Ano sabático sem compras

Por Giovana Sanchez
G1

Alemã fica um ano sem comprar nada e transforma seu apartamento em célula autossuficiente.



Foi numa tarde de domingo em família que a jornalista alemã Greta Taubert pensou pela primeira vez sobre o fim do sistema capitalista. Depois do almoço, ao redor da mesa ainda farta de comida, ela percebeu que todos os seus parentes - menos ela - haviam vivido em sistemas que ruíram: os pais na antiga Alemanha Oriental, os avós no início do Reich de Hitler e os bisavós em uma monarquia. Com recursos escassos, eles souberam se virar. Mas, se o capitalismo tivesse o mesmo fim, ela sobreviveria?

Greta percebeu que sem o principal foco do sistema, o consumo, ela não sabia fazer quase nada sozinha. Foi então que ela teve uma ideia: ensaiar por um ano como seria a vida sem gastar absolutamente nada. Decidiu tirar um "ano sabático" das compras, e passou a aprender como fazer tudo na vida: desde matar um animal para comer até fabricar os próprios móveis e plantar.

"Minha experiência era sobre quebrar as correntes da sociedade de consumo. Pouco a pouco, queria conquistar minha independência da indústria, da publicidade e do capital", disse a jornalista de 30 anos ao G1, por email.

"Fiz uma dieta de compras, comi só carne de animais em que eu mesma atirava e os abatia, reduzi minha alimentação pouco a pouco de vegetariana para vegana, depois freegan (a partir de containers de supermercados), depois para uma alimentação vegana de alimentos-cultivados-em-casa até chegar a só-frutas-frescas-e-ervas. Vivia com apenas três litros de água por dia, tentei implantar os conceitos de doação, compartilhamento, permuta, faça-você-mesmo e carona sem dinheiro pela Europa."

Apesar de ter usado internet algumas vezes "para explorar a economia colaborativa, sites de troca de roupas, sapatos e acessórios" e para "descobrir como fazer coisas com sobras", ela diz que conseguiu mais ajuda com vizinhos e amigos sobre como se virar com absolutamente tudo sem consumir.

Depois de um ano, alguns quilos perdidos e dinheiro poupado, ela escreveu um livro que publicou na Alemanha em fevereiro chamado "Apocalypse Now" - como o filme de Fracis Coppola sobre a Guerra do Vietnã de 1979. "Comecei com uma perspectiva pessimista de como o mundo ocidental entraria em colapso e eu afundaria junto. Mas quanto mais eu entrava em ação, experimentando e brincando, mais descobria a alegria de uma nova sociedade em potencial."

Veja os principais trechos da entrevista de Greta ao G1:

G1 - Como surgiu essa ideia?

Greta Taubert - Tudo começou em uma tarde de domingo comum, na casa dos meus avós. A família estava toda reunida ao redor da mesa, cheia das mais deliciosas comidas e bebidas: bolos de todo tipo. sanduíches, salsichas etc. Estava sem fome, pois a gente tinha almoçado poucas horas antes, mas fome não era uma coisa considerada necessária para comer. Nós sentamos ali e comemos um universo de calorias para mostrar que tudo estava bem - com a gente, com a família, com a nação.

Mas enquanto bebericava meu café, percebi pela primeira vez que todas essas pessoas felizes da minha família já haviam vivenciado um sistema em colapso: meus pais nasceram na República Democrática Alemã [Alemanhã Oriental], criaram uma família e tinham empregos - até 1989, quando tudo ruiu. Meus avós eram crianças quando Hitler tentou criar um Império-de-1000-anos, que foi [ainda bem] terminado após 12. E meus bisavós nasceram sob uma monarquia. Três gerações, três ideologias, três colapsos. O que me faz ter tanta certeza de que esse capitalismo ocidental com todas as suas perversões, seu superconsumo, seus recursos acabando e suas desigualdades sobreviverá?

G1 - Como você encontrou o lugar perfeito para a experiência?

Greta Taubert - Visitei diferentes pessoas em diferentes partes da Alemanha: um fazendeiro autossuficiente, uma comunidade hippie, uma grupo nômade, um parque com trailers, um homem na floresta, meus avós e muito mais. Todos que pudessem ter alguma habilidade que me ajudasse a sobreviver ao fim do capitalismo ocidental. Tentei levar isso que eles me ensinaram por dias ou semanas ao meu apartamento em uma cidade alemã.

O melhor da experiência foi ver que não existe um grupo fechado que pesquisa formas alternativas de pensar e viver. Eu me encontrei com jardineiros urbanos, hackers, hippies, homens de negócios, fazendeiros, anarquistas, artistas e boêmios, tudo para descobrir que todos têm a mesma vontade de se unir para resistir ao que vem pela frente. Nós realmente devemos começar a perceber que dinheiro e consumo nos separou. Todo mundo é capaz de resolver qualquer problema no mundo com dinheiro. Todo aspecto da vida foi monetarizado - até o novo “Zeitgeist“ de compartilhar. Quando você sai dessa lógica por um tempo, você experimenta uma nova riqueza esmagadora: de tempo e de comunidade.


G1 - Como foram os primeiros dias longe de tudo?

Greta Taubert - Só para enfatizar: eu não vivi como uma eremita em uma cabana fora da sociedade de consumo. A maior parte do tempo eu morei no meu apartamento, que tentei transformar em uma célula autossuficiente. Não queria virar uma dessas loucas isoladas que viram as costas para a sociedade e para a vida normal. Amo a minha vida, os confortos do estilo ocidental de viver, amo a época em que eu vivo e não quero perder isso. Temi que um dia tudo isso fosse acabar. Nós exploramos recursos, solos, água. Nós desperdiçamos quantias enormes de tudo, estamos afogados em plástico - e fingimos que infelizmente não há volta.


G1 - Poderia contar um momento engraçado ou forte que viveu nesta experiência?

Greta Taubert - Queria descobrir como se vivia só com frutas e ervas. Felizmente existe um grupo na Alemanha que vive com uma dieta radical de alimentos crus chamada ‘Urkost’. Eles não querem depender de nenhum procedimento agrícola. Pensei: ‘ou eles são loucos ou são uma seita de suicidas!’

Para me preparar para esse tipo de dieta radical, comi apenas (um tipo especial de) terra e água por cerca de uma semana para limpar meu corpo de todo tipo de alimento industrializado e processado agricolamente. Foi difícil, perdi a consciência diversas vezes. Depois vivi junto com uma mulher que se alimenta apenas com frutas frescas e plantas há mais de 20 anos. Antes de chegar na casa dela, estava com a maior fome que senti na vida. Realmente senti que podia morrer de fome. Mas aconteceu o contrário, em poucos dias me senti muito bem, só com as ervas e frutas. Foi uma bênção!


G1 - O que sua família e amigos acharam da experiência?

Greta Taubert - Na verdade, minha família não entendeu porque eu queria sair da zona de conforto. Eles viveram o que poderia ser uma sociedade com escassez e fome. Disse a eles: minha geração nunca lidou com nada existencial. Não sabemos como permutar, como reformar, plantar, aquecer, ser autossuficiente. Tudo o que sabemos é como ir ao mercado e ao shopping. Isso nos torna muito dependentes do fato de que tudo ficará como é. Que nós consumimos, consumimos, consumimos. Porque esta é a base do nosso sistema. [...] Mas seremos confrontados com a situação de escassez cedo ou tarde. Por que deveríamos esperar que a miséria nos faça agir?


G1 - Qual sua conclusão sobre a sociedade de consumo?

Greta Taubert - Não dá para não consumir. Tudo o que fazemos está ligado à sociedade de consumo. Mas podemos trabalhar contra a perversão disso tudo: o hiperconsumo. Quando você planta sua própria cenoura, você vai comê-la mesmo que não tenham a forma perfeita e mesmo que elas não sejam as mais frescas da geladeira. Quando você faz sua própria cadeira, você provavelmente cuidará mais dela do que a que você comprou por 5 euros no Ikea (rede de lojas de móveis). E quando você descobre a alegria de permutar e reciclar, valoriza muitas coisas que foram rotuladas de lixo antes.


G1 - O que mudou em você após esse ano?

Greta Taubert - Eu abandonei o julgamento do que é normal. Se alguém que vive do lixo pode ser um cara normal - ou aquele que joga as coisas no lixo. É normal a especulação imobiliária ou a invasão?


G1 - Qual foi a primeira coisa que você comprou quando chegou?

Greta Taubert - Meias-calças. É uma coisa que rasga toda hora, não dá pra arrumar, não pode ser trocada, mas ainda é uma paixão de menina que eu provavelmente nunca vou superar.


G1 - Qual lição você tira da experiência?

Greta Taubert - A era do ‘mais, mais, mais’ acabou. Estamos entrando em um novo episódio na história. Preparem-se -- e não percam a alegria de experimentar e brincar.


G1 - Por que seu livro se chama 'Apocalypse Now!'?

Greta Taubert - Porque comecei com uma perspectiva pessimista de como o mundo ocidental entraria em colapso e eu afundaria junto. Mas quanto mais eu entrava em ação, experimentando e brincando, mais eu descobria a alegria de uma nova sociedade em potencial. Eu me perguntei: por que devo esperar que o velho sistema entre em colapso? Por que não tentar novas formas de viver junto antes que tudo acabe? Nós temos o grande, grande luxo de poder ensaiar. Deveríamos usá-lo.


G1 - Qual a melhor parte de voltar?

Greta Taubert - Não precisar seguir minhas próprias regras radicais (sem compras, sem carne). Não sou uma grande fã de regras, na verdade.

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