Não vai ter golpe! Uma análise do discurso petista

“Não haverá golpe!" A veracidade do discurso petista
por Nildo Viana
Informe e Crítica
março 2016



O mote dos petistas, simpatizantes e apoiadores é que “não haverá golpe” e que é preciso impedir o “fascismo”. A análise dialética do discurso permite mostrar o que isso significa e que tem um momento de verdade. No entanto, esse momento de verdade é uma ilha isolada cercada por inúmeros “momentos de falsidade”. 

Qual é o momento de verdade desse discurso? É quando afirma que “não haverá golpe”, pois essa possibilidade está tão distante do horizonte que é um truísmo. No entanto, por detrás desse momento de verdade, há um momento de falsidade, que é justamente afirmar a existência de tal possibilidade. Não existe nenhuma possibilidade de golpe hoje no Brasil, bem como não existe nenhuma “força fascista” com condições de chegar ao poder. Mas existem mais momentos de falsidade nesse discurso e é isso que vamos apontar agora. 

O primeiro elemento é entender o que significa golpe de estado (pois é a isso que se refere o discurso petista):



Um golpe de Estado é quando um grupo de pessoas se apossa de forma ilegal do aparelho do Estado, ou seja, quando um grupo rompe com as regras legais estabelecidas, tais como a legislação eleitoral, partidária, etc., inclusive utilizando a força se necessário, e toma posse do aparelho de Estado. Isto quer dizer que o fato de se apossar do aparelho de Estado pela via democrática não constitui, ainda, um golpe de Estado. Tal golpe, neste caso, se concretiza quando, no poder, se destrói a democracia representativa ou a reduz a mera farsa, participando apenas o partido do governo e, em certos casos, uma “oposição consentida”. De qualquer forma houve um rompimento com a legalidade anterior (VIANA, Nildo. O Que São Partidos Políticos? Goiânia, Edições Germinal, 2003, p. 67-68, nova edição: Brasília: Kíron, 2014).

O que vem ocorrendo no Brasil atual está dentro da legalidade burguesa. Há um processo de impeachment do governo Dilma, um pedido de cassação no STF – Superior Tribunal Federal – e pedidos para renúncia. Em nenhum dos três casos há um rompimento com a legalidade burguesa. No primeiro caso, é um processo que ocorre no parlamento, supervisionado pelo poder judiciário, que alterou as regras do jogo que o presidente da Câmara dos Deputados estava impondo. Precisa de aprovação nessa instância, com direito de resposta da presidente Dilma, e indo para outra instância, o Senado, seguindo o processo previsto em legislação. Logo, não há nada contra a legalidade burguesa. O que se pode dizer que há – e isso ocorre mesmo – é a existência de forças políticas lutando para concretizar o impeachment, o que sempre ocorreu e é comum na democracia representativa. Somente os ingênuos acham que é tudo neutro e honesto no parlamento. É assim que funciona a política institucional e somente com grande dose de cinismo os petistas poderiam agora denunciar tal processo. Afinal de contas, o que foi o mensalão? Os petistas podem pressionar, usar dinheiro, etc., para conseguirem o que querem no parlamento e isso está certo, mas quando são os outros, é “golpe”? Se a discussão é a falta de fundamento para o impeachment, isso é o que todo mundo que corre esse risco vai dizer. Não há falta de fundamento absoluto e sim relativo e é a decisão do parlamento que conclui sobre isso. Continuamos dentro da normalidade e legalidade burguesa. O mesmo valeria para o caso de Fernando Collor de Melo, que o PT apoiou o impeachment. O PT foi golpista? Se hoje há algum “golpismo”, então o PT é tão golpista quanto os outros. O PT foi golpista tamém quando pediu o impeachment de Fernando Henrique Cardoso? A versão petista da história pode ser sintetizada na frase “só os outros são golpistas”.

Da mesma forma, o pedido de cassação e o de renúncia estão previstos em lei e estão dentro da legalidade burguesa. Não há nenhum golpe. Agora, não deixa de ser curioso o argumento de que o governo foi legitimamente eleito. Da perspectiva burguesa, o governo Dilma foi legitimamente eleito, com a minoria do total do eleitorado e mais ainda, minoria da população, e através do engodo eleitoral, prometendo não só o que não iria cumprir como sabendo que faria o contrário. Mas, com exceção dos legalistas, todos consideram que o governo eleito pode ser retirado se assim quiser a maioria da população ou tal governo infringir a lei. Ora, as solicitações de impeachment e cassação se fundamentam na infração da lei. Logo, está tudo dentro da legalidade burguesa. Da mesma forma, a população está indo às ruas solicitar o impeachment. Logo, o PT se contradiz, pois era a “vontade popular” que era fundamental, agora já não é mais. A vontade popular é superior quando o PT está na oposição, quando está no governo, já não vale.

Por conseguinte, o discurso petista não tem nenhuma base real. Por qual motivo esse discurso então? Ora, o discurso atual está voltando para uma disputa de poder, ou seja, quem vai ficar no governo, no final das contas. Por isso, é um discurso igual ao eleitoral e, portanto, mentiroso (veja: http://informecritica.blogspot.com.br/2011/02/do-discurso-eleitoral-ao-discurso.html). O PT precisa de apoio popular e de certos setores da sociedade para se manter no governo e por isso precisa mentir, tal como fez no processo eleitoral. Assim, os ingênuos, os que possuem dificuldade de ver as motivações dos discursos e/ou a totalidade, os que são simpatizantes e partidários do Governo Dilma, todos tendem a concordar e reproduzir esse discurso. Assim, existem os arquitetos do discurso (ideólogos e propagandistas do PT), os primeiros reprodutores (petistas em geral), os demais reprodutores (simpatizantes, ingênuos, etc.) e o público-alvo principal, os setores progressistas da sociedade, e o secundário, trabalhadores, que seriam atingidos pela reprodução discursiva de todos os anteriores. Os governistas, ingênuos e bloco progressista seriam a caixa de ressonância do discurso petista sobre o golpe.

E por qual motivo o mote é sobre o “golpe” e “fascismo”? Por um motivo muito simples. Poucos são a favor do PT, mas muitos são contra o golpe e o fascismo e a jogada é conquistar estes e junto com estes ganhar apoio popular generalizado, um contraponto ao impeachment. Podemos ilustrar graficamente isso (os dados abaixo são hipotéticos, apenas para mostrar as tendências, embora sejam bastante prováveis).





Aqui temos um governo impopular e atacado por seus adversários em várias instâncias e lugares, bem como com um apoio popular diminuto. Por outro lado, temos o fascismo e “golpismo” (associados, inclusive deturpando o significado das duas palavras no caso concreto que analisamos agora). A estratégia é simples. É jogar a maioria não-fascista contra os seus adversários chamando-os de fascistas e golpistas. Um exemplo cotidiano pode ajudar a explicar isso. João está num sítio com dez amigos e é mal visto no grupo por ser o único vascaíno no meio de flamenguistas e está sendo “vítima” de piadas por parte de José. Ele habilmente muda o assunto e recorda que José gosta de música sertaneja, sendo que os outros todos gostam de rock. Ele joga todos os demais contra este último por gostar de música sertaneja, o que tem mais rejeição nesse grupo do que ser vascaíno, afinal, eles são todos “roqueiros” e preferem música ao futebol. Isso promove uma reviravolta, o tema passa a ser o gosto musical de José e sua rejeição une os demais contra ele e João ganha apoio e seu gosto futebolístico é esquecido. Assim, João vence seu adversário José com um estratagema discursivo. Esse é o discurso petista, que joga os “roqueiros” contra os “sertanejos” para ganhar apoio e se esquecerem que é um vascaíno dividindo flamenguistas, reforçando suas posições contra os adversários num contexto definido. No caso, porém, o discurso petista tem o adendo de ser falso, pois nem sequer tem pessoas que gostam de música sertaneja nesse “sítio” em que ocorre a disputa pelo poder, ou seja, o suposto golpismo e fascismo não tem força suficiente nesse momento, não está na competição pelo poder.

O discurso petista sobre o golpe e o fascismo é apenas uma forma de desviar o que realmente está em questão e conquistar apoio de determinados setores da sociedade que, por sua vez, pode conquistar um certo apoio popular. É um discurso que busca a identificação do adversário com o “mal”, o “indesejável”, o “perigoso” e assim os não aliados defenderem as suas posições e reforçar sua base de apoio, como o “menos ruim”. Isso já foi feito no processo eleitoral passado e serve apenas para polarizar e manipular setores da sociedade. É apenas mais um discurso político e falso na luta pelo poder. Trata-se de apenas manipulação discursiva e cabe a nós ultrapassar isso e dizer a verdade. O que está por detrás disso são os interesses do capital e das duas alas do bloco dominante que o representam, com maior ou menor competência, embora uma delas já esteja praticamente excluída, a ala governista petista, que não larga o osso e não percebe que seu tempo passou. A terceira opção (que já está virando segunda opção, pois uma das suas principais já está reduzida praticamente a quase nada) é a transformação social radical e total, a autogestão social, a única forma possível de abolir a corrupção de uma vez por todas e essas disputas por poder e quem vai ficar com o pote de ouro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário