Istoé
Outubro 2012
Como evitar que o dinheiro estrague o casamento
É melhor ter conta conjunta ou separada? Quem ganha mais paga mais? Qual é a hora certa de falar sobre dinheiro com o parceiro? É um problema a mulher ganhar mais do que o homem? Essas dúvidas, que atormentam os casais modernos, moveram pesquisadores a produzir trabalhos científicos sobre o tema e inspiraram especialistas a buscar respostas práticas, que ajudem homens e mulheres a conquistar o tão desejado sucesso financeiro no casamento. Entre as descobertas está o fato de que eles e elas lidam de forma diferente com o dinheiro, além de um novo método que promete auxiliar os casais a colocar em prática seus sonhos, garantindo que as dificuldades financeiras não destruam os castelos amorosos que motivaram a união.
“Noventa por cento dos problemas financeiros não são matemáticos, mas sim comportamentais”, afirma o consultor financeiro André Massaro. É aí que entram as diferenças entre os gêneros na relação com o dinheiro. De acordo com um estudo realizado em 2011 pela Ledbury Research, mulheres são melhores investidoras, uma vez que são mais disciplinadas, se expõem a menos riscos e possuem maior visão de longo prazo. Contudo, elas também se endividam mais do que os homens, pois gastam mais dinheiro em várias coisas de pequeno valor, enquanto eles preferem investir uma grande quantia em um único bem. “É uma questão sociológica”, diz Gustavo Cerbasi, consultor financeiro e autor do best-seller “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos” (Editora Gente, 2004). “Durante séculos, o homem atuou como o provedor. Hoje, ambos trabalham, mas a mulher está mais acostumada a lidar com as despesas do dia a dia.” Por isso, geralmente são elas quem melhor administram a renda da família. “A situação se complica, porém, quando a esposa tem um salário maior do que o marido”, afirma Massaro. “A maioria dos homens diz não se importar com isso, mas o que eu vejo prova o contrário. Eles ficam com o ego ferido quando a mulher ganha bem mais.”
Os rendimentos mensais da paulistana Marília Cardoso, 27 anos, são superiores aos do marido, Kauê Khouri Bochmakian, 27. Quando eles começaram a sair, há sete anos, Marília ficava admirada com o desprendimento financeiro do namorado. “Ele sempre pagava a conta, e aniversários e datas comemorativas eram sinônimo de presentes caros”, diz. Tudo financiado com o salário de bancário, que não chegava a R$ 900. Desconfiada, a moça colocou o rapaz contra a parede e descobriu que ele tinha uma dívida que já somava R$ 15 mil. “Sou de família humilde e aprendi a sempre poupar antes de comprar. Então, aquela situação para mim era inadmissível”, diz Marília. Nesse momento, começaram as brigas entre o casal. “Eu achava que ela estava se intrometendo demais na minha vida quando me dizia para não gastar”, afirma Bochmakian. As discussões só diminuíram quando Marília pegou dinheiro emprestado com a irmã para quitar a dívida do namorado e o ajudou a economizar para pagar a cunhada, que não cobrou juros. Hoje casados, conseguiram encontrar um equilíbrio. Com o salário dele – ainda bancário, mas em um cargo mais elevado –, pagam as contas cotidianas. O dinheiro dela vai para a poupança e é destinado a gastos maiores. “Recentemente, usamos parte desse montante para comprar uma moto, um terreno onde vamos construir nossa casa e um petshop que pretendemos tocar juntos”, diz Marília, que, inspirada pelas dificuldades do namorado, lançou o livro “Você Sabe Lidar com o Seu Dinheiro?” (Primavera Editorial, 2010).
Dinheiro e casamento estão intimamente ligados desde sua origem. “O casamento como instituição social surgiu na Idade Média, em meados do ano 1000, como uma forma de preservar propriedades”, afirma a psicóloga Cleide M. Bartholi Guimarães, especialista em terapia de casal com foco em finanças e autora do livro “Até Que o Dinheiro Nos Separe” (Editora Saraiva, 2010). “Entre os séculos XVIII e XIX, porém, floresceu a ideia do amor romântico, o que tornou tabu misturar amor e dinheiro”, diz. Os reflexos dessa visão romântica sobre o casamento influenciam o comportamento dos casais até hoje, segundo Cleide. “Percebo que alguns têm mais disponibilidade para falar de valores, mas a maioria não gosta de tocar nesse assunto.” O resultado dessa falta de vontade ou tato para abordar o tema acaba tornando as finanças um ponto de conflito. Segundo um estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, o dinheiro é o principal motivo de discórdia entre casais. Esse dado foi constatado após os pesquisadores acompanharem 373 casais ao longo de 25 anos. Nesse meio-tempo, 46% deles se divorciaram. Entre os divorciados, 49% disseram que brigavam muito com o ex-parceiro por causa de dinheiro e previam enfrentar problemas financeiros também com companheiros futuros.
Falar sobre finanças desde o começo do namoro é o primeiro passo para o sucesso de um casal, defendem os especialistas. “E se, a partir dessas conversas, eles perceberem que têm perfis financeiros diferentes, devem trabalhar para lidar da melhor forma um com o outro”, afirma Cerbasi. O consultor, que definiu os cinco perfis mais comuns e como conciliá-los, diz que é possível melhorar as características financeiras do cônjuge, mas não mudá-las por completo. “Se o perfil do outro incomoda demais, deve-se considerar a separação.” Foi o que aconteceu com o gaúcho Gérson Worobiej, de 43 anos. Querendo manter o mesmo padrão de vida de antes do casamento, a ex-mulher dele gastava mais do que ganhava e logo eles tinham contraído dívidas no cheque especial e no cartão de crédito. “Depois de 13 anos, olhei para trás e vi que não havia construído nada”, afirma. Após a separação, Worobiej ainda enfrentou meses de dificuldades financeiras até conhecer sua atual esposa, a contadora Patrícia de Andrade Garcia, 35 anos. Com Patrícia, as compras do casal são calculadas e até sobra dinheiro para colocar na poupança todo mês. “Nunca dormi tão bem na minha vida, sem ter que me preocupar com credores”, diz Worobiej.
Para os casais que desejam acertar os ponteiros financeiros, mas não sabem como, uma orientação é colocar no papel os projetos a curto e a longo prazo de cada um. Esse método, batizado de “livro dos sonhos”, foi criado pela planejadora financeira americana Kimberly K. Maez. Segundo a especialista, eles devem se fazer as seguintes perguntas: “Onde você se vê em cinco anos? E em dez?”, “O que você espera que o dinheiro traga para você? E para sua família?” Depois que ambos tiverem respondido individualmente, é hora de sentar e conversar sobre as respostas. “Essa é uma forma de fazer os casais falarem sobre seus objetivos e valores, e checar se eles são compatíveis”, diz Kimberly. Cerbasi concorda. “Falar sobre dinheiro é falar sobre sonhos”, diz.
Compartilhar o mesmo sonho foi a chave do sucesso financeiro do casal paulistano Rodrigo Geammal, 39 anos, e Fabiana Azevedo, 38. Há seis anos, eles alugavam um pequeno apartamento de um quarto, onde tinham apenas um colchão, um cobertor, um baú e uma televisão, quando a agência de marketing de Geammal faliu. “Eu disse para a Fabiana: ‘O sonho acabou’”, conta Geammal. “Mas ela me respondeu: ‘Não acabou, não. Nem que a gente tenha que morar debaixo da ponte, vamos fazer esse sonho acontecer.’” Atuando como atendente publicitária, Fabiana passou a cobrir todos os gastos do casal enquanto Geammal reestruturava o conceito da empresa. Aos poucos, o negócio prosperou e Fabiana deixou o emprego para tocar a agência com o marido. Hoje eles possuem clientes entre grandes companhias e trocaram o quarto e sala por um confortável apartamento na zona sul de São Paulo.
“Muitas pessoas acham que podem resolver sozinhas um problema financeiro e acabam escondendo isso do parceiro, até a situação se tornar insustentável”, diz o consultor Massaro. O ideal, defende o especialista, é ser sincero. “Especialmente se o problema for uma dívida que só cresce.” Caso dos servidores públicos federais Ubiratan Hops Guimarães, 44 anos, e Ângela Stela Guimarães, 42, casados há 22 anos e pais de Isabella, 14. “A gente gastava mais do que ganhava. Cartão de crédito, cheque especial, empréstimos consignados... tinha de tudo”, diz Guimarães. Para não irem à falência, decidiram vender um apartamento financiado em uma área nobre de Curitiba, que consumia todos os meses R$ 3,2 mil da família, e se mudaram para uma casa em um bairro mais modesto. “Ainda não estamos conseguindo guardar dinheiro, mas acredito que dentro de seis meses a gente vire investidor. Esse é o nosso projeto: de gastador a investidor!”, diz Guimarães, que conta com a orientação de um consultor para atingir esse objetivo.
Livrar-se das dívidas pode trazer uma sensação de alívio e melhorar a convivência, mas o ideal, garantem os consultores, seria planejar os gastos. “Para dar certo, o casal deve deixar de pensar na vida financeira de solteiro e focar na família”, diz o economista carioca André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas. Com o casamento marcado para 31 de julho de 2013, Liliane Santos Lima, 24 anos, e Jefferson Augusto Moskoski, 25, estão juntando dinheiro há um ano, com a ajuda de um casal de consultores financeiros. Todo mês, ela, que é assistente-administrativa, e o noivo, empresário, depositam uma parte de seus salários em uma poupança, para custear as despesas com a festa. “Nós temos perfis bem parecidos, somos controlados e queremos começar nossa vida a dois sem dívidas”, diz Liliane.
Não existe uma fórmula que garanta o sucesso financeiro de um casamento, mas algumas atitudes caracterizam o comportamento dos casais que chegaram lá. “Entre os segredos dos bem-sucedidos, está cultivar a transparência e a confiança na hora de juntar rendas e dividir os gastos”, diz Cerbasi. Lição aprendida com louvor pela dupla Carla Sarni, 38 anos, e Cleber Soares, 36. A parceria financeira entre eles fez o casal sair de um faturamento de R$ 360 mil anuais do pequeno consultório odontológico de Carla para os atuais R$ 180 milhões que a Sorridents, franquia de consultórios fundada por ambos, fatura hoje anualmente. Quando se casaram, Carla propôs ao marido que largasse a carreira militar e a faculdade de análise de sistemas para estudar odontologia. Quando ele se formou, eles já tinham mais de duas dezenas de clínicas. Hoje, são 183 unidades. Para Carla, o maior motivo do sucesso da Sorridents é o apoio incondicional entre os dois. “No início, resolvi abrir mais de dez consultórios de uma vez e acabamos precisando vender o apartamento em que morávamos para colocar dinheiro no negócio. Ele nunca me criticou por isso. Apenas dizia que em breve compraríamos outro imóvel”, diz a empreendedora, que acaba de se mudar com o marido para um belo apartamento de 355 metros quadrados em São Paulo.
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