Se as mangueiras atinavam com a escassez das chuvas, por que não sabiam os homens, aparelhados com tecnologias ultrassofisticadas?
Por Luiz Ruffato
El País
Janeiro 2015
Sou um especialista em “mangomancia”. Não sei se na literatura profética existe essa modalidade, mas aprendi, ainda criança, com os caboclos da colônia italiana de Rodeiro, a arte de adivinhar o regime de chuvas por meio da quantidade de frutos das mangueiras. E compartilho com o leitor esse conhecimento que acredito milenar, pois a manga, originária do sudeste asiático, já é citada em poemas clássicos indianos do século IV a.C. Antecipo também uma possível explicação lírico-científica para compreender o comportamento desse vegetal, e arrisco, enfim, uma moral, como aquelas encontradas nas fábulas antigas.
Viajei bastante nos últimos meses do ano passado pelo interior de São Paulo e de Minas Gerais, muitas vezes por rodovias secundárias, cruzando enormes áreas desabitadas. De vez em quando, surgia à beira da estrada uma casa simples, sempre no quintal um cachorro e uma galinha e sua ninhada, uma mangueira a protegê-los, os bichos e os moradores, do sol impiedoso – a temperatura facilmente ultrapassa, nesses lugares, os 30 graus. O carro avançava e por todos os lados a mesma desolação: as mangueiras, árvores exuberantes, mostravam-se anêmicas, com poucos e pequenos frutos em seus cachos.
Comentava então com os motoristas, Este ano será de pouca chuva. E eles, curiosos, indagavam, Como você sabe? Eu respondia, É só ler as mangueiras. Em ano de fartura de água, elas exibem cachos carregados com enormes pomos, que de tão pesados vergam os galhos mais robustos. Fica parecendo uma sombrinha de abas largas voltadas para o chão. Em época de escassez, lembram uma boca quase sem dentes ou a tosse intermitente de alguém enfermo ao longo da madrugada. Eles me miravam com um misto de desprezo e admiração. Assim são encarados os vaticinadores no século XXI...
Mas, talvez, a explicação para esse sortilégio seja bem mais pedestre. As mangueiras, como organismos vivos, necessitam de estratégias para garantir sua sobrevivência e conservar a espécie. Prospectando o futuro, com instrumentos por nós desconhecidos, percebem se o ano será de estio ou de umidade, definindo, a partir do resultado desse exame, a intensidade da floração. Se a perspectiva for de seca, a floração será minguada – se for de chuva, abundante. De nada adianta uma floração copiosa em tempos ruins, pois sem água não há vida – portanto, elas acumulam forças para tempos melhores... Essa é uma explicação lírico-científica...
Se as mangueiras atinavam com a escassez das chuvas, por que não sabiam os homens, aparelhados com tecnologias ultrassofisticadas? A eufemisticamente intitulada “crise hídrica” despontava no horizonte desde 2013, quando o regime de águas mostrou-se irregular. Mas, claro, em 2014, além de termos sucumbido traumaticamente à Copa do Mundo (e não estou falando de futebol, apenas), tivemos eleições. E os governantes, todos, trataram de camuflar a situação para garantir mais um mandato.
A “crise hídrica” não implica somente ausência de água em nossa residência – para beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa –, como impacienta-se nosso egocentrismo. A “crise hídrica”, para além da sensação de desconforto pessoal, significa inflação nos preços dos alimentos e dos serviços, e desemprego. Significa, principalmente, crise energética (90% da produção brasileira provém de geradores hidráulicos), que também, por sua vez, gera carestia e diminuição de postos de trabalho.
Por fim, a moral da história: as mangueiras não mentem jamais!
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