Influência de hormônios nas tomadas de decisão


Pesquisas apontam influências do corpo no processo de decisão financeira
por John Coates
UOL
julho 2012





Quando você assume riscos, é obrigado a lembrar, da maneira mais insistente, de que tem um corpo. Porque o risco, por sua própria natureza, ameaça feri-lo.

Um motorista que acelera numa estrada sinuosa ou um soldado que corre por uma terra de ninguém – ambos estão diante de uma grande chance de se ferir, e até de morrer. E essa possibilidade deixa a mente mais afiada e desencadeia uma reação biológica conhecida como resposta de "luta-ou-fuga". De fato, o corpo é tão sensível aos riscos que você pode se ver neste tumulto visceral mesmo quando não há uma ameaça imediata de morte.

Winston Churchill reconheceu este poder que o risco não letal tem sobre nós. Ao escrever sobre sua juventude, ele conta sobre um jogo de polo regimental jogado no sul da Índia que foi para o tie break no chukka final: "Raramente eu havia visto rostos tão extenuados dos dois lados", contou. "Você não acharia que era um jogo, mas sim uma questão de vida ou morte. Crises bem mais graves causam menos emoções fortes."

Emoções e reações biológicas tão fortes quanto podem ser desencadeadas por outra forma de risco não-letal: o risco financeiro. Negociantes profissionais, gerentes de fundos e investidores fazem apostas que podem ameaçar seus empregos, casamentos e reputações. O dinheiro tem um significado especial em nossas vidas, então ganhar e perder dinheiro pode ativar uma resposta biológica poderosa.


Economistas tendem a ver a avaliação de riscos financeiros como uma questão puramente cognitiva, exigindo o cálculo de retornos, probabilidades e a alocação ótima de capital. Mas avanços recentes da neurociência e da psicologia mostraram que quando assumimos riscos fazemos muito mais do que simplesmente pensar. Nos preparamos para eles fisicamente.

Para ter uma ideia de como funciona esta fisiologia, observemos brevemente o andar de negócios de um grande banco de investimentos. Considere o seguinte cenário, no qual um negociante está diante de uma volatilidade inesperada no mercado, causada por um rumor de que o Federal Reserve dos EUA pode aumentar as taxas no final daquela tarde.

O negociante que vamos seguir, podemos chamá-lo de Scott, passou a manhã avaliando o rumor, pesando os dados econômicos e estabelecendo sua posição. Então, às 14h15 aproxima-se o momento em que o Fed fará seu anúncio, os negócios na tela diminuem. O andar fica em silêncio. No mundo inteiro, negociantes fizeram suas apostas, e agora eles esperam. Scott sente-se preparado intelectualmente. Mas o desafio que agora ele enfrenta é também uma tarefa física, e desempenhá-la com sucesso requer energia suficiente para sustentar seus esforços pelas próximas horas quando a volatilidade chegar ao pico.

Consequentemente, o corpo de Scott, assim como sua mente, preparou-se para o evento. Seu metabolismo se acelera, pronto para usar a energia guardada no fígado, nos músculos e nas células de gordura. Sua respiração acelera e seus batimentos cardíacos ficam mais rápidos. O sistema nervoso de Scott começou a redistribuir o sangue pelo corpo, reduzindo o fluxo de sangue para as vísceras e órgãos reprodutivos, e dirigindo-o para os principais grupos musculares nos braços e coxas bem como para os pulmões, coração e cérebro.

O anúncio do Fed trará voltalidade, e uma chance de fazer dinheiro. À medida que o potencial de lucrar paira em sua imaginação, Scott sente um aumento inequívoco de energia à medida que os hormônios esteroides começam a sobrecarregar os grandes motores de seu corpo. Esses hormônios levam certo tempo para agir, mas uma vez sintetizados por suas respectivas glândulas, começam a mudar quase todos os detalhes do corpo e do cérebro de Scott – sua massa muscular, humor, até mesmo as memórias das quais ele se lembra.

Durante as duas últimas horas, os níveis de testosterona de Scott subiram constantemente. Isso aumenta a hemoglobina em Scott, e consequentemente a capacidade do sangue de carregar oxigênio; isso também aumenta sua confiança e, crucialmente, seu apetite pelo risco.

Outro hormônio, a adrenalina, aumenta em seu corpo, acessando os depósitos de glicose, principalmente no fígado, e enviando-a para o sangue para que Scott tenha um suprimento a mais de combustível para sustentá-lo e qualquer problema que sua testosterona o colocar. Um terceiro hormônio, o cortisol, do estresse, sai lentamente das glândulas adrenais e viaja até o cérebro, onde estimula a liberação da dopamina, um químico que opera ao longo dos circuitos neurais conhecidos como caminhos do prazer.

Agora, às 14h14, Scott se inclina em direção às telas, com as pupilas dilatadas, músculos contraídos, respiração ritmada e profunda – o corpo e o cérebro fundidos para a ação iminente. Um silêncio de expectativa desce sobre os mercados globais.

O cenário acima ilustra como nossos corpos são sensíveis à informação, como a do anúncio do Fed. A informação, simples preços numa tela, pode provocar uma forte reação do corpo. Não vemos a informação como um computador veria, de forma desapaixonada; nós reagimos a ela fisicamente.

Quando os negociantes desfrutam de uma longa onda de lucro, vivenciam uma alta que é profundamente narcótica, e muito difícil de controlar. Qualquer negociante conhece a sensação, e todos temem suas consequências. Sob esta influência, eles tendem a se sentir invencíveis, e a fazer negócios tão estúpidos que acabam perdendo mais dinheiro do que ganharam na onda de lucro que desencadeou a sensação de onipotência em primeiro lugar. Os negociantes com sorte são negociantes sob a influência de uma droga que tem o poder de transformá-los em pessoas diferentes.

E talvez este químico, qualquer que seja, responda pela maior parte das burrices e do comportamento extremo que acompanha as bolhas, com pessoas se perdendo em ilusões malfadadas, até que a luz fria da manhã coloque o mundo de volta no foco. Depois da bolha ponto-com, negociantes estavam como festeiros de ressaca, com a cabeça entre as mãos, chocados por terem gasto suas economias em esquemas tão ridículos.

De todas as pesquisas dedicadas a explicar a instabilidade do mercado financeiro, poucas envolveram olhar para o que acontece fisiologicamente aos negociantes quando estão presos no meio de uma bolha. Esta é uma omissão extraordinária. Acho que precisamos levar a sério a possibilidade de que as mudanças fisiológicas trazidas pelos lucros e perdas podem mudar as preferências de risco sistematicamente em todo o ciclo dos negócios, desestabilizando os mercados. E esta conclusão poderia mudar profundamente como vemos os mercados e curamos suas patologias.

Meus colegas e eu na Universidade de Cambridge estamos realizando uma série de experimentos no pregão da Cidade de Londres e num laboratório em Cambridge. Eles têm como objetivo testar a hipótese de que a molécula de exuberância irracional é na verdade o hormônio esteroide testosterona, e que aumentar os níveis deste hormônio pode transformar lentamente a forma prudente de assumir riscos num comportamento de risco, e um mercado em alta numa bolha.

Meus colegas e eu também vimos coletando dados que sugerem que o pessimismo irracional pode ser uma consequência natural da resposta de estresse, uma reação no corpo todo às condições de incerteza e incontrolabilidade, condições que são encontradas em forma extrema durante a crise financeira. O estresse crônico nos mercados, e no local de trabalho em geral, pode promover uma aversão irracional ao risco. Pior que isso, ela pode contribuir para distúrbios cardiovasculares, metabólicos e do sistema imunológico.

A Economia raramente olhou para a influência do corpo no processo de decisão financeira. É a economia do pescoço para cima. Por que ela ignorou o corpo de forma tão insistente? O motivo, acredito, é que o Ocidente herdou uma cultura dominada por uma noção platônica de divisão entre corpo e mente, de acordo com a qual a principal competência e a faculdade que distingue os seres humanos é o pensamento puro.

Mas a escolha consciente e racional é apenas um elemento no drama de nossas vidas. Muitos economistas de fato reconhecem isso. Economistas comportamentais, e mais tarde economista que estudam a neurociência, construíram um modelo mais robusto de risco financeiro, com todas as suas peculiaridades. Mas esta pesquisa precisa reconhecer mais explicitamente que o cérebro é inextricavelmente ligado ao corpo, que os dois evoluem juntos e trabalham juntos. Esta fusão de corpo e cérebro nos fornece as reações mais rápidas das quais precisamos para sobreviver num mundo brutal, e as sensações viscerais nas quais confiamos para decidir bem.

A biologia do risco pode, entretanto, tornar-se ocasionalmente desequilibrada, e quando isso acontece, o mercado sofre. Se as forças biológicas exageram os altos e baixos dos mercados, então precisamos pensar em como alterar os programas de treinamento, práticas de administração, e até as políticas para contrabalancear isso.

No momento, entretanto, temos o pior dos dois mundos – uma biologia instável aliada a um esquema de bônus que continua a recompensar o comércio de grandes variações. Os gerentes de risco precisam reduzir a intensidade dessas ondas biológicas, não amplificá-las.

Para ajudá-los a fazer isso, os economistas precisam fazer ciência no local de trabalho. Precisamos estudar os tomadores de riscos que carregam fardos pesados, e observar as consequências. O que os gerentes precisam é de uma ciência conduzida com os mesmos conceitos que aqueles que usam em seus empregos. Eles gostam de pesquisas científicas cujas variáveis incluem, digamos, "L&P" (lucros e prejuízos) ou "VaR" (valor com risco).

Além disso, eles ficam mais seguros quando descobrem que seus insights sobre o comportamento dos tomadores de risco pode ser avançado por pesquisas na biologia e medicina. O fisiologista do século 19 Rudolf Virchow disse certa vez que a política é a medicina exagerada. Hoje podemos dizer o mesmo da economia.

* John M. Coates é pesquisador sênior de neurociência e finanças na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e ex-negociante de Wall Street para o Goldman Sachs, Merrill Lynch e Deutsche Bank. Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário:

Postar um comentário