ter dívida.

O orçamento está apertado porque eles têm de pagar aluguel (o valor equivale a 85% do salário da brasileira), plano de saúde, água, luz, telefone etc. Os impostos aumentaram nesses tempos de crise. Alguns que nem existiam, como os equivalentes a IPTU e IPVA, foram tirados da cartola pelo governo.

Para Emanouil, o pior é a ‘insegurança do amanhã’

Na lembrança de Maria, há duas fotografias diferentes da Grécia: a da época pré-crise, “quando todo mundo esbanjava, gastava dinheiro, usava roupa de marca”, e a de hoje, que não consegue oferecer trabalho à metade dos jovens.

Emanouil admite que a crise afetou a vida do casal, mas só a financeira:
— Falamos mais sobre contas, como todos os gregos estão fazendo. Escolhemos como e com o que vamos gastar. Mas nunca brigamos por causa de dinheiro. Sentimentalmente, estamos mais unidos.
Emanouil e Maria se conheceram quatro anos depois de ela ter desembarcado em Atenas para estudar. Em setembro daquele ano, estavam os dois, com as devidas placas nas mãos, esperando clientes no aeroporto. Trabalhavam na área de turismo, para agências diferentes, mas até então nunca tinham se encontrado em algum ponto turístico da cidade. Enquanto aguardavam os turistas, começaram a conversar. Um gostou do papo do outro, e novos encontros foram marcados. Três anos depois, casaram-se. Primeiro, em Praia Grande, São Paulo. Depois, em Atenas. Apesar de o momento econômico ser adverso, planejam, um dia, ter um filho e esperam que o ano de 2013 seja melhor. Para a Grécia e para eles.

O pior da crise, para Emanouil, é a “insegurança do amanhã”, não saber o que vai acontecer com o país.
— Os gregos, geralmente, são alegres, mas há muitos em depressão. Andam de cabeça baixa, não têm ideia de como será o futuro. É isso que me entristece — lamenta o taxista. — Há muita gente sem emprego, lojas fechadas. São os mais velhos e os mais jovens que estão pagando a conta dessa crise.
Ele cita um exemplo do próprio círculo familiar. A aposentadoria do pai, ex-marinheiro, que era de 1,8 mil euros (R$ 4.730), caiu para 1,1 mil euros (R$ 2.890). Conta também que muitos jovens estão deixando o país por falta de perspectivas — coisa rara antigamente, já que o grego, diz ele, é apegado à própria terra. Se sai, é por necessidade mesmo.

E não poderia ser diferente: a taxa de desemprego entre os que têm menos de 25 anos é de 57,6%, a maior da zona do euro.

A experiência adquirida no Brasil ajuda Maria a enfrentar a crise no país que não é o seu, mas onde escolheu morar:
— Já passei por várias crises, na época do governo Sarney, do Collor. Mas os gregos têm mais dificuldade para vivê-las.


ITÁLIA


Foi em 2011. No mesmo ano em que Silvio Berlusconi renunciou ao cargo de primeiro-ministro da Itália, Giada De Angelis e Antonio Dell’Isola, ambos de 28 anos, deixaram o país. Saíram, literalmente, da zona do euro. De Nápoles para Reading, na Inglaterra, cidade que fica a 60 quilômetros de Londres. Não que fossem contra a renúncia do ex-premier, envolvido em processos de corrupção e até prostituição de menores. É que a Itália estava passando por um dos piores momentos da crise econômica: sua dívida correspondia a 120% do PIB, e o custo de financiamento do país disparava juntamente com o desemprego. A saída encontrada pela Itália, então, foi trocar o governo de pouca credibilidade de Berlusconi por um de perfil técnico. A solução encontrada por Giada e Antonio foi tentar a vida a dois fora dali, construindo uma história longe de família, amigos — e crise.

— Mudar para a Inglaterra foi uma decisão comum, influenciada pela crise. Um não teria ido sem o outro — diz Giada. — Sabíamos que seria difícil morar num país estrangeiro, mas estamos passando por tudo isso juntos. Quando um tem um problema sabe que pode contar com o outro.

A mudança de vida só foi possível porque Antonio, formado em Química, como Giada, conseguiu uma bolsa de estudos de pós-graduação na Universidade de Reading. A italiana ainda procura emprego, mesmo fora de sua área, enquanto aperfeiçoa o inglês.

— Estou fazendo PhD. Hoje em dia, a pesquisa acadêmica não é bem remunerada na Itália. Por dois motivos: além de a crise econômica ter afetado a pesquisa pública, é difícil ter uma boa colaboração entre universidade e indústria — explica Antonio. — Por conta disso, o financiamento de bolsas de estudo está ficando cada vez mais raro.

Enquanto os dois se qualificam na Inglaterra, a maioria dos amigos está sem emprego na Itália. São tantos que eles até se perdem nas contas. Giada diz que a crise afetou, principalmente, a geração mais jovem.
— Está muito complicado conseguir um trabalho bom. Quando há, é temporário. Além disso, muitos empregos são sub-remunerados. Como a situação está desse jeito, os casais jovens têm dificuldade para planejar um casamento ou até mesmo morar juntos. Veja o nosso caso. Em Nápoles, nós morávamos nas casas dos nossos pais. É caro ter um carro, porque o preço do combustível só aumenta. Os italianos estão tendo que pagar mais impostos, há mais empregos temporários e menos ajuda do governo para a educação das crianças — enumera Giada, apresentando alguns dos efeitos da crise na vida real.

Os números ajudam a entender por que a situação chegou a esse ponto crítico descrito pela italiana. Desde 2008, quando a crise estourou nos Estados Unidos, até 2012, foram anos de recessão, ou seja, de encolhimento da economia. O pior deles foi 2009, quando o PIB teve uma queda de 5,5%.
Para tentar arrumar as contas públicas, o governo italiano fez os chamados “ajustes”, um eufemismo para aumento de impostos, corte de gastos, congelamento de salários e aumento da idade para se aposentar. A mesma receita adotada por outros países da região. O mercado de trabalho também sentiu o golpe. Os amigos de Giada e Antonio estão sem emprego porque a taxa de desocupação entre os jovens conseguiu a façanha de piorar. Quando eles trocaram o euro pela libra, estava em 30%. Agora, subiu para 36,6%, segundo a Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia. Para se ter uma ideia, a taxa de desemprego juvenil no Brasil é de 12,4%.

Longe de casa, fazer amigos é difícil

Ao fazer um balanço de como tem sido a vida na Inglaterra, o casal diz que o saldo é positivo, mas há prós e contras pendendo dos dois lados da balança.
— É uma grande experiência. Viver num ambiente multicultural abre seu horizonte e sua própria visão de mundo. É bom também porque é uma oportunidade para melhorar o inglês — diz Giada. — Além disso, você conhece pessoas de diferentes culturas, pode aprender um pouco sobre cada uma. Por outro lado, após os primeiros meses, você começa a sentir saudades de casa. Sente falta da sua família, dos amigos e da sua cidade.

Para ela, outro ponto negativo é a dificuldade de fazer amigos.
— É difícil manter uma amizade mais duradoura, porque muitas pessoas que conhecemos não são daqui. E não é fácil se integrar com os ingleses. Nós também levamos um tempo para compreender coisas do dia a dia, como funcionava, por exemplo, a parte de assistência médica.

Sobre os planos para o futuro, Giada é direta e diz que, na Itália, é difícil pensar nisso:
— Apesar de termos vontade de voltar, a crise está aumentando. Então, não seria uma ideia muito boa.
Eles não sabem por quanto tempo ficarão em Reading, ou se terão que voltar para Nápoles. Mas não há dúvidas de que querem continuar juntos.


PORTUGAL


Quando Portugal pediu um resgate de 78 bilhões de euros à União Europeia e ao FMI, em 2011, Richard Augusto Leitão Ferreira e a mulher, Ana Olívia Figueiredo do Souto Cardoso, os dois com 32 anos, não estavam mais no país. O casal, junto há 12 anos, desde a época da faculdade, em Coimbra, já morava em Madri. Foi lá que Richard e Ana Olívia deram prosseguimento aos estudos e encontraram melhores oportunidades de trabalho. A Espanha parecia bem melhor do que Portugal. Até que a crise chegou lá, e o mercado de trabalho, antes tão generoso, passou a demitir e reduzir salários. Eles decidiram, então, que era hora de recomeçar. E que a próxima parada seria o Brasil.

Ana Olívia foi a primeira a fazer as malas. Apesar de formada em Direito, gosta mesmo é de trabalhar com projetos sociais. Em Madri, lidou com jovens em situação de risco e fez traduções. Quando soube que uma fundação procurava voluntários para ensinar espanhol no Rio, em Parada de Lucas, não pensou duas vezes. Era aqui que eles queriam morar. Quando estiveram no Rio, um dos destinos visitados na lua de mel, gostaram tanto do que viram que prometeram, um dia, voltar.

— Em Madri, eu não tinha trabalho estável, era por projetos, mas chegou um momento em que eles começaram a diminuir, por causa da crise — conta Ana Olívia. — A gente tinha decidido que o primeiro a conseguir emprego fora, na América Latina, iria. Depois, o outro acompanharia. Durante os três meses no Rio, até julho do ano passado, trabalhei muito e procurei oportunidades. Queria ficar de vez — diz ela, que morou em Parada de Lucas durante o tempo em que trabalhou como voluntária.
Acabou conseguindo uma vaga permanente. Uma semana antes de a experiência terminar e ter de voltar para a Espanha, onde o marido estava morando, uma ONG a contratou.

— Tinha pesquisado a atuação das organizações não governamentais, feito contatos. Recebi muitas respostas, o que não acontecia em Madri. Isso me deu um alento. Enquanto na Espanha o caminho ia ficando mais difícil, do Brasil vinham sinais positivos. Parecia que eu estava na direção certa — acredita.

Custo de vida no Rio assusta

Só não são positivos os preços praticados no Rio, na avaliação da portuguesa, que se espantou, logo de cara, com o valor dos aluguéis. Pelo apartamento de dois quartos no Morro da Babilônia, no Leme, onde está morando, lhe pediram R$ 1,2 mil. Solução: dividir o “teto” com uma jornalista espanhola.
— O custo de vida no Rio está alto. Chama a atenção o valor do aluguel, ainda mais sendo numa favela. Faz lembrar o que aconteceu em Madri. Saí de Parada de Lucas e fui para o Leme. Antes, conseguia comprar 15 pães pelo preço de um aqui na Zona Sul. Vivo com o meu salário, dentro das minhas possibilidades. Tenho uma vida mais humilde — resigna-se. — A crise me ajudou a vir para cá, incentivou minha mudança para o Brasil.

Richard continuou na Espanha. Apesar da crise, ele não ficou desempregado. Até o início deste ano, trabalhava numa empresa de reciclagem de cartuchos de impressora. Mas teve o salário reduzido e alguns benefícios, como a participação nos lucros, cortados. No começo deste mês, fez um acordo para sair da companhia e ficar perto de Ana Olívia.

— Na Espanha, está difícil, há clientes falindo, fornecedores deixando de pagar. Não queria mais ficar lá — afirma Richard, que, desde que Ana Olívia veio para cá, só esteve com ela em duas situações, em agosto e em dezembro passados. — Em março, me mudo para o Rio. Foi a maneira que encontramos para ficarmos juntos.

Ana não está sozinha no país. Com Portugal caminhando para o terceiro ano seguido de recessão, com 16,5% da força de trabalho sem emprego, seus pais também fugiram da crise. A empresa de arquitetura que tinham em Penafiel, próximo do Porto, fechou as portas. Resolveram, então, se mudar para Aracaju, em Sergipe, e planejam abrir um restaurante português. O Brasil, para eles, também foi o Eldorado.

‘Um bom momento para arriscar’

Para Ana Olívia, a crise ensinou que “nada é certo nessa vida” e que, de repente, é preciso começar tudo do zero outra vez:
— O casal tem que estar unido para superar os problemas e recomeçar. Meus pais, por exemplo, vieram para o Brasil para procurar a felicidade. Em Portugal, estavam deprimidos. O que importa mesmo é estar junto.

Para Richard, a crise trouxe a possibilidade de mudança:
— É um bom momento para arriscar. Para mim, 2013 é um ano de desafios. Minha vida profissional vai mudar. Se eu não conseguir um novo emprego, pretendo trabalhar por conta própria.
Ana Olívia e Richard, que se casaram em 2010, numa igreja no Porto, agora voltarão a morar juntos. No Morro da Babilônia ou em outro lugar. A vida a dois recomeçará tendo o Rio de Janeiro como cenário, sem a crise econômica europeia como coadjuvante.






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